Igor Silva Figueiredo[1]
Roberta Cristina Gobi[2]
À luz da categoria de superexploração da força de trabalho, conforme proposta por Ruy Mauro Marini, e das relações de exploração-dominação[3], termo sustentado por Heleieth Saffioti, aliadas ao entendimento da exploração de classe racializada e regionalizada, conforme postulado por André Gunder Frank[4], no qual regiões mais desenvolvidas exploram aquelas menos desenvolvidas, acreditamos que a manifestação concreta da superexploração da força de trabalho no Brasil é, além de historicamente fundamentada, predominantemente evidenciada por meio dos elementos interligados de classe, raça, gênero e desigualdades regionais. Para além desse entendimento preambular, propomos avançar um pouco mais na apreensão sobre a condição histórico-concreta da realidade brasileira (e latino-americana se assemelhando) adicionando mais alguns aspectos que, no nosso entendimento, são fundamentais para tal compreensão, quais sejam, o da educação e o da mobilidade social.
Considerando a complexa teia de relações entre esses fatores, torna-se crucial aprofundar nossa compreensão para explorar as nuances dessas conexões intrincadas no que se refere à mobilidade social e, sobretudo, à educação. No cenário brasileiro, a superexploração da força de trabalho se apresenta como um fenômeno que possui múltiplas determinações e diversas expressões na vida concreta, no qual as estruturas históricas e sistêmicas de opressão e exploração estão entrelaçadas.[5]
Diante desse panorama, uma investigação mais profunda pode iluminar as particularidades e dinâmicas subjacentes a essas formas de exploração e estruturação social, oferecendo uma compreensão mais abrangente dos mecanismos que perpetuam as desigualdades na vida social brasileira.
Em sentido complementar, a educação, aqui entendida como determinação estruturante, é um outro fator igualmente importante, mas pouco destrinchada em análise na literatura da teoria social brasileira que se dedica a pesquisar a categoria superexploração da força de trabalho lastreada na Teoria Marxista da Dependência (TMD). Entender como a educação se insere neste contexto, seja refletindo sobre as categorias da TMD formuladas em um nível de abstração mais elevado, que tinham como objetivo analisar as leis de tendência do capitalismo latino-americano, ou se debruçando sobre níveis de concreticidade maiores e a estruturação histórica do capitalismo dependente.
O acesso desigual à educação é um aspecto evidente da superexploração da força de trabalho, pois perpetua uma divisão de classes e reforça a marginalização de certos grupos sociais. A dependência econômica impacta diretamente a alocação de recursos para a educação, na sua qualidade, priorização, conteúdo, resultando em disparidades significativas entre classes e no que se refere às regiões do país. A concentração de recursos nas áreas economicamente mais desenvolvidas contribui para a perpetuação do ciclo de superexploração, onde a força de trabalho menos qualificada é explorada em setores mais precarizados da economia e com remuneração mais baixa.
De acordo com o estudo “O elevador social está quebrado? Como promover mobilidade social”[6], publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil é o segundo pior país em mobilidade social dentre os países analisados pela OCDE; a Colômbia, país latino-americano, é o pior. Conforme demonstrado na pesquisa, o Brasil apresenta um patamar de desigualdade de renda superior à média observada nos países pertencentes à OCDE. O coeficiente de Gini atribuído ao Brasil é categorizado como “Alto” em comparação com a média da OCDE, sugerindo uma disparidade de renda mais acentuada no contexto nacional.
O coeficiente de Gini é uma medida de desigualdade de renda que varia de 0 a 1, onde 0 representa a igualdade perfeita (todos têm a mesma renda) e 1 representa a desigualdade perfeita (uma pessoa tem toda a renda e as outras não têm nenhuma). Ampla e frequentemente empregado, o coeficiente de Gini é utilizado para mensurar a desigualdade de renda em países ou regiões. Quanto mais próximo de 1 o coeficiente de Gini estiver, maior será a desigualdade de renda. Em contextos de países “emergentes”, observa-se que a mobilidade social enfrenta desafios consideráveis, tornando a ascensão social praticamente inviável. A mobilidade de renda de uma geração para outra é notavelmente limitada. De acordo com os dados, seriam necessárias nove gerações para que um cidadão brasileiro, pertencente ao grupo dos 10% mais pobres do país, atingisse o patamar médio de rendimento nacional.
A realidade retratada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) destaca que a condição de pobreza tende a perpetuar-se ao longo de várias gerações. Enquanto a taxa de “persistência” de renda intergeracional nos países nórdicos alcança 20%, no Brasil esse índice atinge 70%. A análise revela que mais de um terço daqueles situados entre os 20% mais pobres da nação permanece em estratos de baixa renda, com apenas 7% conseguindo transpor a barreira para integrar os 20% mais ricos.
O estudo referido oferece análises acerca da interconexão entre educação e desigualdade de renda em contextos nacionais variados. No caso específico do Brasil, destaca-se que a disparidade de renda revelou-se mais acentuada entre indivíduos com baixa escolaridade em comparação àqueles com elevado nível educacional. Ademais, a pesquisa apresenta dados que elucidam a discrepância salarial entre os estratos sociais mais baixos e mais altos da população em diferentes nações, sugerindo uma possível correlação com a variável educacional.
O texto também apresenta informações sobre a mobilidade social entre gerações em diferentes países. A mobilidade social refere-se à capacidade de uma pessoa mudar de posição social em relação à sua família de origem. O documento menciona que a mobilidade social é mais baixa em países com maior desigualdade de renda e menor investimento em educação.
No que tange à primeira etapa da produção da força de trabalho, com a redução dos salários se reduzem os gastos relativos à alimentação, educação e formação dos filhos dos trabalhadores atuais. Gera-se, com isso, uma mão de obra de qualidade inferior, constituída de trabalhadores desnutridos e destreinados, que são lançados mais cedo ao mercado para garantirem o próprio sustento.[7]
Ato contínuo, o ciclo de reprodução do capital em economias dependentes – caracterizadas pela superexploração da força de trabalho –, com um sistema educacional frágil ou insuficiente, resulta em uma formação humana e científica limitada, uma qualificação profissional deficiente e, consequentemente, com a possibilidade de recebimento de um salário capaz de suprir as necessidades pessoais e familiares ao longo da vida bastante reduzida para as gerações que continuamente se formam nesse cenário.
Notas
[1] Igor Silva Figueiredo é pesquisador e professor visitante do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), especialista em economia do trabalho e sindicalismo pelo IE-Unicamp, mestre em sociologia e doutor em ciências sociais pelo IFCH-Unicamp. E-mail: igor.figueiredo@gmail.com.
[2] Roberta Cristina Gobi possui graduação em pedagogia pela Universidade Estadual de Campinas, é mestra em educação pela FE-Unicamp e participa do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais (GREPPE)/Unicamp. Professora de Educação Básica na Prefeitura Municipal de Valinhos.
[3] SAFFIOTTI, Heleieth I.B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis – RJ: Editora Vozes, 1967.
[4] Gunder Frank, A. (1966) “The Development of Underdevolopment” in Rhodes (1970).
[5] Para entender um pouco mais sobre a relação entre educação e superexploração da força de trabalho, conferir “A lógica de funcionamento da superexploração da força de trabalho e o que a educação tem a ver com isso”, disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/sobreeconomia/2023/09/28/a-logica-de-funcionamento-da-superexploracao-da-forca-de-trabalho-e-o-que-a-educacao-tem-a-ver-com-isso/.
[6] Original: https://www.oecd.org/social/broken-elevator-how-to-promote-social-mobility-9789264301085-en.htm. Tradução de parte do estudo para português: https://www.oecd.org/brazil/social-mobililty-2018-BRA-PT.pdf. Acesso em 13/11/2023.
[7] Franklin, R. S. P.. (2019). O que é superexploração?. Economia E Sociedade, 28(3), 689–715. https://doi.org/10.1590/1982-3533.2019v28n3art04, p.705. Acesso em 14/11/2023.
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