Nova espécie de árvore da Mata Atlântica é descoberta em São Paulo

Detalhe dos frutos da nova espécie de canela

Uma nova espécie de árvore da Mata Atlântica foi descoberta no estado de São Paulo. A Ocotea bilocellata é a primeira do gênero, cujas espécies são popularmente conhecida como canelas, observada com dois esporângios e locelos nas anteras (estrutura da anatomia das flores masculinas). O resultado da pesquisa contribui com evidências de uma transição evolutiva de algumas espécies de gimnodióicas (com flores hermafroditas em alguns indivíduos e femininas em outros) para dioicas verdadeiras (plantas com os sexos separados em indivíduos diferentes).

A descrição da nova espécie foi publicada no Edinburgh Journal of Botany, periódico científico britânico, e é resultado de um trabalho conjunto entre pesquisadores de instituições públicas de ensino e pesquisa: Instituto de Pesquisas Ambientais do estado de São Paulo, Universidade Estadual Paulista – Campus Rio Claro, Universidade Federal da Bahia e Universidade Estadual de Feira de Santana.

Das Unidades de Conservação aos herbários e laboratórios

A espécie foi coletada em Unidades de Conservação da Natureza paulistas. Ocorre nos núcleos Cunha-Indaiá, Santa Virgínia e Picinguaba do Parque Estadual da Serra do Mar (PESM) e nas estações Experimental e Biológica de Boracéia. A descoberta mostra a importância das Áreas Protegidas tanto para a pesquisa científica como para a proteção ambiental.

Em conversa com João Batitsta Baitello, taxonomista envolvido na descoberta, ele contou como aconteceu esse processo. A primeira coleta foi realizada em 2016 no Núcleo Cunha-Indaiá do PESM. Apesar da semelhança com outra espécie da mesma área de ocorrência, a Ocotea daphnifolia, (cujos órgãos masculinos das flores contém quatro esporângios e locelos) a nova espécie de canela passou a ser reconhecida como distinta. Deu-se então início a um estudo da morfologia das flores, folhas e frutos. Em paralelo, foi necessário o estudo filogenético, que revelou que os espécimes estudados pertenciam ao gênero das canelas. A espécie foi comparada com exsicatas de diferentes herbários (ESA-Piracicaba, HRCB-Rio Claro, IAC-Campinas, SP-São Paulo, SPF-São Paulo, SPSF-São Paulo e UEC-Campinas) e foram juntadas evidências necessárias para enquadrar a nova espécie no gênero Ocotea, tradicionalmente reconhecido por portar quatro esporângios e locelos. Deste modo, a descoberta dá nova dimensão ao conceito do gênero das canelas, que fica estendido às plantas da família cujos estames férteis do androceu das flores unissexuadas masculinas apresentam dois a quatro esporângios ou locelos (além das características tradicionais do gênero). Até a publicação do artigo científico de descrição da Ocotea bilocellata, não havia sido documentada nenhuma espécie de canela com dois esporângios. É o primeiro caso no gênero Ocotea, mas não na família Lauraceae (à qual pertencem as canelas), pois no Estado de São Paulo outros sete gêneros são biesporangiados, se diferenciando por outras características: Aiouea, Aniba, Beilchmiedia, Endlicheria, Cassytha, Cryptocarya e Licaria. Os gêneros desta família são circunscritos e reconhecidos pela soma de um conjunto de caracteres e não apenas pelo número e disposição dos esporângios.

Amostras botânicas de Ocotea bilocellata. Os espécimes foram identificados no passado como Ocotea daphnifolia

Evidências da evolução

Em escala global a dioicia (flores masculinas e femininas em indivíduos diferentes) é rara em angiospermas e é mais frequente em floras tropicais. Há uma diferença na distribuição geográfica de espécies bissexuadas (hermafroditas) em relação às espécies dióicas (unissexuadas). Ambos os grupos coexistem nas regiões tropicais e subtropicais das Américas Central e do Sul, mas os grupos dióicos têm centro de diversidade na região amazônica (onde espécies hermafroditas estão praticamente ausentes), e alta frequência em outras áreas. Especialmente para o estado de São Paulo, espécies dióicas do gênero Ocotea dióicas são quase o dobro do número de hermafroditas.

Considerando que a maioria das espécies atuais de Ocotea é unissexuada, a gimnodioicia pode ser uma transição evolutiva de umas poucas espécies para a dioicia verdadeira. A estrutura atual das flores gimnodióicas pode sugerir que a evolução ocorre na direção de uma esterilização gradativa do gineceu (estrutura feminina) da flor supostamente bissexuada, resultando em flores imperfeitas e plantas dióicas. No estado de São Paulo ocorrem outras espécies de canela com flores gimnodióicas: Ocotea minarumOcotea daphinifoliaOcotea frondosaOcotea odorata e Ocotea vaccinioides.

 


Paulo Andreetto de Muzio é graduado em Relações Públicas (2005) pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP. Especializou-se em Jornalismo Científico (2016) pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo – Labjor, da Universidade de Campinas – Unicamp, e é mestre em Divulgação Científica e Cultural (2020), também pelo Labjor.

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