Células-tronco: votação, bastidores e conspiração

Está chegando o grande dia da votação da lei de Biosegurança que vai autorizar ou não o uso de embriões para pesquisas. Claro que a mídia está atenta a isso. Aqui está uma reportagem do Bom Dia Brasil da Globo, que foi ao ar recentemente. Muitos cientistas já velhos conhecidos da mídia apareceram: Mayana Zatz e Luis Gowdak (por sinal esta parte foi gravada no laboratório em que trabalho no INCOR), por exemplo.
O que chama atenção é a presença de uma ilustre desconhecida para mim e meu colegas de laboratório: Dra. Lilian Piñero Eça. E chama mais atenção ainda por falar de maneira pejorativa sobre células-tronco embrionárias. Dizendo que se forem injetadas em pessoas para tratamento de doenças elas podem gerar rejeição e tumores.

Bem, isso é verdade, mas o fato é que ninguém pensa em simplesmente injetar células-tronco de um embrião numa pessoa como tratamento! O que se quer é estudar a biologia de células-tronco para, a partir deste conhecimento, se pensar em tratamentos.
Mas como uma cientista pode ter falado algo tão impreciso e tendencioso num momento de tomada de decisão tão delicado como este? Simples: ela não é uma cientista.

Existe uma ferramenta online muito interessante, se chama Plataforma Lattes, e é onde qualquer um pode achar o currículo de todos os pesquisadores brasileiros ou que trabalham aqui. Vejam o currículo da tal Lilian . Como ponderar se um pesquisador é bom ou não? A primeira coisa que se olha é o número de publicações em periódicos, das quais Lilian Piñero Eça não possui nenhuma!

Mas por que raios alguém entrevistaria uma pessoa sem formação apropriada? Dois motivos: 1-jornalistas não conhecem a plataforma Lattes, e 2- Lilian foi a pesquisadora responsável pela orientação da abertura da Ação Direta da Inconstitucionalidade da Lei da Biossegurança – ADIN, em maio de 2006 a pedido do procurador geral da República Dr. Claudio Fonteles. Ou seja, foi ela quem “orientou” cientificamente a proibição do uso de células-tronco embrionárias em 2006.

E como alguém sem peso científico algum pode ser orientadora científica de uma ação política tão importante? Veja esta matéria reveladora de Dário Ferreira em seu blog (as opiniões da referência não refletem inteiramete as minha opiniões). Conspiração? Estaria a Igreja trabalhando nos bastidores usando Lilian como testa-de-ferro? Afinal, é estranho alguém trabalhando com células-tronco receber tantas menções de religiosos,posar para foto na defesa de tese e até receber prêmios da CNBB (Congregação Nacional dos Bispos do Brasil), como vemos também em seu currículo.
Nada contra a Igreja tentar colocar seu posicionamento na questão e usar cientistas que apóiem sua visão, desde que este apoio seja às claras e eles sejam cientistas de verdade!

Seja lá como for o estrago, se houve, já está feito. Quarta-feira a lei será votada e será definitiva sua decisão.
Está aí a importância de se transpor o conhecimento científico para os não cientistas. Afinal muitos deles são jornalistas ou importantes tomadores de decisão, e eles têm uma influência direta na pesquisa como estamos vendo com o caso das células-tronco.

Falsas imagens de falsa ciência

Não podemos nem confiar nos nossos próprios olhos. O caso da foto apresentada aqui é um exemplo do que pode acontecer em várias áreas de nossa vida, inclusive na ciência.
Esta foto foi premiada com medalha de bronze em um concurso promovido pela tv estatal da China.

Fonte: Nature

Este concurso premiou as fotos mais influentes de 2006 e esta teve influencia porque mostra os antílopes muito calmos enquanto passa um trem pela planície. E esta ferrovia fez barulho justamente porque ambientalistas a viram como uma ameaça aos tímidos antílopes e sua migração anual. A foto da convivência pacifica entre antílopes e o trem seria prova em favor da ferrovia. Seria se ela fosse real, mas é uma sobreposição de duas fotos do mesmo lugar, mas uma com trem e outra com os bichos. Claro que o governo chinês tinha muito interesse nessa foto, pois foi ele quem construiu o trem.

Muitos trabalhos em biologia molecular também dependem de imagens como resultados: géis com bandas de DNA, RNA ou de proteínas, ou fluorescências. Uma preocupação constante é a veracidade das imagens apresentadas em trabalhos científicos. As revistas que publicam estes resultados têm até mesmo enviado fotos de trabalhos muito relevantes e polêmicos para especialistas forenses antes de publicar o tal resultado. Podem também pedir que outros laboratórios repitam o mesmo experimento para ver se o resultado se repete. Daí a importância dos métodos estarem sempre muito claros e completos nos trabalhos.

É nessa liberdade para replicação de experimentos que se baseia nossa confiança em resultados publicados. Se um resultado de experimento só ocorreu para um pesquisador, contrariando as estatísticas, ou ele está mentindo, o que ocorreu foi algo raro, o que não pode ser considerado um padrão.

Mas porque um pesquisador mentiria ou forjaria dados? Bem, é um mundo competitivo que vivemos. A produção do cientista é o que vai determinar seu salário, suas verbas de pesquisa e seu status entre os colegas. Há muita pressão para que se publique muito e bem, e o pesquisador pode fraquejar. Existem também outros tipos de pressão como é o caso da China, que quer a todo custo despontar cientificamente, mas é ainda controlado por um governo rígido em certos aspectos, e foge um pouco dos padrões internacionais de liberação de drogas e tecnologias (algumas terapias ainda em teste no resto do mundo já são autorizadas na China). Mas a ciência tem se mostrado resistente a esse tipo de erro. Justamente por essa repetição de confirmação que caracteriza o pensamento científico.

Entrevista no programa WebDivã

Devido ao artigo publicado na revista Psique e seguindo os passos de meus amigos e parceiros Marco Antônio, Isabella e José Henrique, fui convidado a participar do programa Webdivã, transmitido via internet pelo site www.alltv.com.br. Os temas escolhidos pela produção do programa serão baseados nos posts deste blog “Meu genoma, minha privacidade” e/ou “Dez mandamentos contra o câncer e a modernidade” .
Por ser ao vivo, o programa permite interação do público através de um chat. Fiquem a vontade para participar.

Quando: sexta dia 22/2/08, às 20hs
Onde: www.alltv.com.br

Dia de São Valentino ou Valentine´s day

Dia 14 de fevereiro, dia de São Valentino. O dia dos namorados em países de língua inglesa. Esta data já era comemorada desde épocas pré-católicas, quando se comemorava o deus Eros e festas de fertilidade. A igreja aproveitou e pegou carona no tema pagão da festa.
História aparte, dê um destes cartões para o seu cientista do coração.

“Eu naturalmente seleciono você”
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“Tenho uma queda por você”

“Nós temos uma ótima química”

Fonte: Ironic Sans

Bebida diminui produção de pesquisadores

É do país mais beberrão do mundo que vem este estudo bombástico: o consumo de bebida alcoólica dos pesquisadores está relacionado com a quantidade e qualidade da sua produção científica. Quanto mais doses um pesquisador bebe por semana, menor será sua produção.

Este estudo foi realizado na República Tcheca talvez não por coincidência, afinal este é o país com maior consumo de cerveja do mundo. São 156,9 litros de cerveja por pessoa num ano.

Claro que não devemos ser alarmistas. O estudo é pequeno, foi realizado somente em um país, com pesquisadores de apenas um tema (evolução, ecologia e comportamento de aves). Mas ao comparar pesquisadores de diferentes regiões da Republica Tcheca, a famosa Bohemia, mais beberrona (200 litros por pessoa no ano), e a Moravia, mais moderada (35 litros), houve diferença significativa na produção destes pesquisadores.

Em estudos com estas abordagens sempre temos que ter cautela na interpretação. A bebida tem diferentes significados em cada cultura. Também o consumo é realizado de diferentes maneiras, pode ser um ato social ou solitário, pode ser bem ou mal visto pela sociedade. Assim também a ciência é realizada de maneiras diferentes. Não nos seus métodos (que se forem diferentes deixam de ser ciência), mas na sua dinâmica, financiamento, organização hierárquica, relação inter-pares, etc.

A quantidade e qualidade da produção científica são as principais medidas de sucesso de um pesquisador. Disso vai depender o status e o emprego do cientista. Saber que esses fatores sociais, comportamentais e psicológicos estão diretamente relacionados à sua produção é importante. E quem não é pesquisador precisa ter isto em mente também. Saber que a ciência é uma atividade humana como tantas outras, e está sempre sendo influenciada por esses fatores.

Tomas Grim – “A possible role of social activity to explain differences in publication output among ecologists” – Oikos, 2008

Aqui vai um brinde pra quem não liga pra esse tipo de pesquisa:

Mais um rosto em Marte

Finalmente os ufólogos de todo o mundo têm o que queriam, uma confirmação da NASA com relação a rostos na superfície de Marte. Por muito tempo houve uma briga com relação a fotos de uma montanha que lembrava um rosto humanóide.

Mas vista de outros ângulos a figura não lembrava mais um rosto.

A imagem mostrada agora é incontestável prova de uma inteligência superior em solo marciano. Afinal, já conheciam os emoticons do MSN!


Fonte da imagem: G1

O rosto para os humanos é muito importante, e mais importante é reconhecer as expressões de um rosto com quem se conversa, para saber se está dizendo a verdade ou mentindo. Assim, nós desenvolvemos uma habilidade fantástica de reconhecer rostos e expressões, mesmo em coisas que não são rostos. Qualquer borrão com pontos aleatórios vai conter algo que nos lembre um rosto. Sempre veremos mais rostos do que patos ou qualquer outra forma. Faça o teste olhando para um pedaço de granito bem manchado. Quantos olhinhos e bocas você vê?

Eu Sou a Lenda 2: o microondas

Nasce mais uma lenda urbana. Nada novo na verdade, pois em se tratando de microondas as lendas são inúmeras, e se dependesse delas os microondas estariam banidos da face da terra.

Este email que recebi, e em busca na internet percebi que muita gente pelo mundo recebeu, fala sobre os riscos em aquecer comida em recipientes plásticos ou congelar água em garrafas plásticas. Essas ações liberariam dioxinas que seriam prejudiciais e poderiam gerar câncer.

O email apesar de ser bem feito, com fotos ilustrativas, não passa de uma bravata alarmista.

Dioxinas estão ainda sendo estudadas. Seus efeitos parecem ocorrer apenas em grandes quantidades, quando plástico é queimado. As embalagens especiais para microondas são normalmente certificadas por agências de saúde, sendo que a quantidade liberada é muito pequena e segura. É o que diz a Associação Brasileira de Câncer e o dr. Rolf Halden do Hospital Jonhs Hopkins, hospital este que é citado no email como fonte do alarme contra as dioxinas.

Uma coisa que me chamou atenção foi que no email, quando é citada a fonte do alarme (uma entrevista de 2 minutos com um doutor de um hopital do Hawai), a palavra TELEVISÃO está em maiúsculas como aqui. Como se o fato de maior importância para a credibilidade da notícia fosse o fato de ela ter passado na TV. Está mais do que na hora das pessoas saberem que quase todos, senão todos os veículos de notícia, não possuem um assessor cientifico. Se não podemos nem acreditar na TV como podemos repassar uma notícia de email?

Uma dica, não acredite cegamente em nada. Nem da TV e muito menos da internet. É aí que encontramos um problema: este blog está também na internet! Bom, a única coisa que posso falar em minha defesa é: estou sempre aberto a críticas.

Mas que o microondas pode ser perigoso, ah isso pode:

“Eu sou a lenda” e o deserto do real

Um motivo inusitado me levou ao cinema esta semana. Não que eu não vá ao cinema regularmente, apenas o motivo desta vez foi diferente.

O filme “Eu Sou a Lenda” com Will Smith é um bom filme de entretenimento. Divertido, ele abusa de uma fantasia recorrente nas pessoas: e se somente eu sobrasse no mundo? Eu prometo não contar o final nem muitos detalhes do filme, apenas algumas coisas que aparecem bem no começo. O que se revela logo no inicio do filme é justamente o meu motivo especial. Uma entrevista com uma cientista falando que usando um vírus modificado foram capazes de curar o câncer. A metáfora usada é até bem feliz: imagine que o seu corpo é uma estrada, e um vírus um carro muito veloz com um motorista muito mau. Agora imagine que substituímos o motorista mau por um policial. Bom, isto não é pura ficção. Aliás, é com isso que eu trabalho no dia-a-dia. Trocando quem está por trás da direção do vírus.

O que nós fazemos é trocar alguns pedaços do DNA do vírus por outros que podem matar as células de câncer. É isso que chamamos de Terapia Gênica. Usamos genes, que são trechos de informação de DNA, ao invés de remédios comuns. As vantagens? Ao invés de tomar um remédio, que pode se espalhar pelo corpo todo, um vírus pode carregar o “gene-remédio” para apenas algumas células específicas, como as de câncer por exemplo. Claro que a história não é assim tão simples. Podemos usar vários vírus, e manipulá-los de diversas maneiras. E os focos sempre são dois: eficácia no tratamento e segurança. A principal preocupação é evitar que o vírus que usamos, que pode ser derivado da gripe, por exemplo, cause uma infecção de gripe. O que fazemos é tirar todo o DNA possível do vírus original.

Esses vírus são tão seguros que até mesmo vírus derivados do HIV são usados, pois eles não possuem a informação que o permite infectar as células a sua maneira. Mesmo alguns vírus já sendo tão seguros ainda não são usados amplamente na medicina. Simplesmente por se tratar de um organismo estranho ao corpo humano, os cuidados são redobrados, e as agências reguladoras das pesquisas são muito conservadoras, e com razão, nesse tipo de assunto. Muitos estudos em humanos estão sendo feitos, e estes pacientes devem ser observados por muito tempo para nos assegurarmos de que é seguro.

Até aqui só falamos da primeira cena do filme e o seu paralelo na realidade. Agora vem a segunda cena: a cidade de Nova Iorque totalmente abandonada, varrida por uma epidemia deste vírus apenas três anos após a fictícia entrevista da cientista. Não se explica o que aconteceu de maneira clara. Parece que o vírus sofreu uma alteração aleatória que o transformou em um matador transmitido pelo ar.

Isso me faz perguntar se as pessoas que assistem a este tipo de filme se impressionam com as informações “científicas” a ponto de a usarem como base para seus julgamentos. Gente falando, por exemplo, “aquele filme mostra como a ciência pode ser destrutiva.” Como o espectador pode saber até que ponto a informação do filme tem base no real (terapia gênica é real) ou é imaginação pura (o vírus usado na terapia não pode ser mais perigoso que o vírus que o originou). Este filme faz um serviço de divulgação científica ou um desserviço ao dar uma perspectiva catastrófica?

Não quero ser o chato a censurar a arte pelo rigor científico. O que me preocupa é a falta de conhecimento básico sobre ciência na população. Não que todos precisem de conhecimentos em biologia molecular, mas o pensamento crítico, tão característico da ciência, seria de grande ajuda para qualquer um poder interpretar a arte e a vida real de maneira mais profunda e proveitosa.

Geladeiras de laboratório

Essa é para os ratos de laboratório. Afinal, diga-me como é a geladeira do teu laboratório e eu te direi quão rígido teu laboratório é.

Aqui estão alguns diagramas das geladeiras mais comuns no mercado da pesquisa mundial.
Quem não encontrar algo que seja similar em sua geladeira que atire o primeiro tubo de ensaio!

fonte: PhDComics – site de quadrinhos sobre pós-graduandos

fonte: Evolgen – ganhador do prêmio de melhor postagem cômica em blogs de ciência de 2007