Mundialização do capital

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Por: Leonardo Dias Nunes

Introdução

Ao longo do ano de 2023, meus artigos estarão relacionados à economia mundial contemporânea. Espero que essa escolha contribua para que a leitora e o leitor do Blog Sobre Economia consigam conhecer e relacionar fatos e interpretações relacionados a esse campo do conhecimento. Começarei apresentando um artigo sobre a mundialização do capital, conceito relevante para a compreensão da economia contemporânea e que me possibilitará estabelecer conexões com outros assuntos nos próximos artigos.

De acordo com o economista francês François Chesnais [1], no início da década de 1990, a economia mundial entrava em um novo regime de acumulação por cinco razões. Primeira, taxas de crescimento do PIB muito baixas. Segunda, existência de deflação, instabilidade e sobressaltos monetários. Terceira, alto nível de desemprego. Quarta, marginalização de regiões do sistema de trocas. Quinta, concorrência internacional intensa. Esse novo regime era comandado pelos fundos mútuos de investimento, fundos de pensão e Estados nacionais mais poderosos da economia mundial.

Para Chesnais, a transição para o novo regime de acumulação ocorreu quando a ilusão da possibilidade de domar o capital perdia ainda mais sua força, seja pela intensa acumulação de capital realizada durantes os trinta anos gloriosos do pós-guerra, seja pela transformação das relações entre o capital e o trabalho com a criação das tecnologias de informação e comunicação, ou ainda, pela realização de políticas de desregulamentação e privatização.

Levando estes elementos em consideração, a mundialização do capital deve ser entendida como a expressão de um período histórico da economia contemporânea em que surgiram oligopólios mundiais com grande poder financeiro e que, por isso, conseguiram transformar instituições e regulamentações nacionais de acordo com o próprio interesse de reprodução do capital.

Os grupos industriais

A imensa acumulação de capital, o estado de sobreprodução e as mudanças nas relações entre o capital e o trabalho possibilitaram a mundialização do capital. Mas, também deve ser observado o papel das novas tecnologias nesse processo. Isso porque as tecnologias de informação e comunicação (TICs) auxiliaram no processo de internacionalização dos grupos industriais, gerando uma transformação na forma de controle e gerenciamento das relações laborais e permitindo um aumento de produtividade. Nesse novo cenário, por um lado, as relações laborais foram flexibilizadas e, por outro, as empresas subcontratadas passaram a receber o ônus das oscilações econômicas.

A nova configuração da economia mundial levou à formação dos oligopólios mundiais devido aos processos de centralização e concentração do capital. E, consequentemente, foi percebido que as estruturas industriais que ofertavam produtos com alta intensidade de pesquisa e desenvolvimento tornaram-se mais concentradas.

A valorização do capital-dinheiro

Chesnais explica que os lucros não remetidos e não reinvestidos na produção expandiram o mercado de eurodólares em meados da década de 1960. Posteriormente, com a reciclagem dos petrodólares nesses mercados, países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE conseguiram superar a recessão originada do Primeiro Choque do Petróleo. Já no final da década de 1970, os financiamentos para as economias do Terceiro Mundo fizeram com que a dívida pública desses países aumentasse e fortalecesse a esfera financeira da economia mundial.

Devido a essas transformações da economia mundial, novas instituições como os fundos de pensão surgiram para gerir as gigantescas massas financeiras que buscavam a máxima rentabilidade e mobilidade do capital e a máxima flexibilidade das regras de controle do capital. Essas novas práticas possibilitaram a centralização de capitais dispersos que jamais haviam se beneficiado de um período tão longo de acumulação.

Foi apenas em 1979, no governo de Margaret Thatcher, que houve a liberalização total dos movimentos de capital, tais como a desregulementação, a desintermediação e a descompartimentação monetárias e financeiras. Tais ações construíram um espaço financeiro hierarquizado e estruturado no âmbito mundial que estava aberto para a supressão de regulamentações financeiras através das inovações financeiras.

A polarização da riqueza

Com a mundialização do capital os fluxos de trocas podem ser criados e destruídos constantemente. Assim, para que os investimentos sejam realizados em uma determinada economia nacional, torna-se necessário que nela existam boas condições de lucratividade e mobilidade de capital. Diante dessas condições, as novas operações de investimento criam um processo de integração seletiva e, por outro lado, é criado o processo contrário, que é a desconexão forçada daquelas regiões que já não apresentam atratividade ao capital e que se tornaram zonas de pobreza.

Com a mundialização do capital, muitas economias que estavam na rota do desenvolvimento tornaram-se zonas de pobreza devido à desconexão forçada.

Os encadeamentos depressivos cumulativos

A hipótese apresentada por Chesnais é a de que a economia mundial caminhava para um tipo de crescimento baixo, instável, conflituoso, com desemprego e com deflação. O autor argumentou que a mobilidade do capital produtivo trouxe conjuntamente a pressão por redução de custos e a rápida automatização. O resultado dessas novas ações foi o enfraquecimento do quadro sociopolítico do Estado-nação e suas consequências podem ser observadas nos componentes da demanda efetiva [2].

No que tange ao consumo das famílias, houve uma diminuição da renda do trabalho assalariado e uma redistribuição da renda nacional em proveito dos rentistas. Já ao analisar o gasto público, o autor observou que a redução do emprego e do consumo diminuíram a base tributária. Por outro lado, houve uma redução da carga tributária que incidia sobre o capital e seus rendimentos e um aumento da dívida pública. Por fim, o investimento adquiriu um dinamismo médio ou fraco por se concentrar em processos de fusões e aquisições que buscam reestruturação e racionalização da produção.

Existe um debate amplo sobre a mundialização do capital e suas consequências [3], esse é um assunto que certamente pode render outros artigos. Além disso, tendo apreendido esse conceito, podemos ir além e nos aprofundar nas discussões em torno das consequências econômicas e sociais da mundialização do capital. Esse caminho é amplo e possuidor de debates no âmbito teórico e político. Enfim, é o caminho que de alguma forma será trilhado nesse ano de 2023.

Notas

[1] CHESNAIS, F. A globalização e o curso do capitalismo do fim-de-século. Economia e sociedade, v. 5, p. 1–30, dez. 1995. Esse artigo está disponível aqui.

[2] Para mais informações sobre esse tema, ver o artigo As ideias fundamentais de Keynes de Vítor Lopes de Souza Alves. 

[3] Para uma outra apreensão do tema apresentado nesse artigo, ver os seguintes artigos: NAKATANI, P.; GOMES, H. A natureza e as contradições da crise capitalista. In: GOMES, H. (Org.). Especulação e lucros fictícios. 1. ed. São Paulo: Editora Outras Expressões, 2015. p. 125–160; e BRAGA, J. C. de S. A financeirização da riqueza: a macroestrutura financeira e a nova dinâmica dos capitalismos centrais. Economia e Sociedade, v. 2, n. 1, p. 25–57, 2016. Esse artigo está disponível aqui.

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