Antibióticos em falta
A relação numérica entre humanos e bactérias é de 1 para 1 bilhão de trilhões, sendo que a taxa de reprodução das bactérias é de cerca de 500.000 vezes mais rápida que dos humanos. Ou seja, o mundo é literalmente dominado por bactérias, por mais desinteligente que tal design possa parecer. Além do mais, algumas bactérias são especialmente nocivas. A espécie Staphylococcus aureus resistente à meticilina, por exemplo (MRSA methicillin-resistant Staphylococcus aureus), é a responsável direta por 100.000 mortes/ano nos EUA. Outras espécies particularmente perniciosas por serem resistentes a muitos fármacos são Pseudomonas, Acinetobacter, Klebsiella. O tratamento de infecções causadas por estas bactérias patogênicas é bastante limitado, pois apenas um número pequeno de antibióticos é efetivo para eliminá-las.
Como a descoberta de novos antibióticos têm sido cada vez mais difícil, médicos estão fazendo uso cada vez mais freqüente de antibióticos de segunda e terceira linha, que são mais custosos, menos efetivos e mais tóxicos. Para se ter uma idéia, o tratamento de uma infecção causada por uma bactéria resistente custa o dobro do tratamento de uma infecção comum, e o risco de morte por tal infecção é duas vezes maior. Além disso, a disseminação de bactérias resistentes em ambientes hospitalares é muito mais fácil se medidas de higiene extremamente eficazes não são tomadas, como desinfecção de mãos e pés, além dos sistemas de ventilação, e até mesmo de cateteres. Estima-se que 80% das infecções hospitalares poderiam ser prevenidas apenas por melhores medidas de assepsia.
Mesmo adotando-se as melhores práticas hospitalares, as bactérias resistentes não irão desaparecer, pelo simples fato destas estarem presentes no ambiente há muitos milhões de anos. Bactérias e fungos estão em contínua competição entre si e com outros seres vivos, como insetos, plantas e outros animais, e por isso desenvolveram mecanismos de resistência muito eficazes para poder competir no ambiente natural. Para se ter uma idéia, um estudo realizado por pesquisadores da McMaster University demonstrou que um terço de 500 bactérias isoladas de solos são resistentes a 1/3 de todos os antibióticos aos quais foram expostas. Outros estudos demonstraram que a resistência de bactérias ao antibiótico eritromicina surgiu há aproximadamente 880 milhões de anos, e a resistência à penicilina (produzida por fungos) deve ter surgido há cerca de 2 bilhões de anos, sendo até mesmo anterior à diferenciação entre bactérias Gram-positivas e Gram-negativas.
Algumas bactérias apresentam a capacidade de eliminar os antibióticos de sua célula antes mesmo destes fazerem efeito, uma capacidade chamada de “mecanismos de efluxo bacteriano”. As bactérias Gram-negativas apresentam paredes celulares que bloqueiam a entrada de antibióticos. Pseudomonas, por exemplo, apresenta as duas características, e pode ser extremamente perniciosa. Outras bactérias desenvolveram enzimas para neutralizar ou destruir antibióticos, como as penicilinas, chamadas de ß-lactamases.
Outra característica única das bactérias é a sua capacidade de trocar genes com outras baterias, como nós trocamos figurinhas de álbuns da copa do mundo. Ao trocar genes as bactérias podem compartilhar genes de resistência a diferentes antibióticos. Desta maneira, a utilização abusiva e a má utilização de antibióticos, que é muito freqüente, faz com que as bactérias passem a adquirir resistência a cada vez um número maior de antibióticos. Consequentemente, a disponibilidade de antibióticos para o tratamento de infecções está cada vez mais restrita.
Na verdade, a “era de ouro” de descoberta dos antibióticos foi entre 1945 e 1960, quando a grande maioria dos antibióticos que hoje são utilizados foi isolada de bactérias e fungos. Desde então, muito poucos novos antibióticos foram descobertos – a grande maioria resulta de variações dos antibióticos descobertos há mais de 50 anos. Para que se possam desenvolver novos antibióticos, mais eficazes, é necessário que se descubram classes novas destes fármacos, que atuem de maneira diferente dos antibióticos já conhecidos.
Embora o seqüenciamento de genomas na década de 90 tenha causado grande excitação na indústria farmacêutica, nenhum novo antibiótico resultou das pesquisas genômicas. Entre 1995 e 2001 a indústria farmacêutica GlaxoSmithKline testou quase 500.000 de substâncias diferentes em 300 diferentes alvos terapêuticos bacterianos, sem um único sucesso. Como resultado, as indústrias farmacêuticas passaram a deixar de lado a pesquisa por novos antibióticos. Preferiram investir esforços na descoberta de fármacos mais fáceis de serem desenvolvidos, e bem mais rentáveis, como “remédios” para impotência e calvície.
As causas das falhas de novos antibióticos foram muitas. Vários antibióticos apresentaram espectro de ação muito mais restrito do que o desejado para serem clinicamente válidos (e de interesse comercial também). Outros apresentaram altos níveis de toxicidade, além de não apresentarem propriedades adequadaas para serem utilizados como medicamentos (baixa solubilidade em plasma, baixa capacidade de atravessar membranas, baixa absorção, etc.). Além de descobrir novos antibióticos eficazes, o maior problema foi de introduzir um novo fármaco no mercado que pudesse ser utilizado por um tempo razoável. Como os agentes patogênicos podem adquirir resistência relativamente rápido, a eficácia dos antibióticos fica limitada a poucos anos. A combinação de todos estes fatores torna excessivamente alto o investimento na descoberta de novos antibióticos. Além das exigências de agências sanitárias, como o FDA (Food and Drug Adminsitration, dos EUA), serem muito rigorosas para a introdução de novos antibióticos no mercado.
Desta maneira, os médicos estão passando a adotar novas formas de tratamento, principalmente baseadas na prevenção. Mesmo assim, existem situações em que antibióticos são imprescindíveis. Caso não se redobrem esforços para se descobrir novas classes de antibióticos, muito em breve estaremos em uma sinuca de bico.
Shekhar, C. (2010). Bacteria: Drug Resistance Spreads, but Few New Drugs Emerge Chemistry & Biology, 17 (5), 413-414 DOI: 10.1016/j.chembiol.2010.05.
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Discussão - 8 comentários
Tive pneumonia no mes passado e o médico receitou azitromicina. Depois fiquei sabendo que parece que é um dos antibióticos do coquetel contra a aids, aí perguntei para o médico se não era muito forte, e ele disse que a maioria dos antibióticos por aí já não adiantam, que as bactérias já estão resistemntes. Até assustei.
Oi Rod,
Nossa! Imagino que você tenha se assustado mesmo.
Espero que já esteja bom.
Cuide-se bem,
Roberto
Olá Roberto!
Muito bom esse texto, ein! ; )
Acredito que a grande maioria da população não faz idéia disso e da importância de se tomar o antibiótico, quando é o caso, seguindo exatamente a recomendação médica.
Como em muitas outras situações da vida, não só a falta de assepsia mas, a falta de 'informação' nos encaminha a probabilidades nada animadoras.
Abç. ; )
C.
PS. indiquei essa sua postagem no meu blog. : )
Oi Chloe,
Obrigado. A Sibele Fausto achou a foto horrível. Isso porque ela não viu as outras fotos da web, de infecções causadas por Staphylococcus aureus. Terríveis e nojentas. Mas tais informações são extremamente preocupantes. Todavia, parece que nem as indústrias farmacêuticas nem os órgãos de saúde atentaram para o fato que a falta de antibióticos eficazes poderá trazer consequências extremamente nefastas para a população. A pesquisa nesta área deveria ser muito estimulada, em parceria com companhias farmacêuticas, para a descoberta e desenvolvimento de novos antibióticos.
Muito obrigado por divulgar o texto.
Tudo de bom,
Roberto
Mas você não concorda comigo que a foto é mesmo horrível, Chloé?
O Roberto falou que escolheu uma mais "light", então realmente imagino como devem ser as outras... 😛
As imagens são chocantes, sem dúvida, mas dá até para fazer um paralelo com a propaganda negativa que agora os maços de cigarro exibem, trazendo fotos que mostram as consequências do tabagismo - a intenção é de alerta, e creio que essas imagens que o Roberto postou, embora horroríveis, cumprem a mesma função: alertar para a grave questão que envolve os antibióticos, muitos deles já ineficazes para grande número de bactérias que desenvolveram resistência.
O artigo indicado no post aponta algumas promessas na pesquisa de novos antibióticos, e concordo que a descoberta e o desenvolvimento de novas drogas devam mesmo ser estimuladas. Mas há que se considerar que o abuso de antibioticoterápicos (muitas vezes até incentivado pela própria indústria farmacêutica, como esse post do Karl dá a entender) devem ser inibidos, pelo menos minimizando o desenvolvimento contínuo de resistência pelos microorganismos. A continuar assim, será um círculo vicioso sem fim.
E acessei seu blog, Chloé! Muito interessante! Vi que é recente - parabéns e sucesso para você!
Olá Sibele!
é... a foto não é exatemente muito agradável de se ver : \
Mas é importante, como as fotos dos cigarros que vc mencionou.
Eu nunca deixo de me chocar é com o tamanho da minha ignorância em relação a tantas coisas básicas ao meu redor.
Por isso me sinto tão feliz quando, principalmente aqui no SBBr, temos postagem esclarecedoras e que chamam nossa atenção pra essas coisas.
Obrigada por acessar meu novato blog, pelos parabéns e tals. : )
Estou em fase de aprendizado, rs...
Abç. ; )
C.
Vocês duas parecem duas comadres 😉
Esta discussão aqui é, no mínimo, inusitada.
Chloé, teu blog é muito legal. Light.
Continue cuidando bem dele.
Roberto
Rsrs, comadres eu não diria, mas sim colegas de classe. Afinal, eu e Chloé somos frequentadoras de carteirinha dessa excelente "sala de aula" virtual que é o SBBr... e aprendemos muito por aqui, não, Chloé? 😀