Sobre máscaras, testes e COVID-19

Máscaras e testes são necessários para evitar a transmissão assintomática do SARS-CoV-2 liberado em aerossóis e gotículas.

Esse é o resumo do artigo publicado na respeitada revista Science, do dia 27 de maio de 2020. Trata-se de um artigo que coloca em perspectiva as medidas para a redução da transmissão do SARS-Cov-2 por meio de testagem e do uso máscaras pela população. Uma análise necessária… principalmente aqui no Brasil, onde os dirigentes estão tirando a população da quarentena em pleno momento ascendente da curva de casos! (veja nossa série “O que é essa curva que a gente tem que achatar? – parte 1 e parte 2).

Ao respirarmos, falarmos, tossirmos ou espirrarmos acabamos liberando gotículas e aerossóis. Se estamos com alguma infecção respiratória viral, vírus vão estar contidos ali. Aerossóis são partículas muito, muito pequenas, são menores que cinco micrômetros (≤ 5 μm) enquanto as gotículas possuem mais de cinco-dez micrômetros (> 5-10 μm).  

Um conjunto combinado de fatores (tamanho da partícula, velocidade que a partícula é liberada, gravidade, evaporação) vai determinar a distância percorrida e o tempo que a partícula permanecerá no ar. De forma simplificada, gotículas caem no solo mais rápido do que evaporam, permitindo assim uma maior taxa de contaminação de superfícies. Os aerossóis, por sua vez, permanecem mais tempo no ar e podem ser transportados por longas distância, permitindo uma maior taxa de contaminação por inalação. Além disso, a inalação de partículas menores pode estar relacionada à gravidade da doença (aerossóis muito pequenos, poderiam chegar diretamente às regiões mais profundas dos pulmões, onde o sistema de defesa atua mais vagarosamente, causando uma doença mais grave).

Para efeito de comparação, uma gotícula grande de 100 μm (em rosa na escala da figura), atingiria o chão em 4,6 segundos e uma distância de quase 2,5 metros, enquanto uma partícula de aerossol de 1μm poderia permanecer no ar por cerca de 12 horas. Além disso, tosses e espirros intensos podem lançar as gotículas por mais de 6 metros (os aerossóis podem ir ainda mais longe). Estima-se que uma pessoa com COVID-19 falando alto por 1 minuto pode gerar de mais 1.000 partículas de aerossóis, o que poderia levar a liberação de mais de 100.000 partículas virais de SARS-COV-2!

Há, ainda, diferenças na densidade de partículas virais no ar em ambientes abertos e fechados. Apesar de ainda termos poucos estudos sobre taxa de transmissão de SARS-CoV-2 ao ar livre, as concentrações ali são mais rapidamente diluídas, além de que o SARS-CoV-2 pode ser inativado por radiação UV da luz do sol, provavelmente seja sensível à altas temperaturas ambiente, bem como à presença de aerossóis atmosféricos que ocorrem em áreas muito. Porém, ao mesmo tempo, os vírus podem se prender a outras partículas presentes no ar, como poeira e poluição e, assim, aumentar sua dispersão (distância e tempo no ar). Observou-se, por exemplo, que pessoas que vivem em áreas muito poluídas apresentam maior COVID-19 com sintomatologia mais grave.

As máscaras surgem como uma importante barreira uma vez que o seu uso reduz a probabilidade e a gravidade da COVID-19 e reduz significativamente as concentrações de SARS-CoV-2 liberadas no ar. As máscaras também podem proteger os indivíduos não infectados das partículas liberadas e contaminadas com SARS-CoV-2 presentes no ar. Na figura abaixo vemos as 4 situações diferentes na qual pessoas saudáveis podem entrar em contato com o vírus liberado por uma pessoa infectada sem sintomas:

  • Pessoa infectada sem sintomas e pessoa saudável, AMBAS SEM máscara – situação em que a pessoa saudável se encontra mais exposta ao vírus
  • Pessoa infectada sem sintomas sem máscara e pessoa saudável com máscara
  • Pessoa infectada sem sintomas com máscara e pessoa saudável sem máscara
  • Pessoa infectada sem sintomas e pessoa saudável, AMBAS COM máscara – situação em que a pessoa saudável se encontra menos exposta ao vírus

[início da atualização]

ATUALIZAÇÃO 2 (10/06/2020): Considerando as discussões que ocorreram (por coincidência logo após a postagem original) em decorrência das falas da chefe do programa de emergências da Organização Mundial de Saúde (OMS), Maria van Kerkhove, sobre a baixa transmissibilidade de indivíduos assintomáticos, optei por alterar neste post o termo “assintomáticos” por “sem sintomas“. Essa mudança parece pequena, mas carrega uma questão conceitual muito importante.

Explico: Um indivíduo assintomático refere-se àqueles indivíduos que testa positivo para o vírus mas que nunca apresenta sintomas. Um indivíduo pré-sintomático é um indivíduo que está na fase inicial da doença (período de incubação) e em alguns dias desenvolverá os sintomas. Podemos agrupar os indivíduos “assintomáticos” e os “pré-sintomáticos“, como “indivíduos sem sintomas” – que é responsável por mais de 50% das transmissões da COVID.

Outras questões merecem ser apontadas:

Os sintomas às vezes são tão suaves (uma coriza, uma tosse leve) que muitas vezes passam despercebidos… ou as pessoas acabam confundindo com outras doenças (gripe, rinite, sinusite) … ou, ainda, desenvolvem os sintomas menos clássicos (coceira e perda de olfato, por exemplo), sem apresentarem os sintomas clássicos (tosse seca, febre, cansaço e falta de ar). Essas pessoas, muitas vezes nem sabem que tiveram COVID. Seriam falsos-assintomáticos.

As evidências sugerem que indivíduos assintomáticos transmitem sim, mas bem menos que os pré-sintomáticos. A taxa de contaminação por indivíduos sem sintomas, juntamente com a taxa de contaminação ambiental, é responsável pela maior parte da contaminação.

O Pessoal do Núcleo em Ecologia e Desenvolvimento Sócio-Ambiental de Macaé (NUPEM/UFRJ) fez esse infográfico que mostra a importância de diferentes portadores do vírus na infecção de novas pessoas.

Para mais informações, consultar as referências no final do post.

[/fim da atualização]

Alguns estudos identificaram a eficiência de filtragem de aerossóis por máscaras caseiras feitas com materiais adequados e bem ajustadas ao rosto foi encontrada como semelhante a de máscaras médicas (mas ainda precisamos de mais estudos para essa confirmação). Acontece, porém, que a universalização da proteção que o uso correto das máscaras caseiras deveria trazer não acontece como deveria. É só olhar pela janela de casa e ver que nas ruas as pessoas estão andando com máscara frouxa, ou sem máscara, ou com a máscara no queixo ou pescoço, ou com o nariz exposto… Ou seja: a proteção não está funcionando!

Outro ponto importante a ser levantado é que nas infecções respiratórias mais comuns, as transmissões dos vírus ocorrem por meio das partículas liberadas em tosses ou espirros de indivíduos sintomáticos. Porém, para a COVID-19 o que está sendo observado é um pouquinho diferente: a transmissão parece ocorrer principalmente pela liberação de aerossóis durante a fala ou a respiração de indivíduos contaminados, mas que não apresentam sintomas – ainda que estes venham a desenvolver os sintomas depois.

O que expusemos neste post é muito importante pois é o que deve guiar a maneira que devemos agir para reduzir a transmissão do vírus. O que deveria ser muito simples, uma vez que são dois os principais pontos que devem ser observados, tudo é muito difícil pois depende da cooperação da população e bom senso e boa gestão dos nossos governantes:

Precisamos: [1] de medidas que reduzam a liberação de aerossóis (uso CORRETO de máscaras com boa taxa de filtração); e [2] realizar testes para saber quem são os indivíduos contaminados e sem sintomas e, assim, teremos dados reais para que os governos possam elaborar políticas públicas/estratégias pensadas com cuidado para essas pessoas e que visem evitar a disseminação da COVID .

Em Wuhan, cidade que foi o epicentro inicial da COVID-19, por exemplo, ao iniciar o processo de saída da quarentena foram detectados novos casos da doença. O medo de que uma nova onda da doença surgisse levou as autoridades locais a realizarem um grande movimento para testarem toda a população. Foram mais de 9,9 milhões de testes realizados, com a identificação de 300 casos de portadores sem sintomas do vírus. O curto dessa ação foi de aproximadamente 126 milhões de dólares.

Pelo jeito algo parecido aqui no Brasil vai ser muito difícil…

ATUALIZAÇÃO (08/06/2020): A Organização Mundial da Saúde (OMS) liberou novas orientações para a fabricação de máscaras caseiras! Veja abaixo o infográfico produzido pela equipe do COVID-19 DivulgAÇÃO Científica.


Para saber mais, consulte:

Prather KA, Wang CC, Schooley RT. Reducing transmission of SARS-CoV-2. Science (2020). doi: 10.1126/science.abc6197.  

Reuters. Testes em massa em Wuhan registram 300 portadores assintomáticos de coronavírus, mas nenhum novo caso. Publicado on-line em 02/06/2020.

COVID-19 DC. Nova orientação para máscaras caseiras. Publicado on-line em 06/06/2020.

QUESTÃO DE CIÊNCIA. Afinal, que confusão é essa da OMS com “assintomáticos”?. Publicado em 09/06/2020

BEM ESTAR. Pacientes assintomáticos são capazes de transmitir Covid-19; entenda a explicação da OMS com comentários de cientistas. Publicado em 09/06/2020

Aproveite e nos siga no Twitter, no Instagram e no Facebook!

One thought on “Sobre máscaras, testes e COVID-19

  • 22 de novembro de 2021 em 23:41
    Permalink

    Matéria muito interessante. Obrigada!

    Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *