Em conversa com um dos idealizadores do Oquetessombra, reencontrei-me com a história de Francisco José Chagas, o Chaguinhas, cabo negro assassinado no séc. XIX no Largo da Forca, onde é hoje o bairro da Liberdade, em São Paulo.
O episódio deu o nome àquela região, atualmente associada com a imigração japonesa, mas local habitado nos séculos XVIII e XIX por escravos alforriados.
Nas visitas guiadas (realizadas em Campinas e agora São Paulo) os responsáveis pelo “O que te assombra” levam as pessoas por locais históricos, conectados com tragédias ou símbolos misteriosos.
Desbravar o bairro da Liberdade evoca a história enevoada da escravatura brasileira, que transpõe o tempo, como no assassinato do congolês Moïse Kabagambe, há um mês, no Rio de Janeiro.
Em 24 de janeiro de 2022, Moïse Kabagambe, refugiado no Brasil, foi espancado e morto por reclamar seu pagamento.
Em 20 de setembro de 1821, o cabo Chaguinhas, do destacamento do Exército formado em sua maioria por alforriados, foi um dos líderes da revolta contra o atraso dos salários, o que não acontecia com os militares portugueses. O levante não foi perdoado e sua pena, a forca.
A corda que o mataria, porém, arrebentou em três tentativas, levando os populares a pedirem sua absolvição, com o coro de “liberdade!”. Chaguinhas terminou assassinado a pauladas, na frente de todos.
Apesar da fama de santo e dos cartazes em agradecimento às graças alcançadas na Capela dos Aflitos (onde teria sido enterrado), ele nunca foi reconhecido pela igreja, como jamais recebeu um busto no bairro denominado em razão de sua morte.
Dois negros mortos a pauladas pela reivindicação de pagamentos no Brasil, em que dados do IBGE mostram que 54% da população é negra, e que, segundo informações do Atlas da Violência 2021, os negros representaram 77% das vítimas de homicídios.
Os assassinatos de Chaguinhas e Moïse Kabagambe separados por dois séculos, no país em que o tempo passa, mas o racismo permanece. Até quando?
Paulo Andreetto de Muzio
Texto excelente, Armando. Em um país escravocrata, aos negros não é reservada nem a sorte daqueles que conseguem vencer nadando contra a corrente. A corda arrebentou três vezes para Chaguinhas, para Marielle... e nem assim foram poupados.