Cientistas e mídia
Segundo a reportagem, “O pesquisador da Universidade da Louisiana Edward Overton já publicou uma pesquisa com o título ‘Eficiência da Fitorremediação e da Biorremediação de n-Alcanos como Função do Comprimento da Cadeira de Carbono em Ambientes Banhados’. Ele também é detentor da patente de algo chamado cromatografia de microestrutura com coluna retangular. E, recentemente, o professor emérito apareceu num talk-show campeão de audiência para explicar o petróleo aos leigos. Overton é um de dezenas de cientistas que trabalharam por anos longe da atenção do grande público e que agora se veem nos holofotes da mídia, tentando explicar o vazamento de óleo no Golfo do México. ‘Geralmente passo meu tempo analisando amostras e olhando para gráficos, o que não é muito sexy’, disse Overton, rindo. ‘Quem teria pensado que (David) Letterman iria convidar a mim, um cientista, para seu programa?’ Overton crê que é chamado pela mídia porque põe a questão “em linguagem clara”. Durante sua participação no show de Letterman, levou uma garrafa de óleo recolhido do golfo. Mas a fama vem com um preço. Ele passou a receber telefonemas de um matemático amador que acredita ter a solução do vazamento, e que rastreou Overton depois de vê-lo na televisão.”
Reparem no texto do artigo d’O Estado. Que informação útil se agrega a este se divulgando o título (aparentemente muito complicado) de trabalho anterior realizado pelo cientista? E ainda, no tom irônico quando se diz que “o pesquisador é detentor da patente de algo chamado cromatografia de microestrutura com coluna retangular”.
Continuando, ainda segundo a reportagem, Susan Ustin, professora de ciências do meio ambiente da Universidade ad Califórnia, Davis, teria declarado: “A maioria de nós não somos as pessoas mais extrovertidas do mundo. Não estamos acostumados a ser o centro das atenções, e a maioria de nós teme se enrolar”. Ela acrescenta que, no meio acadêmico, bater papo ao vivo na televisão e promover o próprio trabalho costuma ser visto com maus olhos. “É uma espada de dois gumes. Fico preocupada que vou dizer algo de uma certa maneira que, quando entrar na reportagem, não vai soar inteligente”, disse ela. “E fico preocupada que meus colegas não venham a aprovar”.
Intrigado com esta reportagem, comecei a pensar se cientistas não gostam da mídia porque via de regra a mídia deturpa informações científicas, porque esta só gosta de assuntos “quentes”, ou faz com que os cientistas não se sintam bem frente aos colegas. Ou por mais algum motivo? Ou seriam todos?
O fato é que a mídia colabora pouco com a ciência, no sentido de divulgar esta de forma correta, sem tentar misturar alhos com bugalhos. Por exemplo, recentemente Rafael Soares, biólogo formado pela UNESP – Rio Claro e doutorando pela Biotecnologia da USP na área de terapia gênica do câncer, foi convidado para participar do programa SuperPop de Luciana Gimenez para discutir do propalado “fim do mundo em 2012”. De cara a apresentadora fez a seguinte pergunta para Rafael: “Você é cético? Então não acredita em Deus?” Danou-se tudo. Qual é a relação que existe entre ser cientista e cético, ou entre ser cientista e não acreditar em Deus, ou entre ser cético e não acreditar em Deus? Nenhuma. Mas, de início Luciana Gimenez apenas reforçou um estereótipo comum, de que cientistas são céticos e não acreditam em Deus. Segundo Rafael, no decorrer do programa, quase nada se discutiu sobre o caráter realmente científico do “fim do mundo de 2012”.
Aparentemente existe uma enorme dificuldade na comunicação entre cientistas e a mídia. Êrros sobre resultados científicos divulgados são extremamente comuns (veja por exemplo, aqui). A mídia tem uma pressa exagerada em publicar um assunto porque acha que é “quente”, e acaba escrevendo textos pouco informativos e com bom grau de sensacionalismo, o que não ajuda. Até mesmo na televisão. A impressão que se tem é que o interesse em divulgar ciência aumentou (e muito), mas sem o devido cuidado por parte dos meios de comunicação.
Por outro lado, muitos cientistas acham que a mídia deturpa as informações, e por isso não gostam e não querem dar entrevistas. Neste caso, a má vontade só piora o que já está ruim. É necessário que haja uma aproximação dos cientistas junto aos veículos de informação. Isso porque a ciência é a chave para entender muito sobre o mundo à nossa volta. E o telespectador, o leitor leigo, busca informações e conhecimento.
Um texto de 2006 do jornal The Times/The Sunday Times cita o ex-primeiro ministro inglês Tony Blair, segundo o qual a Inglaterra precisava de cientistas midiáticos para inspirar a juventude. O texto fala da importância de assuntos como pesquisas com células-tronco, a utilização de energia nuclear, experimentos com animais, a utilização de sementes geneticamente modificadas para aumentar a produção de alimentos, mudanças climáticas, e que os jovens deveriam seguir carreiras científicas para contribuir para o bem social. Mas, será que ser um “cientista midiático” para divulgar ciência e chamar a atenção dos jovens é tão importante assim?
Talvez, de certa forma, sim. Mas, quantos “cientistas midiáticos” são conhecidos hoje em dia no Brasil? Talvez a professora Mayana Zatz, da USP. Ela tem um blog na VEJA, chamado Genética, no qual discute vários assuntos relacionados a este tema. Mas a postagem que causou a maior discussão não foi nenhuma destas, e sim sobre “O caso de Sean e o direito de decidir”. Mayana foi agredida verbalmente por muitos leitores de seu blog, por emitir sua opinião sobre o caso do direito de guarda do menino Sean Goldman. Foi uma das postagens que menos falou sobre ciência.
Pensando sobre este assunto, cheguei à conclusão que ainda existe um longo caminho a ser feito, de aproximação dos cientistas da mídia e vice-versa, no sentido de se desmistificar os cientistas e o conhecimento científico como sendo assunto somente de especialistas. A divulgação científica de qualidade é extremamente importante, e a sociedade quer saber, quer conhecer, quer aprender. Levando em conta que a sociedade paga pela quase totalidade do desenvolvimento científico no Brasil, a divulgação científica de qualidade deixa de ser uma opção e passa a ser uma obrigação Cabe a nós, cientistas, e aos meios de comunicação, juntos trabalhar para mostrar que a ciência e os cientistas não são seres de outro planeta. A necessidade de cientistas midiáticos pode ser real – mas de uma mídia responsável, mais p
róxima dos cientistas e da ciência, também é.
Em tempo: sobre este mesmo assunto, o artigo
“A Arte do Desencontro” de Mariluce Moura, editora-chefe da
revista Pesquisa FAPESP, foi publicado no último número (junho de 2010)
desta revista.
Discussão - 7 comentários
Prezado Roberto, essa discussão é loonga e um tanto antiga. Discute-se e critica-se a relação entre jornalismo e cientistas há pelo menos meio século, imagine o quanto ainda falta para se chegar à perfeição. No entanto, não acho que algum dia vá chegar. Há boas referências de relacionamento. É o que vale a pena. Há jornalismo bom e ruim em vários segmentos.
É bom lembrar também que não parte apenas do lado do jornalista a necessidade de divulgação, mas tb de muitos pesquisadores egocêntricos. Quero dizer que há pesquisadores desejando ser estrelas também. Não sei se podemos chamar os que tem mais aparecimento nos meios de cientistas midiáticos [assim como a Mayana, tem a Suzana Herculano], mas são pessoas que tem uma boa apresentação de texto na mídia, que sabem fazer explicar bem o material do seu trabalho sem ser burocráticos. E, infelizmente, tenho que dizer que boa parte do jornalismo do dia a dia vai atrás da fonte que melhor explica para ele ou mostra a ele como funciona algum processo etc. Não adianta querer falar com linguagem científica para o jornalismo, porque não são todos os jornalistas que tem especialidade em ciência.
E por fim, ainda gostaria de dizer que admiro o Rafael por ter ido ao Superpop. Ele não foi para lá inocentemente, pois conhece o programa e sabe que o que está em foco é a polêmica espetacular e a explosão da audiência. Não é um programa sério. E mesmo assim, ele resolveu ir. Não é qualquer pesquisador que se mete num programa desses com medo de "arranhar" a imagem.
Enfim, a conversa é longa, como havia dito antes. Mas é boa.
Muito legal o texto, Roberto!
Como fazer uma divulgação científica de qualidade (sem torná-la "chata") e como envolver cada vez mais cientistas nessa tarefa são as questões ainda em aberto.
Continuo adepta da divulgação científica, mas estou cada vez mais convencida que sem uma boa educação científica não chegaremos a lugar algum; a divulgação científica sozinha não tem muito como prosperar sem uma audiência minimamente preparada para a interpretação e o debate...
Abração!
Excelente questionamento, Roberto!
Também acho que há um loooongo caminho a percorrer para aproximar a Ciência do público leigo, principalmente quando lembramos das deficiências na Educação.
Mas estamos caminhando, não?
Olha só a pesquisa que a Scientific American está fazendo, mundialmente: "O que pensam os leitores sobre o papel da ciência e dos cientistas" - http://migre.me/SxPC.
O que vejo é que toma corpo a ideia de que cientistas não podem mais se furtar a essa responsabilidade social.
Oi Alessandra,
Eu sinto que há mais boa vontade entre os jornalistas que querem fazer uma boa divulgação de ciência do que entre cientistas. Acho que muitos destes consideram os jornalistas como mal capacitados para escrever ou falar sobre ciência, e ponto. Ora, é muito fácil se eximir de qualquer tipo de responsabilidade desta forma. Afinal, boa parte dos cientistas do Brasil são também (ou deveriam ser) educadores, e, por isso, deveriam estar preocupados não somente com a boa qualidade de suas pesquisas, mas também que a sociedade em geral pudesse entender a importância destas pesquisas.
Admiro a coragem da Profa. Mayana Zatz, que manteve seu blog mesm enquanto era pró-reitora de pesquisa da USP. Mostrou sua preocupação em continuar um trabalho de formiguinha e explicar ao público em geral a natureza e a importância da pesquisa em genética.
Como os cientistas aprendem a escrever trabalhos científicos, uma parte destes cientistas deveria também aprender a escrever para o público em geral. Não e fácil, mas pessoalmente considero que é um excelente exercício intelectual, de enorme importância. Não é por acaso que no fim de sua vida o geneticista Crodowaldo Pavan, qua já havia sido presidente da SBPC, estava trabalhando no Núcleo José Reis de Divulgação Científica da USP.
Eu concordo contigo - existem ainda grandes problemas nesta comunicação e entendimento entre os cientistas e a mídia. Mas trabalhar junto só será positivo. Para a sociedade e para os próprios cientistas.
Muito obrigado por seu comentário.
Roberto
Oi Tati,
Concordo plenamente com você. Mas, enquanto a educação não vem como a idealizamos, temos que trabalhar da forma que é possível, mas sem vulgarizar demais a ciência nem incorrer em erros conceituais. Existem muitas maneiras de trabalhar com a informação científica, e é importante que os cientistas saibam disso e saibam se aproveitar destas ferramentas. Até mesmo para o próprio benefício (pensando de maneira bem egoísta), mas principalmente para a sociedade, pois o processo de educação é um processo global. Não ocorre somente na escola. Se surgirem mais cientistas dispostos a fazer um bom trabalho de educação e divulgação científica, estarão contribuindo muito para a educação de todos.
Eu confesso que até algum tempo atrás eu era somente "consumidor" de informação científica. Até que percebi a importância de ser também um "fornecedor" de informação científica. É um exercício e tanto. E, na maioria das vezes, extremamente gratificante.
Valeu pelo comentário.
Roberto
Oi Sibele,
Vou ver depois a pesquisa da Scientific American.
E eu espero que você esteja totalmente correta na sua última frase.
Brigado pela presença.
Roberto
O que tem que começar a acontecer é achar novos meios para a educação e para a divulgação. Só usar a estrutura que já esta presente não vai mudar muita coisa em pouco tempo (e velocidade é importante, pois os problemas são urgentes). Quais os meios? Não sei. Mas temos que trabalhar mais em inventa-los ou adapta-los ao invés de nos inserir nos meios já presentes.