31 de março, o dia (não oficial) dos Monitores Ambientais no Estado de São Paulo

Foto: Israel Mário Lopes

Por Israel Mário Lopes

Você deve se lembrar da primeira vez que abriu um livro e ainda não sabia ler e, enquanto voltava a atenção praticamente a todas as imagens, conferindo cores, formas e detalhes, perguntava aos pais o que era aquilo que apontava.

Quando uma pessoa entra pela primeira vez em um dos biomas brasileiros se vê na mesma situação, não conhece muito sobre aquilo que vê, não sabe escrever facilmente e tem dificuldade de notar suas diferenças e semelhanças, arrisca-se, porém incerto. 

Entre os povos indígenas, quilombolas, caiçaras e outras populações tradicionais que vivem na floresta, ao lado, vivem da floresta e com a floresta, tudo se assemelha à uma imensa biblioteca e busca-se nela uma folha para um chá, um fruto para comer, uma liana ou taquara para um artefato, planta-se numa época, colhe-se em outra, manufatura o produto de um jeito ou de outro. De um jeito foi pai e mãe que ensinou, “mas fulano, filho de sicrano” disse que ele faz de outro modo e perto de onde ele vive todos fazem igual e dá certo.  De geração a geração o conhecimento passa adiante, se aprimora, se altera ou se torna esquecido por conta das mudanças da cultura, das necessidades, das novas tecnologias etc.

Em janeiro de 2021 eu estava na roça com meu pai que apesar de ter sido ferroviário dos 18 aos 53 anos de idade, em Paranapiacaba (Santo André) e Cubatão, no estado de São Paulo, trabalhou na roça desde que se compreendeu como gente até os 18 lá em Minas Gerais, e enquanto ferroviário não parou de mexer na mata, na horta e no galinheiro. Meus bisavôs e bisavós, avôs e minhas avós, meus tios-avôs e tias-avós, tias e tios e primos também viveram da roça lá na Zona da Mata  Mineira. Eu não faço ideia de como chegaram lá, inclusive é a maior e inquietante curiosidade da vida, mas sei que é uma região da etnia purí e que também foi área de expansão da lavoura cafeeira para onde afluíram os povos que um dia “viveram” do ouro e populações do Vale do Paraíba com o avanço da fronteira agrícola, portanto, todos estiveram envolvidos de alguma forma com os rios, as terras, as matas e as lavouras.  E para quem vive assim, é nessa biblioteca viva e bagunçada que se busca tudo ou quase tudo o que se precisa, mas não a esmo.  Aprenderam nas relações entre os mais velhos e amigos sobre cada item, onde buscá-lo, como encontrá-lo, cada uso, os nomes populares e foi assim que me surpreendi ao saber que para bater o feijão não se usa uma vara qualquer, eles escolhiam um galho da arvoreta vaquinha ou serra, na falta delas sim qualquer outra de firmeza semelhante. Que tem feijão do tempo e feijão da chuva, que após a separação da palhada, aquela cascasinha fina que sobra do assopro durante a debulha, chamam de munha. Notem a riqueza de detalhes de algumas horas de trabalho entre os mais velhos.

Enquanto se trabalha, fala-se, como um bom mineiro fala-se muito, com as propositais variações de uma mesma palavra para fazer graça, e de assuntos variados. Descansávamos à sombra das  jabuticabeiras quando arranquei uma figueira-mata-pau de seu tronco, e Zé, que estava ajudando meu pai Joaquim, se surpreendeu dizendo “Oh! Ele é de São Paulo, mas sabe o nome de árvore!”, eu poderia dizê-lo que sabia também o nome científico, mas apenas dei risada enquanto meu pai disse que eu ando nas matas de Paranapiacaba.

Foto: Tonini, 2018

Semelhante surpresa há nas senhoras que ao falar das plantas, encontram em mim o diálogo de quem entende o que é capim-cidreira e o que é erva-cidreira, o que é o bredo no nordeste ou caruru aqui no sudeste, o que é “arapinóbi” no dialeto da roça e ora-pro-nobis e seu significado e nos senhores que me ouvem falar do tico-tico, do trinca-ferro, reconhecer o canto do bico-de-pimenta, do nhambu, do pixoxó e dizer que taioba é diferente de inhame ou que raspar uma lata de bebida em uma rocha faz os bagres se assanharem. E tão maravilhadas ficam as crianças  ao saber que girino vira sapo, rã ou perereca, que peixe é outra coisa apesar da semelhança, que existem outros felinos além da onça-pintada e a suçuarana, que o fruto da juçara tinge a língua e faz sorvete. O mesmo também anima os jovens, mostrar que é possível falar de química quando se fala da história de Cubatão, da Reserva Biológica do Alto da Serra de Paranapiacaba e meio ambiente ou relacionar Big Brother, o panóptico em Paranapiacaba e emendar em 1984 do Orwell. Esses diálogos que se estabelecem de maneira suave durante uma visita à uma unidade de conservação são uma ponte que liga a ciência às pessoas comuns e a ponte que liga o saber popular transmitido àquelas pessoas que não tem relação com o campo, que não sendo esse meio, muito possivelmente seria a frieza da informação transmitida pela mídia (exceto o programa de sexta-feira à noite que sempre comentam).

É nessa trama de relações que acontece muito bem (ou se espera) a educação informal, cheia de sotaques, de risos, de expressões, de pausas para descanso e para beber água direto do riacho e uma finalização com um sorvete de cambuci, de uvaia ou juçara. Em campo há em toda relação  uma busca de diálogo mais compreensível entre ambas as partes. Quando o visitante não sabe se a aleluia é a mesma árvore que falam no bairro dele, a gente tenta quaresmeira-amarela, pau-cigarra, caquera etc. Classe social, idade, naturalidade, escolaridade geralmente não são barreiras.  (Me recordo de uma vez que ao chamar um rapaz que estava de costas observando uma maquete, virou e disse que não falava português e era da Rússia, na trilha eu apontava o dedo e falava o nome científico, outras vezes ele falava os nomes científicos antes de mim e assim me mostrou o quão uma pessoa de fora pode saber da nossa flora).  A mídia que não distingue se o telespectador é uma jornalista, um agricultor, uma cozinheira, um sapateiro, um turista que rodou o mundo, uma bióloga, uma engenheira agrônoma, um produtor de cambuci, enquanto em campo é possível encontrar o assunto que atrai atenção, agrada, lembra um afeto, faz aflorar uma recordação e toca o coração, fazendo uso das lembranças, causos, formas, cores, tato, olfato e audição.  Nota-se nesse preâmbulo a importância da relação entre as pessoas, um ou uma anfitrião que não só fala, mas vive aquilo que fala, assim como um visitante aberto ao conhecimento ou ao diálogo.

Foto: Israel Mário Lopes

Tudo isso, resumido, para dizer que uma das peças importantes e quem sabe fundamentais para a educação ambiental informal e até mesmo contribuinte para a educação ambiental formal e não-formal, é o monitor(a) ambiental.

O monitor ambiental no estado de São Paulo, é aquele apto a conduzir os visitantes por trilhas em unidades de conservação. Foi em 31 de março de 1998, regulamentado, por meio da Resolução SMA 32/98, o credenciamento de monitor ambiental para a visitação pública em unidades de conservação. (A resolução atual, semelhante, é a SMA 195/2018).  Para se tornar um monitor ambiental é necessário curso específico, estágio, e cumprir uma série de critérios tanto para se preparar quanto para atuar profissionalmente. Em algumas unidades de conservação o acesso se faz somente com o acompanhamento de monitor ambiental, até mesmo para os guias de turismo, o que não significa que o guia é inferior, mas que cumpre uma função diferente.

Para ser monitor ambiental, requer  leituras variadas, cursos, palestras, exige antes de tudo, para o sucesso, aprender a ler e ouvir pessoas. Lendo-se olhares nota se o assunto agrada ou não, nos gestos do corpo, se precisamos parar um pouco mais ou não, se a pessoa precisa mais de incentivo, de atenção ou de ficar só pensando na vida, de diálogo ou de silêncio. Agora, quando for planejar um passeio, pense um pouco mais sobre a contratação do serviço de monitoria ambiental, assim você contribui para a geração de trabalho e renda, além da conservação. E tenha um bom passeio! 

Fica também um pedido às universidades se atentaram que os Monitores Ambientais, os Guias de Turismo e os Educadores Ambientais podem (para não dizer devem) ser vistos como a ponte entre a universidade e as comunidades. Esses devem ser vistos como aliados na divulgação da ciência, portanto tendo reserva de vagas (que seja uma) em seminários, mini-cursos, palestras etc.

Parabéns a todos monitores ambientais do estado de São Paulo pelo trabalho que realizam e assim contribuem com a conservação e a sociedade!

11 Comentários

  1. Eu sou monitora ambiental, e tenho tanto orgulho dessa profissão, além de amar muito o que faço sei da importância que nós temos, mas confesso ter ficado emocionada com o texto que acabo de ler, obrigada Israel por me proporcionar essa leitura tão sensível, encantadora e verdadeira!!!

    • Muito agradecido Edimila, fico feliz por sua avaliação. Agradeço, pois é importante saber como meu texto atingiu o leitor ou leitora e melhor quando toca o coração. Parabéns por atuar como monitora ambiental, parabéns pelo seu dia.

  2. Parabéns a vc israel, por lembrar e colocar em evidencia a importância dessa distinta classe que carrega tamanha responsabilidade, parabéns

  3. Lindo e inspirador texto Israel,meus parabéns!!!E viva os monitores ambientais, elementos chave na necessária conexão ou re-conexão dos seres humanos com a natureza

    • Muito grato Clayton e viva os monitores ambientais de São Paulo! Aproveito para agradecê-lo pelo seu trabalho nessa relação conservação e humanos no âmbito da Mata Atlântica e ecossistemas associados.

  4. Tenho 58 e passei parte da infância em Paranapiacaba SP tive o prazer de descer a Serra várias vezes de locobreque e tenho muitos velhos amigos na Vila Histórica, mas confesso que não conheço ninguém mais instruído humilde e elegante do que o Israel Mario Lopes. Parabéns meu Garoto nota 10.

  5. Lindo texto, Israel graças a Deus tive o privilegio de te conhecer. Continue sendo essa pessoa maravilhosa que é. Aprendi mais lendo essa publicação e parabéns pelo seu dia.

  6. Muito agradecido Edimila, é muito importante para mim saber qual o impacto da minha escrita e melhor ainda quando ela toca o coração. Parabéns pelo dia e por seguir nesse trabalho!

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