O Brasil enfrenta uma crise de saúde pública desencadeada pela proliferação da dengue em meio à emergência climática e ao caos urbano. Recordar o período entre os anos 1950 e 1970, quando o país era orgulhosamente considerado um território livre do mosquito, parece hoje uma reminiscência distante, e os desafios atuais para erradicar o Aedes enfrentam um cenário muito mais complexo.
O aumento constante das temperaturas globais e brasileiras desde o início do século proporcionou um ambiente propício para a proliferação do Aedes aegypti. Sob temperaturas superiores a 30 °C, as fêmeas do mosquito têm um aumento significativo na produção de ovos e no ciclo de vida. Esse fenômeno é exacerbado pela emergência climática, intensifica os desafios atuais. Com uma densidade populacional muito superior e uma infraestrutura urbana menos coesa, a disseminação da dengue alastra-se rapidamente, especialmente com as conexões regionais, estaduais e internacionais cada vez mais intensas.
O espaço urbano também apresenta características propícias para a propagação de doenças por vetores. A desigualdade no acesso a serviços básicos, como água potável, saneamento e serviços de saúde, é intensificada pela distribuição desigual de recursos e renda. A escassez de moradia acessível e de qualidade leva a condições de vida precárias, e a pressão sobre os serviços públicos de saúde só piora o quadro.
As populações que residem em áreas costeiras ou sujeitas a eventos climáticos extremos, como inundações e tempestades, enfrentam riscos aumentados. O desenvolvimento urbano descontrolado resulta na destruição de habitats naturais, na produção e descarte inadequado de resíduos, além do aumento da impermeabilização do solo, contribuindo para o aumento das ilhas de calor urbanas; cenário propício para a propagação de vetores.
Apesar dos avanços na ciência, como a vacinação bem-sucedida contra a febre amarela, o desenvolvimento de uma vacina eficaz contra a dengue ainda é um desafio devido à complexidade do vírus e seus quatro subtipos. Embora haja alternativas promissoras, como a vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan, com resultados promissores, a solução continua em desenvolvimento.
Diante do recorde de quase 2 milhões de casos prováveis de dengue registrados em 2024, é urgente investir em ciência e inovação para enfrentar crises como esta. O Brasil possui profissionais qualificados e talentosos, mas é essencial uma visão estratégica e uma abordagem baseada na ciência para melhor compreender as intersecções entre meio ambiente, sociedade e saúde pública.
Apenas por meio de um esforço coordenado e baseado em evidências podemos enfrentar efetivamente essa crise de saúde pública que afeta profundamente a população brasileira e que, com a crise climática, não deve ser a última.
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Jaqueline Nichi é jornalista e cientista social. É doutora em Ambiente e Sociedade pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP) e mestre em Sustentabilidade (EACH-USP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas, adaptação e planejamento urbano e governança multinível e multiatores.
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