Blogs, microblogs, ensino e aprendizado
Com esta frase, de autoria de Mark Prensky, os autores do artigo “Can Weblogs and Microblogs Change Traditional Scientific Writing?”, Martin Ebner e Hermann Maurer, iniciam a apresentação de um estudo extremamente interessante, realizado com alunos da Graz University of Technology da Austria.
Ao levantar questões como:
O surgimento da web 2.0 e do e-Learning 2.0, houve uma mudança radical de comportamento?
Os estudantes que estão ingressando nas universidades não são mais comparáveis aos de alguns anos atrás?
Como as novas tecnologias de ensino on-line são aceitas pelas pessoas que ingressam nas universidades?
Será que estas pessoas apenas consomem conhecimento ou também contribuem com seu trabalho e idéias?
Estas pessoas sabem como criar e manter um blog e outras ferramentas similares?
Qual o real benefício que estas pessoas podem obter de trabalhar com estas ferramentas?
O quanto os professores impedem estas pessoas de aprender, não oferecendo novas maneiras de aprender e de realizar trabalho em comunidade?
Se as pessoas estão se tornando cada vez mais “móveis”, porque elas não podem aprender de maneira “móvel”?
Seria este o desafio do futuro?
Por que não podemos adaptar comunicação informal, distribuição e estruturas de consumo em processos de aprendizado?
Pois, parece bastante óbvio que atualmente as crianças, estudanetes e professores estão praticando um tipo diferente de aprendizado e de ensino.
Os autores do trabalho consideraram seriamente a possibilidade de desenvolver novas abordagens de ensino, integrando blogs e microblogs (tipo Twitter) aos processos de criação, reflexão e discussão de conteúdo didático. Desta forma, em outubro de 2006 a Graz University of Technology criou uma blogosfera para todos os membros da universidade. Cada membro desta comunidade podia, então, criar seu próprio blog e escrever, colaborar na elaboração e repartir o conteúdo criado em seu blog. Os autores do trabalho utilizaram uma disciplina, “Aspectos Sociais da Tecnologia da Informação”, para aplicar sua idéia e verificar como os estudantes aceitariam estas atividades.
A disiplina em questão é ministrada anualmente a 200 alunos, sendo obrigatória para estudantes de informática, de maneira a estimular uma visão crítica nos alunos de como a informática influencia a sociedade humana na atualidade. Durante esta disciplina os estudantes assistem a 17 apresentações de profissionais da área, sobre temas como “Interação Computacional Humana”, “eSaúde”, “Blogs como mundos virtuais”, e também sobre o uso de informática em engenharia civil. Os estudantes devem:
a) realizar uma reflexão sobre as apresentações que viram, e formar sua própria opinião.
b) discutir sobre as apresentações assistidas.
c) observar critérios de qualidade nas discussões sobre as apresentações, levando-se em conta critérios, métodos e abordagens científicas.
Para o desenvolvimento das atividades pelos alunos, foram criados 4 grupos:
a) o “escritor científico”, alunos que deveriam escrever pequenos ensaios sobre tópicos de sua escolha, com data para entrega;
b) o “revisor científico”, alunos que recebiam os textos escritos pelo grupo anterior e deveriam revisá-los. Cada estudante deste grupo teve que revisar pelo menos 4 textos. Cada texto teve pelo menos 2 revisões;
c) os “bloggers”, que cuidaram de postar os textos criados pelo grupo a);
d) os “microbloggers”, que tinham que postar pelo menos 2 comentários por semana sobre os textos postados pelo grupo dos “bloggers”.
Como pode ser percebido pela figura a seguir, formou-se uma verdadeira “rede” entre os grupos participantes, que discutiram ativamente a elaboração, a revisão e o conteúdo dos textos postados.
No fim do curso, os avaliadores na disciplina distribuiram um questionário para ser preenchido/respondido pelos alunos. 149 dos 185 matriculados (81%) responderam ao questionário. Dentre os que responderam, 129 não conheciam microblogs, 17 já tinham ouvido falar de microblogs, 2 já tinham utilizado microblogs pelo menos 1 vez e 2 utilizavam microblogs.
Dentre os que responderam, 79% disseram ter lido os textos produzidos pelos “escritores científicos” e 49% disseram ter lido os textos produzidos pelos “bloggers”.
A terceira pergunta apresentada pelos avaliadores da disciplina foi “O que você pensa da utilização de microblogs na educação universitária?”. Algumas respostasm foram:
– É útil para anúncios – datas de apresentações e compartilhamento de informações.
– Bom para troca de informações – melhora o desempenho daqueles que divulgam notícias.
– Microblogs podem ser utilizados para discutir vários assuntos.
– Microblogs ajudam a compartilhar links e idéias.
– São úteis para indicar uma postagem de um blog em particular.
Desta maneira, os autores do artigo dizem que a atividade resultou nas seguintes constatações:
a) um aumento no poder reflexivo dos estudantes, principalmente por terem desenvolvido a atividade de revisão, que levou muitos a apresentarem suas opiniões.
b) o grupo dos bloggers escreveram muito mais textos de caráter pessoal.
c) Os alunos se sentiram muito mais motivados para comentar os textos criados pelos “escritores científicos”, por ser muito mais fácil, rápido, e de maneira mais curta (menos prolixa). Alguns comentários muito curtos adicionaram muito pouco valor à discussão. Mas as discussões mais elaboradas promoveram um aumento no aprendizado dos alunos.
d) a qualidade dos textos melhorou, não somente pelo fato de plágios poderem ser detectados imediatamente, mas também porque os textos criados foram revistos e comentados.
Os autores do artigo conlcuíram que a utilização de blogs e microblogs pode melhorar aulas trazendo recursos da internet para a classe, para que sejam discutidos. Todavia, as novas tecnologias não podem substituir a produção de textos. Mas o compartilhamento de idéias funciona de maneira muito mais efetiva. Porém, a troca de opiniões deve ser feita de maneira segura e controlada, o que foi realizado pelos “microbloggers” utilizando as postagens dos “bloggers”. Um dos pontos mais positivos da abordagem utilizada foi que os estudantes escreveram sobre um mesmo tópico durante longos períodos (ao longo do semestre). Em geral, os “bloggers” discutiram muito mais suas postagens do que os “escritores científicos” discutiram seus textos. Ou seja, blogs e microblogs constituem boas ferramentas para promover a reflexão de estudantes durante períodos mais longos, através da exploração e discussão dos tópicos abordados.
Sinceramente, achei este artigo muito interessante. A referência completa é: Martin Ebner e Hermann Maurer, “Can Weblogs and Microblogs Change Traditional Scientific Writing?”, Future Int
ernet 2009, 1, pp. 47-58; doi:10.3390/fi1010047. O artigo pode ser baixado livremente aqui, pois a revista é de acesso livre.
Chimica di Stradivari
Antonio Stradivari é conhecido como um dos mais renomados luthiers, particularmente por ter feito aqueles que são considerados os melhores violinos de todos os tempos. Estes instrumentos foram feitos entre 1665 e 1737 em Cremona, na Itália. Seu trabalho é considerado como sendo do apogeu da tradição Cremonesa na confecção de violinos. Stradivari era particularmente cuidadoso no acabamento de seus instrumentos, que chamou a atenção não somente de músicos e historiadores, mas também de químicos.
Trabalho publicado na revista Angewandte Chemie International Edition por grupo de pesquisadores franceses coordenados por Jean-Philipe Echard, do Laboratoire de recherche et de restauration, Musée de La Musique, na Cité de La Musique, foi a fundo na análise dos componentes do acabamento de 5 instrumentos feitos por Stradivari: quatro violinos e uma viola d’amore. Os instrumentos analisados são: um modelo comprido, sem nome, datado de aproximadamente 1692; um modelo Davidoff, de 1708; um modelo Provigny, de 1716; um modelo Sarasate, de 1724; e uma “viola d’amore” da época de 1720.
Os pesquisadores se utilizaram de técnicas analíticas extremamente sofisticadas para a análise do acabamento destes instrumentos, de maneira a minimizar a retirada de material (madeira e acabamento). A camada de verniz, por exemplo, foi analisada espacialmente por espectroscopia de radiação síncroton em um micro-infravermelho por transformadas de Fourier (SR-FTIR). A composição elementar de átomos inorgânicos do acabamento foi analisada por microscopia de varredura eletrônica catódica de emissão de campo com raios X de dispersão de energia (SEM-EDX). Tais técnicas não são destrutivas, ou seja, permitem a análise do acabamento sem que seja necessária a decomposição da amostra utilizada. Por fim, a mesma amostra foi analisada por cromatografia gasosa pirolítica acoplada à espectrometria de massas (PyGC-MS), de maneira a investigar a composição molecular específica de cada camada da amostra.
O verniz externo do modelo “Provigny” mostrou ser constituído de partículas vermelhas, contendo pigmentos do tipo antraquinonas. A comparação com vários padrões indicou maior similaridade com ácido carmínico, componente do carmim de cochonilhas, insetos do continente americano. As partículas do modelo “Provigny” também mostraram ser ricas em alumínio e oxigênio. Desta forma, os autores chegaram à conclusão que a camada de corante foi feita se depositando ácido carmínico em uma camada de óxido de alumínio hidratado, provavelmente AlK(SO4)2.12H2O. A fonte de carmim deve ter sido provavelmente a cochonilha Dactylopius coccus L., abundante à época na América Central (tais insetos vivem associados a cactos).
No caso do modelo Davidoff e da viola d’amore, estes instrumentos apresentaram uma camada de cor mais opaca. A camada de tinta apresentou alto teor de ferro e oxigênio, provavelmente na forma de hematita ( Fe2O3) e magnetita ( Fe3O4).
Tanto o modelo “Provigny” quanto a viola d’amore têm uma camada externa resinosa, a qual foi analisada por PyGC-MS. Os principais ácidos encontrados, ácido azelaico e subérico, confirmaram a natureza oleosa da resina, uma vez que estes ácidos resultam da oxidação de ácidos graxos insaturados. Os autores também identificaram diterpenos derivados da oxidação de compostos do tipo abietanos e pimaranos, considerados marcadores moleculares de resinas de árvores do gênero Pinaceae.
Os cinco instrumentos apresentaram uma estrutura de acabamento muito semelhante, apesar de terem sido confeccionados ao longo de três décadas. Stradivari aplicou primeiro um óleo secante para “selar” a madeira. Em seguida, aplicou uma camada de óleo resinoso com tinta. O modelo longo não apresentou qualquer pigmento. O modelo Sarasate mostrou ter sido tratado com o pigmento vermelho “vermillion”.
Os autores assinalam que Stradivari utilizou materiais disponíveis na sua época para o acabamento de seus instrumentos, e era um luthier extremamente cuidadoso, que dominava perfeitamente a arte da confecção de violinos.
O artigo de J.-P. Echard, L. Bertrand, A. von Bohlen, A.-S. Le Hô, C. Paris, L. Bellot-Gurlet, B. Soulier, A. Lattuati-Derieux, S. Thao, L. Robinet, B. Lavédrine, S. Vaiedelich, The Nature of the Extraordinary Finish of Stradivaris Instruments, está no prelo na revista Angew. Chem. Int. Ed. (DOI 10.1002/anie.200906553).
Síntese de RNA em água, sem polimerase
Quão longe estamos de compreender como surgiu a vida no planeta Terra? Fica difícil de imaginar, se levarmos em conta todos os esforços realizados ao longo dos últimos quase 60 anos, desde que Miller publicou o primeiro trabalho simulando reações da atmosfera terrestre primitiva antes do surgimento da vida. Desde então, o volume de pesquisas realizado neste ramo do conhecimento, chamado de “química pré-biótica” (química de antes da vida), só têm aumentado. Os trabalhos mais recentes apresentam resultados incríveis, e demonstram que talvez estejamos muito próximos de conseguir simular o surgimento de um “sistema vivo” em laboratório.
O grupo de pesquisas coordenado por Ernesto Di Mauro, da Universitá La Sapienza di Roma, publicou recentemente artigo na prestigiosa revista Journal of Biological Chemistry, que relata a síntese de longas cadeias de RNA (ácido ribonucléico) em água. Porque este trabalho é importante? Por vários motivos.
Em primeiro lugar, porque a reação química de “união” de monômeros do RNA, os assim chamados nucleotídeos (monofosfatos de citidina, guanosina, adenosina e uridina), é uma reação de condensação que tem a eliminação de uma molécula de água como produto secundário. Este é um fator complicador para que esta reação ocorra em meio aquoso, pois se produz água não deveria acontecer, uma vez que o ambiente já está cheio de água. Sendo assim, dentro das células esta reação requer o uso de enzimas, chamadas de RNA polimerases, que “ajudam” esta reação a acontecer.
O grupo de Di Mauro utilizou nucleotídeos de RNA ligeiramente diferentes daqueles utilizados nas células. Os das células apresentam seu grupo fosfato “livre”, ou seja, pronto para se unir a outra unidade de nucleotídeo. Os pesquisadores italianos utilizaram nucleotídeos nos quais o grupo fosfato está ligado internamente a dois grupos OH, e por isso se encontra ciclizado. Desta maneira, o monômero ciclizado apresenta uma “maior energia”, pois, quando reage o grupo fosfato “se abre”, e libera energia para o meio em que se encontra. A quantidade de energia liberada compensa o fato de a reação estar sendo realizada em água. Por isso, a reação ocorre. É uma idéia simples, e que foi utilizada de maneira muito inteligente pelos autores. Para que esta reação ocorra sem a necessidade de um catalisador (que acelera a reação diminuindo a energia livre de ativação; no caso a RNA polimerase), tal processo deve se basear em compostos que são intrinsecamente reativos, estáveis (que não se decomponham), de natureza química simples e que forneçam um produto similar àquele esperado (ou seja, polinucleotídeos).
Os autores inicialmente testaram a reação entre unidades de 2′-AMP (monofosfato de 2′-adenosina) ou entre unidades de 3′-AMP (mas não entre as duas), a temperaturas entre 40º e 90º C, durante 400 horas, sem sucesso. Todavia, quando utilizaram 3′,5′-cGMP (monofosfato de guanosina cíclico entre as posições 3′ e 5′), observaram o surgimento de cadeias com até 25 monômeros interligados. A reação foi realizada a 85º C, em uma concentração de 1 mM (0,001 moles/litro). Acima desta concentração a reação termina após a formação de uma cadeia com 8 unidades de nucleotídeos. Os autores observaram que o processo de formação da cadeia ocorre um duas etapas. Primeiro se formam pequenas cadeias, as quais depois passam a se unir, formando uma “população” de cadeias de diferentes tamanhos. A reação continuou durante 200 horas, quando os autores observaram cadeias com mais de 100 unidades de monômeros ligados entre si. Fato interessante, a reação entre unidades de 2′,3′-cAMP levou somente à formação de pequenas cadeias. Já a reação entre 3′,5′-cUMP e entre unidades de 3′,5′-cCMP forneceu apenas cadeias muito pequenas.
Como ocorre a reação? Bem, os autores propõem que esta ocorre através de um processo denominado “stacking”, durante o qual a ligação 3′,5′-fosfato de um nucleotídeo se abre e reage imediatamente com o oxigênio da posição 3′ de outro nucleotídeo. Assim, o grupo fosfato “pendurado” na posição 5′ vai reagindo seguidamente com o oxigênio da posição 3′ de outros nucleotídeos, e a cadeia de RNA vai aumentando de tamanho.
De maneira a estabilizar a cadeia, denominada de poli(G) (monofosfato de guanosina polimerizado), os autores adicionaram o polímero complementar, poli(C) (monofosfato de citidina polimerizado). Como se sabe, no interior das células, os nucleotídeos se estabilizam formando pares, através de ligações hidrogênio. A citidina forma par com guanosina, e a adenosina forma par com a timidina, no DNA. Desta maneira, duas cadeias se estabilizam e formam cadeias complementares, pareadas. Estas dão origem à chamada “dupla hélice” que constitui o DNA (ácido desoxirribonucléico). Ao adicionar poli(C) os autores promoveram a estabilização adicional da cadeia de poli(G) sintetizada.
Após a síntese, os pesquisadores investigaram o tempo de meia vida dos polímeros formados (o tempo de meia vida é o tempo necessário para que a quantidade dos polímeros formados diminua até a metade da quantidade formada inicialmente), e observaram que o tempo de meia vida dos polímeros formados a partir de 3′,5′-cGMP e de 3′,5′-cAMP são excepcionalmente longos. Ou seja, são polímeros estáveis, que duram muitas horas. E por isso podem, em princípio, exercer funções bioquímicas.
A grande questão é: bom, OK, os autores utilizaram monômeros do tipo 3′,5′-cXMP (onde X pode ser G, guanosina; A, adenosina; C, citosina; ou U, uridina) para realizar a reação de polimerização “espontânea” em água. Mas, será que estes monômeros podem ocorrer naturalmente com o grupo fosfato ciclizado? Sim. Trabalhos anteriores (citados no trabalho publicado) relataram a formação destes nucleotídeos, seja na presença de fosfato livre ou na presença de minerais de fosfato.
O interessante das reações realizadas é que estas não necessitam pré-ativação dos nucleotídeos, não necessitam de catalisador, e a polimerização ocorre em meio aquoso. A reação de polimerização ocorre através do processo de um processo denominado “stacking”, que é um tipo de “interação explosiva” entre os nucleotídeos, que resulta na rápida reação entre estes, formando a ligação éster de fosfato entre dois monômeros. O processo de “stacking” depende diretamente do pH do meio onde a reação ocorre, bem como da temperatura e do tamanho das moléculas que reagem. Em geral, reações através de “stacking” são favorecidas em baixas temperaturas, baixos pHs e moléculas longas.
O trabalho desenvolvido pelo grupo de Di Mauro é mais um exemplo de que a formação de oligômeros (pequenos polímeros) e polímeros de nucleotídeos (unidades monoméricas que dão origem ao RNA ou ao DNA) é possível de ocorrer em condições muito simples. Tais condições refletem, de certa maneira, o ambiente terrestre primitivo, no qual os precursores do RNA e do DNA que conhecemos devem ter surgido. Como ilustrado em outro artigo, publicado no início deste ano na revista Science, tais protótipos de RNA são passíveis de sofrer seleção natural. Assim, os mais estáveis serão selecionados, e se perpetuarão através de processos de duplicação. Resta saber como estes polímeros se transformaram em moléculas transportadoras de informação. Mas isso é outra história.
O artigo completo de G. Constanzo, S. Pino, F. Ciciriello e E. Di Mauro, “Generation of Long RNA Chains in Water”, The Journal of Biological Chemistry, 2009, vol. 284, 33206-33216, pode ser baixado aqui, para aqueles que têm acesso à assinatura da revista.