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Ciência Pop

O mercado de histórias em quadrinhos digitais

Os meios em que as histórias em quadrinhos são divulgadas têm sofrido mudanças desde o advento da internet: no passado um artista independente que quisesse ter seu trabalho divulgado, poderia fazê-lo por meio dos fanzines, existentes e resistentes até hoje, porém, da mesma forma que ocorre com a literatura, jornalismo e outras áreas, qualquer pessoa com acesso à internet pode publicar os mais variados tipos de conteúdo.

Com os quadrinhos não é diferente: ainda que os gibis tenham ganhado espaço em livrarias, sejam elas físicas ou virtuais, a quantidade de publicações divulgadas por meio da rede permite que fãs de HQs não precisem sair da frente do computador para conferir uma tira ou mesmo uma trama inteira, como é o caso de Terapiade Mario Cau, Rob Gordon e Marina Kurcis.

Sendo assim, não é possível ignorar que a forma de consumir gibis tenha mudado/evoluído, da mesma forma que não é possível ignorar as implicações destas mudanças no meio acadêmico, editorial, social, comercial, político… 

Conforme o site do The Comics Journal, o primeiro quadrinho online foi lançado antes mesmo de a internet ter se popularizado: Witches in Stitches” de Eric Monster Millikin foi distribuída em 1992 por um dos primeiros serviços de rede, o Compuserv. Naquela época, apenas estudantes de tecnologia e algumas poucas pessoas tinham acesso à rede, cenário muito diferente do que temos hoje e que se aproxima da previsão de Bill Gates de um computador em cada casa.

Edgar Franco é um dos pioneiros a tratar sobre a “migração” dos quadrinhos para o ambiente virtual. Em sua tese de Mestrado HQtrônicas: do suporte papel à rede internet, ao citar MacCloud e Álvaro de Moya, conta que em 1984 os artistas Mike Saenz e Peter Gillis foram considerados visionários por desenvolverem a história Shatter em um Apple Macintosh de 128 Kbytes, com ferramentas improváveis para a confecção de quadrinhos e mesmo que a intenção tenha sido publicá-la em papel (junho de 1985), podemos dizer que este foi um marco que prenunciava o surgimento das webcomics como conhecemos hoje. Sobre isso, Wright diz:

Revistas em quadrinhos eletrônicas existem há um longo tempo. McCloud aponta isso com os CD-ROMs do início dos anos 1990 como Maus, de Art Spiegelman, e que levaram os quadrinhos para além da impressão no papel.

Na verdade, o CD-ROM de Maus foi usado por Spiegelman para apresentar não apenas os quadrinhos, mas também as fotos de família e os rascunhos. De fato, muitos quadrinhos eletrônicos buscam incrementar suas palavras e imagens com a adição de alguma animação, som ou outro efeito especial. 

Mas alguém poderia argumentar, por exemplo, que a “produção de quadrinhos animados” e “quadrinhos digitais” em DVD produzidos pela Intec Interactive and Eagle One Media, Inc., que utilizou quadrinhos impressos pela editora CrossGen e Marvel e os transformou em produções multimídia, não podem ser considerados mais quadrinhos, mas algo novo, uma forma de arte relacionada. (WRIGHT, 2008)

No Brasil, as primeiras experiências com tiras online foram feitas por jornais em suas páginas online, a princípio usando o mesmo formato das páginas impressas, mas com as possibilidades oferecidas pelos espaços como sites e blogs, estes formatos passaram a ser mais variados (RAMOS, 2014).

Hoje, a variedade de produções oferecidas online possibilita não só que os leitores possam escolher os temas que mais lhes agradem, como permite que os artistas ganhem maior visibilidade e acabem publicando seu material de forma impressa posteriormente, seja através de uma editora, de um edital ou através de sites colaborativos como o Catarse e o Kickante.

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Estas histórias em quadrinhos oferecem uma infinidade de possibilidades acadêmicas e pedagógicas, como a história feita por Hector Lima, Mario Cau e Pablo Casado especialmente em comemoração ao dia internacional da mulher em março de 2015.

Pão e Rosas é uma versão romanceada da “Greve do Pão e Rosas”, como ficou conhecido um dos eventos mais marcantes da História na luta – principalmente da mulher – pela melhoria de condições de trabalho. O acesso a ela é gratuito e pode ser lida em português ou inglês nos sites da Fictícia (editora do Hector Lima) ou no site da Petisco. Para Nicolau,

o computador tornou-se um ambiente a ser explorado e depois compreendido. A tela digital oferece um mundo maleável de oportunidades com uma extensão infinita de estímulos e impulsos, e que vem substituindo toda uma amarra de meios físicos. Os elementos produzidos por programas de desenho podem ser movidos, duplicados e transformados, fazendo com que o quadrinista ganhe em precisão e flexibilidade. (NICOLAU, 2013, p.71)

Hoje seria impossível precisar o número de páginas e sites dedicados exclusivamente à publicação de histórias em quadrinhos, mas algumas plataformas surgiram nas últimas décadas, reunindo em suas páginas uma infinidade de publicações para os mais variados gostos. Isso porque, com o desenvolvimento das publicações eletrônicas, a associação automática dos gibis com o formato de livro tem sido desafiada. De acordo com Wright (2008), a materialidade de uma revista em quadrinhos se revelou como um mero veículo de uma forma de arte.

“Agora, uma história em quadrinhos como Os Vingadores, que antes enchia uma caixa pode pesar apenas alguns gramas, arquivada em um dispositivo tão fino e leve como um tablet” (WRIGHT, 2008).

Muito embora a internet tenha propiciado o surgimento de sites que disponibilizam revistas e publicações inteiras em versões digitalizadas, também conhecidas como scans, estes agem de forma ilegal. No entanto, a partir do surgimento de serviços de streaming de filmes como a Netflix, o mercado de quadrinhos americanos adaptou a mesma lógica de funcionamento a plataformas que possibilitassem a leitura de uma infinidade de histórias diante do pagamento de uma mensalidade, como a Comixology, cuja mensalidade é de U$5,99.

A Comixology surgiu em 2007 e, em 2009, lançou o primeiro aplicativo para leitura de quadrinhos compatível com sistema androide. Comprada em 2014 pela Amazon, seus lançamentos online são simultâneos às publicações impressas das grandes editoras como Marvel e DC.

De acordo com matéria publicada no site Judão, especializado em cultura pop, em 2012, depois dos games, o que mais se comprou nos Ipads do mundo foram quadrinhos. Sem contar as publicações independentes ou de editoras menores, no mesmo ano foram contabilizadas mais de 100 milhões de publicações vendidas pela plataforma. Hoje o site conta com mais de 100.000 títulos.

O sucesso foi tanto que, em 2013, as editoras venderam mais de U$90 milhões em publicações por meio do Comixology ou de aplicativos que usavam a mesma tecnologia desenvolvida pela plataforma. De acordo com o Judão:

“Crescimento de 29% em relação ao ano anterior – enquanto a indústria dos gibis, como um todo, cresceu 8%. Nessa época, anunciaram com sorriso nos olhos: haviam passado a marca de 200 milhões em vendas”.

Observando a tendência que indicava que os leitores estavam consumindo quadrinhos online, outras empresas e editoras lançaram suas plataformas e hoje, tanto a DC como a Marvel, oferecem seus próprios serviços de assinaturas, com algumas vantagens em relação aos quadrinhos impressos, como as páginas interativas ou telas infinitas.

Em 2016 a indústria americana de quadrinhos apresentou um crescimento de 5% em relação ao ano anterior e só em publicações digitais, isso representou novamente cerca de U$90 milhões. Ou seja, é um mercado que podemos entender como consolidado e que apresenta características típicas relacionadas ao contexto em que está inserido.

Além de sites de streaming como Social Comics e Comixology, sites de editoras, blogs pessoais e redes sociais, plataformas para leitura gratuita de quadrinhos autorais como o Tapas e o Muzinga oferecem a possibilidade de os leitores consumirem histórias variadas de diversos autores e sem precisar pagar por isso.

Os autores também não pagam para usar as plataformas, porém, como não recebem dos leitores, muitos acabam optando por sites de financiamento coletivo quando decidem imprimir seus trabalhos ou simplesmente para continuar publicando nos sites.

Assim, não é incomum que recorram ao “apadrinhamento” por meio de sites como Pantreon ou Apoia-se, onde os leitores podem contribuir mensalmente com valores que preferirem para que o artista possa continuar publicando seus quadrinhos.

Além das HQs e desenhos digitais que podem ser feitos em aplicativos como Ibis paint para celulares, há uma infinidade de aplicativos e ferramentas que possibilitam a animação dessas artes ou a criação de gifs animados, ou seja, podemos considerar as inúmeras possibilidades pedagógicas que a arte e a tecnologia oferecem no ensino de diversas disciplinas também.

Então, o que você está esperando para perguntar aos seus filhos, sobrinhos, filhos de amigos, primos, quais são seus aplicativos de criação de arte favoritos para começar a usá-los?

Para saber mais:

https://universohq.com/podcast/confins-do-universo-153-o-caminho-dos-quadrinhos-digitais/

http://www2.eca.usp.br/anais2ajornada/anais4asjornadas/q_midia/daniela_dos_santos_marinho.pdf

Arte da capa: Rafael Fritzen (@angulodevista)

Referências:

FRANCO,Edgar. HQtrônicas: do suporte papel à rede internet. 2001. 189 f. Tese (Mestrado em Artes). Unicamp, Campinas. 2001. Disponível em : http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000236050&opt=4

NICOLAU, Vitor. Tirinhas e Mídias Digitais. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2013. Disponível em: http://www.insite.pro.br/elivre/vitor_nicolau_pc.pdf

PUSTZ, Matthew.  Comic Book Culture: Fanboys and True Believers. Mississipi University, 2000.

RAMOS, Paulo. Pontos de Fuga: Registros do Processo de Alargamento do Formato das Tiras. São Paulo: Revista 9ª Arte, v. 3, nº 1, 2014. Disponível em: http://www2.eca.usp.br/nonaarte/ojs/index.php/nonaarte/article/view/96/117

VERGUEIRO, Waldomiro; RAMOS, Paulo. Quadrinhos na Educação : da rejeição à prática. São Paulo: Contexto, 2009. 

WRIGHT, Frederick. How Can 575 Comic Books Weigh Under an Ounce?: Comic Book Collecting in the Digital Age. V. 11Issue 3, Fall 2008. Disponível em: http://quod.lib.umich.edu/j/jep/3336451.0011.304?view=text;rgn=main.

Sites:

Catarse: https://www.catarse.me/pt/projects

Fictícia: http://ficticia.org/blog/

Kickante: http://www.kickante.com.br/

Petisco: http://petisco.org/

The Comics Journal : http://www.tcj.com/the-history-of-webcomics/

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