PIB ou PNB, qual a melhor forma de enxergar a renda do país?

Imagem livre de direitos autorais (com alterações). Disponível em: https://pxhere.com/pt/photo/561292. Acessado em: 11/05/2021.

Por: Victor Augusto Ferraz Young

Sim, PIB e PNB são conceitos que se referem à renda de um país. Ambos estão relacionados a tudo o que é produzido em termos de bens e serviços finais, sendo a soma do valor destes a renda considerada para o período de um ano. Assim, para os economistas, o produto (ou sua renda correspondente) é tudo aquilo que passou por um processo de transformação produtiva, fazendo com que elementos primários da natureza passem a ter um valor comercial ainda maior, tornando-se estoques ou produtos finais. A grande diferença entre os dois conceitos de produto é, no entanto, o critério de definição daquilo que entrará ou não no valor total de cada um dos dois.

Para o cálculo do PIB (Produto Interno Bruto), o critério mais importante é o territorial (país, região, município, etc.)[1]. Ou seja, tudo o que for produzido dentro de certo território por empresas e trabalhadores autônomos é considerado parte da soma total do PIB, mesmo que a origem dessas empresas e/ou trabalhadores (fatores de produção) seja do exterior. O importante é que seja produzido no território nacional. O que não entra no cálculo do PIB, entretanto, são as rendas recebidas no país, provenientes de filiais de empresas nacionais em outros países ou o salário recebido por nacionais pagos por empresas fora do país, ou seja, a remuneração de fatores de produção nacional no exterior. Salários pagos por empresas residentes no país a estrangeiros são, todavia, contabilizados para dentro do valor do PIB.

No caso do PNB (Produto Nacional Bruto)[2], o critério é um pouco distinto. Neste cômputo, a propriedade dos fatores de produção é o que mais importa. Um desses fatores, o fator capital, se refere geralmente a edifícios, máquinas e veículos utilizados na produção. Outro fator importante é o fator trabalho que se refere ao esforço produtivo humano, fornecido por indivíduos. Para o cálculo do PNB, somente as rendas a partir de fatores de produção de propriedade nacional, descontando-se a renda de fatores de propriedade de não residentes, é que podem ser considerados no seu somatório (PAULANI, 2013: 47). De forma resumida, a renda a ser considerada para o PNB é a renda produzida somente por fatores de produção de propriedade nacional em território nacional mais a renda recebida de fatores de produção de propriedade nacional em território estrangeiro, seja fator capital, seja fator trabalho. Assim, o principal critério para o cálculo do PNB é a propriedade dos fatores de produção e não o território onde os bens e serviços são produzidos.

PIB e PNB são conceitos que podem ser relacionados na forma de uma equação simples:

 Considerando:

RRE: Rendas Recebidas do Exterior (Valor das rendas recebidas do exterior originários de fatores de produção de propriedade de nacionais)

REE: Rendas Enviadas ao Exterior (Valor das rendas enviadas ao exterior aos proprietários de fatores de produção de propriedade de estrangeiros)

Podemos descrever PIB e PNB da seguinte forma:

PIB = PNB + REE – RRE ou,

PNB = PIB – REE + RRE

A partir dessas informações, a que conclusões podemos chegar?

 Primeiramente, devemos ter ciência de que não estamos discutindo especificamente elementos embutidos no produto como importações e exportações ou outras transferências unilaterais com o resto do mundo. Estes agregados podem ser decisivos para a economia, mas, neste caso, estamos apenas debatendo o valor do produto da economia dentro dos conceitos de PIB e PNB e as rendas enviadas e recebidas do exterior em função do processo produtivo.

De um modo geral, para o nosso país em específico, usar o conceito de PIB pode não ser o mais adequado para termos uma percepção sobre a renda da produção que realmente fica em território nacional. Grosso modo, como há muito mais filiais de empresas estrangeiras no Brasil (fatores de produção de propriedade de não residentes) do que subsidiárias brasileiras no exterior (fatores de propriedade nacional no exterior), a tendência é a de que o país sempre envie mais rendas da produção ao exterior do que as receba. A renda da produção que realmente permanece aqui, e que corresponde ao PNB, é sempre menor do que aquela que corresponde o PIB[3].

A partir desse dado, podemos compreender que a ideia de uma estratégia de desenvolvimento econômico dependente da atração de capitais estrangeiros para investimentos diretos, tão alardeada pela grande mídia e pelo governo, não pode ser a única alternativa para um crescimento produtivo sustentável a longo prazo[4]. Empresas estrangeiras, ao entrar no país, realizam novos gastos, criam empregos diretos e indiretos, podem eventualmente trazer práticas gerenciais e tecnologias mais avançadas. Mas não há de se esquecer, contudo, que estas entradas que duram apenas algum tempo têm uma contrapartida de grande monta e de longo prazo. Em 2018, por exemplo, o saldo entre os envios e os recebimentos (ou renda líquida enviada ao exterior[5]) foi de quase R$ 200 bilhões (US$ 38 bilhões em dólares de hoje) a favor do resto do mundo. Os valores reais das inversões no Brasil por estrangeiros voltam, ao longo do tempo, para seus investidores, mantendo-se, depois disso, um fluxo contínuo de lucros para fora do país. Não se trata de nada ilegal ou repreensível. Mas é algo problemático do ponto de vista do desenvolvimento econômico nacional.

A atual estratégia de atração de capitais estrangeiros tem se baseado num controle austero de políticas governamentais de gasto e de juros. Assim realizada, acaba restringindo projetos de investimentos nacionais (sendo mais grave quando se trata de investimentos públicos) e limita a oferta de crédito doméstica através do aumento das taxas de juros.

Haverá ganhos que compensem tais limitações?

Tendo aqui discutido os conceitos de PIB e de PNB e verificando que no Brasil o PNB é reiteradamente menor do que o PIB ao longo das últimas décadas (vide gráfico abaixo), podemos perceber certa tendência nesses anos. A renda da produção que realmente fica no país (PNB) é sempre menor do que a renda que é produzida no território (PIB). Esta acaba dividida entre proprietários nacionais e estrangeiros. Se não mudarmos esta estratégia que reduz o papel do Estado como incentivador econômico e ainda faz com que ele atue somente para privilegiar a entrada de capitais externos, permaneceremos perdendo, nos anos à frente, boa parte de renda produzida no país, inviabilizando assim o desenvolvimento econômico sustentado do país no futuro.

 

Referências:

CONTABILIDADE social: referência atualizada das contas nacionais do Brasil. Organização de Carmen Aparecida Feijó, Roberto Luis Olinto Ramos. Coautoria de Fernando Carlos G. de Cerqueira Lima, Nelson Henrique Barbosa Filho, Rebeca Palis. 5. ed. rev., atual Rio de Janeiro: GEN Atlas, 2017.

PAULANI, Leda. A nova contabilidade social: uma introdução à macroeconomia. Coautoria de Marcio Bobik Braga. 4. ed. rev. e atual. São Paulo, SP: Saraiva, 2013.

Notas:

[1] A medida do PIB de um país ou região representa a produção de todas as unidades produtoras da economia (empresas públicas e privadas produtoras de bens e prestadoras de serviços, trabalhadores autônomos, governo etc.) num dado período (ano ou trimestre, em geral) a preços de mercado (FEIJÓ et. al., 2017: 21).

[2] Conforme Feijó (2017), a sigla PNB não é mais utilizada na atual Contabilidade Social, ramo da economia que trata deste assunto. O cálculo é exatamente o mesmo, mas a forma nominal RNB (Receita Nacional Bruta) seria a mais correta, “pois não podemos usar o conceito de valor adicionado para a renda nacional porque inclui rendas do resto do mundo que podem ser geradas em atividades não produtivas, como juros” (op. cit.: 93). Contudo, em função do uso bastante difundido do termo PNB nos meios de comunicação nos dias atuais e até mesmo por organizações internacionais como o FMI (Fundo Monetário Internacional), decidimos seguir com esta denominação. Para uma referência ao FMI, ver: https://www.imf.org/external/datamapper/NGDP_RPCH@WEO/OEMDC/ADVEC/WEOWORLD. Acessado em 10 de maio de 2021.

[3] Ver por exemplo, referente a 2018, ‘Tabela 3 – Economia nacional – Contas de produção, renda e capital – 2000-2018’ no sítio do IBGE. O valor total do PIB é de R$ 7.004.141 milhões enquanto o valor da Renda Nacional Bruta (PNB) é de R$ 6.809.381 milhões, ou seja, há uma diferença a menor para o PNB de R$ 194 bilhões. Acessar: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/contas-nacionais/9052-sistema-de-contas-nacionais-brasil.html?=&t=resultados.

[4] Investimentos estrangeiros diretos são geralmente investimentos realizados por empresa estrangeira para a construção ou aquisição de empresas em território nacional para a operação de suas unidades subsidiárias.

[5] Renda Líquida Enviada ao Exterior corresponde à Renda Enviada ao Exterior menos a Renda Recebida do Exterior.

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