Basta só acreditar?

Certo dia, entrava eu em uma sala de consultório médico quando ouvi uma senhora proferindo a última frase do que parecia ser uma argumentação sua: “um trabalho da USP comprovou que existe a cura pelas mãos: reiki, passes, imposição de mãos, tudo isso funciona!”. Fiquei em dúvida, mas como não sabia praticamente nada sobre o assunto – e não quis ser intrometido -, resignei-me em refletir se seria possível tal achado milagroso da ciência ter passado em brancas nuvens pelos veículos sérios de divulgação científica até hoje. Em casa, no entanto, descobri numa rápida busca na internet que esse era apenas mais um boato apócrifo que circulava (já há cerca de uma década) na internet.

Coincidentemente, eu havia assistido recentemente à palestra, na Unicamp, do jornalista Leonardo Sakamoto, que, dentro do tema “ódio e intolerância na internet”, trouxe casos que afetaram-no pessoalmente de boatos bastante graves que circularam amplamente pela internet como se fossem verdades. Como contou, mesmo após refutar as informações e alertar que eram inverídicas, o jornalista continuou a ser acossado devido às falsas “notícias”.

A pequena narrativa dos dois episódios é só para ilustrar como, muitas vezes, as pessoas acreditam em muito do que leem ou assistem (em livros, revistas, internet e TV) sem questionar ou buscar evidências sobre a veracidade do tema. Isso tende a acontecer em maior grau quando a informação vem de encontro à crenças pré-estabelecidas das pessoas, corroborando-as – o que convencionou-se chamar de wishful thinking.

Mas, qual o problema em acreditar no que eu quero?

A princípio, nenhum. Você pode achar que realmente existam cidades abandonadas na Lua ou no fundo do mar, ou no chupa-cabras, por exemplo. No entanto, a partir do momento que notícias e informações falsas prejudicam a sua vida (como no exemplo de produtos caseiros “naturais” que causam danos à saúde) ou as de outras pessoas (como no exemplo de Sakamoto), torna-se bastante temerário crer piamente em algo que se lê/assiste, sem requisitar o mínimo de evidências, e mais preocupante ainda passar a informação adiante como verdade incontestável.

Então, como saber se o que leio e compartilho é confiável?

O acesso às chamadas fontes primárias é o ideal. As revistas que publicam artigos científicos estão disponíveis na internet e/ou impressos nas universidades. Ainda que boa parcela delas seja de acesso restrito aos assinantes, as revistas de acesso aberto vêm alcançando bastante espaço.

No entanto, grande parte da população não ligada à atividade científico-acadêmica tem pouca familiaridade com a maneira como os artigos científicos são escritos, e encontra dificuldades em elucidar termos técnicos ou compreender trabalhos publicados em outros idiomas (que são a maioria). Deste modo, são necessários veículos que visem aproximar temáticas complexas ao cotidiano das pessoas, e em uma linguagem com as quais estejam mais habituadas. Acredito que iniciativas como a Rede de Blogs Científicos da Unicamp e outras ligadas a universidades brasileiras e/ou estrangeiras se propõem a ajudar neste sentido.

Existem diversos veículos de mídia sérios, que se preocupam em checar fontes e procuram ir a fundo nos temas tratados antes de publicar qualquer coisa. Tanto jornalísticos quanto científicos. Impressos ou digitais.

Abaixo, uma curta lista de alguns que considero válido citar:

Sistema SciELO – artigos científicos em acesso aberto (grande parte em português).

Revista Scientific American Brasil

Revista ComCiência (Unicamp)

Revista Ciência e Cultura (impressa)

Revista Pesquisa Fapesp (impressa)

The Naked Scientist (em inglês)

Science Magazine (em inglês)

Quer ressaltar algum outro? Por favor, deixe nos comentários.

Crédito da imagem: donvix

Sobre Gustavo 29 Artigos
Cientista de Alimentos e Mestre na mesma área. Especialista em Jornalismo Científico pelo LABJOR/UNICAMP, dedicando-se a atividades de divulgação científica.

3 Comentários

  1. Interessante a parte do texto que ressalta a falta de hábito das pessoas em buscar as fontes de informação. Existe uma crença estabelecida, principalmente nas redes sociais, que o que é postado, a princípio, é verdadeiro. Nada poderia ser mais falso, já que grande parte das informações veiculadas na rede provém de fontes, mesmo primárias, que não são críveis ou que tenham aplicado qualquer tipo de método confiável para produzir aquela informação. Então temos dois problemas, a cultura da gestão pobre da informação e a disseminação de informações de baixa qualidade. Creio que um dos papéis do divulgador da ciência também é minimizar os danos desse processo, além de levar informações ao público comum.

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