Em 20 anos de atuação como repórter de televisão, sempre achei que era o repórter quem conduzia as entrevistas. Não tirei isso de dentro do meu próprio ego não. A sentença foi falada diversas vezes durante a faculdade de jornalismo e reforçada mais milhões de vezes nas redações por onde passei.
Afinal de contas, é ele o dono do microfone e tem o poder de perguntar o que quiser, não é?
Pois foi só encerrar minha carreira televisiva e recomeçar a estudar sobre treinamentos em comunicação que me deparei com outro ponto de vista: de que quem, na verdade conduz a entrevista é o entrevistado. Nem preciso dizer que fiquei em choque. Uma verdade absoluta que me acompanhava anos a fio estava caindo por terra.
E não é que faz todo sentido!
Segundo Aurea Regina de Sá, especialista em Media Training (que é o treinamento de pessoas para se tornarem porta-vozes perante a imprensa), as perguntas do repórter devem servir de base para a resposta do entrevistado, mas não é um roteiro que deve ser seguido rigorosamente. Um bom porta-voz, que tem conhecimento de como utilizar a comunicação de forma estratégica, mantém o foco na mensagem que quer divulgar.
“Mesmo que algo negativo vier em sua direção, reverta a resposta e leve a conversa para algo mais positivo. Isso se chama conduzir a entrevista. Não permita ser conduzido”, afirma de Sá (2019)
Você, cientista e divulgador científico, deve estar se perguntando: mas como faço isso? Calma. É preciso entender alguns processos antes de chegarmos a esta resposta.
O primeiro ponto que devemos acertar é que a divulgação da ciência é algo relevante para a sociedade e é importante contribuir sempre para que este assunto esteja em pauta nos principais veículos de comunicação do país e do mundo.
Para isso, é necessário estar atento às oportunidades que aparecem para dar entrevistas em TVs, rádios, jornais e meios digitais. A assessoria de imprensa é uma parceria bem-sucedida em muitos casos para fazer esta ponte entre cientista e imprensa.
Mais sobre isso:
- Como encaminhar meu conteúdo de divulgação científica à imprensa?
- Como falar sobre ciência e sobre sua pesquisa com a imprensa: já pensou em fazer um media training para cientistas?
- 1º EBDC: Jornalismo e divulgação científica: uma parceria contra a desinformação
Tendo a assessoria ou o próprio cientista enviado a sugestão de pauta para a redação de um veículo, é de extrema importância uma conversa por telefone mesmo com o profissional que está produzindo a matéria na imprensa para que todos tirem as dúvidas.
O produtor vai entender um pouco mais do assunto, quais informações são mais relevantes e se tem imagens que podem ser gravadas sobre o tema em laboratório. Já o assessor ou o próprio cientista vai compreender nesta conversa prévia quais são as expectativas do veículo em relação ao seu trabalho e qual o ponto que eles gostariam de saber mais sobre o assunto.
No tão esperado dia da entrevista, é chegada a hora do entrevistado finalmente conduzir a entrevista. Assim é importante ressaltar:
- Não vá tomando o microfone da mão do jornalista.
- Tão pouco vá dando ordens para o cinegrafista ou ao repórter. Isso só vai gerar uma animosidade desnecessária que vai trazer prejuízos na divulgação do seu trabalho.
- O entrevistado neste momento deve se lembrar que o jornalista muitas vezes é um generalista, ou seja, sabe de tudo um pouco. E por isso, precisa de você, que é especialista, para dar as informações mais detalhadas para a divulgação de algo precioso para seu público.
- Portanto, o entrevistado nesta hora deve agir como um professor, explicando didaticamente sua pesquisa para o repórter.
A ideia aqui é criar um diálogo efetivo, que traga frutos ao questionar situações, fatos, ideias e fenômenos, “a partir de alternativas que levem à compreensão do problema em si, de suas implicações e de caminhos para sua solução” (LOPES, 2000, P.43). E não é exatamente esse o propósito da conversa entre jornalista e cientista?
E nesta troca de informações, deve se fazer valer aqui a máxima da comunicação: utilizar uma linguagem simples, direta, objetiva e sem jargões técnicos (quando for essencial, explique o que significa logo em seguida).
Em televisão, normalmente, o repórter bate um papo informal com o entrevistado antes de fazer valendo a gravação. Neste momento, aproveite para tirar todas as dúvidas, explicar o que, dentro do seu ponto de vista, é o mais relevante do assunto abordado. Quanto mais informações interessantes você der ao jornalista, mais preparado ele estará para escrever sobre o assunto.
Durante a gravação, é o momento de você cientista conduzir a entrevista. Mais uma vez ressalto que isso não te permite mudar o encaminhamento da pauta do repórter. Ele foi até você devido a um tema que já foi aprovado em várias reuniões que aconteceram previamente na redação.
Então, como se dá essa condução pelo entrevistado?
Procure dar respostas completa às perguntas do repórter. Utilizando, inclusive, parte da pergunta como início da sua resposta. Esse detalhe ajuda na edição para TV e no rádio.
Se o repórter não estiver direcionando a entrevista para a área onde você acha que é importante, utilize o “marketing do discurso” como proposto por de Sá (2019):
“Para abrir espaço dentro da sua fala e dizer o que quer, use: inclusive; eu quero destacar; aproveito para dizer; é importante ressaltar. São formas de mudar o roteiro do discurso de maneira sutil e levar o conteúdo para onde você quer”.
Outra dica importante e poucos aproveitam:
Geralmente, já no final da entrevista, o repórter convida o entrevistado a falar mais sobre algum assunto que julgue importante desenvolver melhor.
Faça um resumo do que acha mais pertinente, reforce a ideia mais importante, os impactos mais contundentes do seu projeto para a sociedade. Às vezes, essa pode ser a sua melhor fala e a que provavelmente vai ao ar. Além de ser um espaço em branco, aberto para você falar o que deseja sobre o assunto.
FALA ASSERTIVA E DIRETA
Em uma entrevista para a imprensa procure evitar falas prolixa ou subjetiva. Fugir muito do assunto proposto para a matéria, fazer rodeios ou inserir ideias correlatas só vai deixar a compreensão ainda mais confusa para quem precisa entender mais sobre o assunto proposto.
Entenda que o público que consome grande parte da mídia (TV, rádio, jornal e internet) é um público de massa, com diferentes perfis e níveis de conhecimento.
Existe, logicamente, uma pequena parcela de mídia especializada (cada uma no seu nicho), e dar entrevista para este tipo de veículo é outra história! Atenho-me neste texto aos veículos de massa, com o desafio de falar sobre um assunto de forma que o público tão diversificado entenda.
Para saber sobre veículos e comunicação de massa: Porque liberdade de expressão não é desculpa para falar o que quiser na internet?
Por isso, é tão importante manter uma fala direta, didática e afirmativa acerca do que você foi destacado como porta-voz. Dar exemplos práticos de como a pesquisa pode impactar a sociedade é uma boa estratégia para tornar às vezes algo difícil de se compreender mais materializado na mente das pessoas.
De Sá (2017) propõe também que o porta-voz não se acanhe caso não tenha a informação pedida naquele momento pelo repórter. “Diga que vai levantar os dados e garanta ao repórter o recebimento do material por meio da assessoria de imprensa logo depois da conversa”.
Claro que esta não deve ser uma desculpa para você não se preparar previamente para a entrevista. Procure não se ater apenas à sua pesquisa, e convide-o a conhecer o trabalho de colegas.
RELACIONAMENTO COM O JORNALISTA
A relação entre os seres humanos deve ser pautada pelo respeito. E com a imprensa não pode ser diferente. Você pode ser entrevistado por um jornalista muito experiente e conhecido na sua região, como também por um novato na profissão. Nestes casos, de Sá (2017) orienta para não se fazer pré-julgamentos sobre a idade ou nível de experiência.
“Apenas aproveite a experiência da entrevista. Lembre-se de que o comunicador, deve ser o responsável pelo resultado da comunicação, sem delegar esta tarefa ao outro”.
Se você sentir uma certa dificuldade por parte do repórter na compreensão do assunto, certifique-se que está se esforçando ao máximo para oferecer informações detalhadas sobre o assunto. Não seja rude, arrogante, irônico ou agressivo.
De Sá (2017) é enfática sobre esse tipo de atitude: “o jornalista é apenas o porta-voz da sociedade que vê, ouve e lê a sua entrevista. Quando você se indispõe com ele, está sendo indelicado com o seu público”.
Lembre-se: ninguém sabe tudo nesta vida. E estamos todos aqui em constante aprendizado.
Em algumas situações, o repórter pode perguntar mais de uma vez a mesma coisa, mas de forma diferente. Fique atento e não comece a resposta com um: “como eu já disse anteriormente”…
Essa pode ser uma estratégia do jornalista para que você fale de uma forma mais clara ou resumida sobre o que ele entende que tem mais chances de entrar na matéria. Pode ser também que ele não tenha compreendido direito a sua explicação. Mantenha a calma e mais uma vez, seja didático.
Por fim
Deixo algumas outras orientações que acho fundamentais nesta prática. Durante toda a minha jornada como repórter de diversos veículos de imprensa, observei algumas dúvidas que meus entrevistados tinham em comum.
A primeira delas é para onde olhar em uma entrevista para TV ou um Podcast. A resposta é simples e direta: para quem está te entrevistando.
O que está acontecendo durante uma entrevista é uma conversa, e quando você bate um papo com alguém você olha nos olhos desta pessoa. Deixe que o cinegrafista posicione a câmera para pegar o melhor ângulo desta conversa e preocupe-se apenas em passar seu conteúdo de maneira mais proveitosa possível. Você só vai se direcionar para a câmera caso queira deixar um recado direto para o telespectador ou quando o jornalista solicitar.
Cuide da sua imagem antes da entrevista. Cheque se seu cabelo está penteado, se o colarinho da camisa está arrumado, se os botões não estão abrindo. Teste seu figurino em pé e também sentado.
Veja se algo te incomoda (porque se te incomodar antes da entrevista, certamente vai te incomodar quando a entrevista for ao ar). E lembre-se a vestimenta, também é uma forma de se comunicar. A sua forma de se apresentar deve ser a resposta para a pergunta: o que eu quero transmitir para o meu público?
Referencia bibliográfica:
SÁ, Aurea Regina de. 99 dicas para aparecer bem na imprensa. Campinas, SP: Editora Comunica, 2019.
SÁ, Aurea Regina de. Backstage: lições de media training em 31 historias sobre os bastidores de entrevistas jornalísticas. Campinas, SP: Editora Comunica, 2017.
Historinhas
Essa profissão está cada vez mais em ascensão, ainda mais quando estamos numa sociedade que qualquer coisa dita ou feita minimamente sem pensar, pode acarretar num tsunami de críticas e ataques. Para qualquer entrevista ou algo que torne-se público é muito importante se preparar antes.