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Filosofia e Divulgação Científica

Capitalismo de Vigilância e o Twitter de todo dia

O twitter e o capitalismo de vigilância – Ao mesmo tempo, em que tento finalizar a primeira versão da minha tese para qualificação e, para isso, busco não dar atenção as redes sociais mais do que o estritamente necessário, a comunidade da divulgação científica brasileira discutia os últimos acontecimentos do Twitter.

Para muito além da grande decisão entre pagar ou não a assinatura do Twitter Blue, as ações do atual CEO do Twitter fizeram (não propositalmente) o que Shoshana Zuboff julga ser a melhor saída para o Capitalismo de Vigilância: provocar a indignação das pessoas e a discussão sobre esse modo contemporâneo de capitalismo.

Para quem não acompanhou as ‘tretas’ do twitter:

A Era do Capitalismo de Vigilância

O conceito ‘capitalismo de vigilância’ foi desenvolvido por Shoshana Zuboff no seu mais recente livro: A era do capitalismo de vigilância, publicado em 8 de fevereiro de 2021.

Em pouco mais de 800 páginas a autora discute, a partir de uma narrativa íntima e até um pouco apocalíptica, o funcionamento não casual, mas de contínuo do capitalismo, em que às Big Techs encontram brechas nos sistemas econômicos, jurídicos e psico-sociais para enriquecer.

A autora, inclusive, já propõe a definição do conceito logo no início de seu livro (pag. 15):

1. Uma nova ordem econômica que reivindica a experiência humana como matéria-prima gratuita para práticas comerciais dissimuladas de extração, previsão e vendas; 2. Uma lógica econômica parasítica na qual a produção de bens e serviços é subordinada a uma nova arquitetura global de modificação de comportamento 3. Uma funesta mutação do capitalismo marcada por concentrações de riqueza, conhecimento e poder sem precedentes na história da humanidade; 4. A estrutura que serve de base para a economia de vigilância; 5. Uma ameaça tão significativa para a natureza humana no século XXI quanto foi o capitalismo industrial para o mundo natural nos séculos XIX e XX; 6. A origem de um novo poder instrumentário que reivindica domínio sobre a sociedade e apresenta desafios surpreendentes para a democracia de mercado; 7. Um movimento que visa impor uma nova ordem coletiva baseada em certeza total; 8. Uma expropriação de direitos humanos críticos que pode ser mais bem compreendida como um golpe vindo de cima: uma destituição da soberania dos indivíduos.

Zuboff introduz o conceito ao abordar um histórico sobre como o capitalismo de vigilância vem sendo construído, de acordo com ela, ‘a descoberta e progresso inicial que se tornariam seus mecanismos fundacionais, imperativos e econômicos’ aconteceram a partir da Google em 1998.

Apesar de toda a mestria tecnológica e talento computacional da Google, o crédito real por trás de seu sucesso está nas relações sociais radicais que a companhia declarou como fatos, a começar com a desconsideração em relação aos limites privados da experiência humana e à integridade moral do indivíduo autônomo.

Pág. 35

Mediação por Computadores

A Google foi a primeira empresa que apostou na publicitação da promessa da força social, libertadora e democrática que a informação capitalizada poderia promover, e a partir disso, a empresa impôs a mediação por computador como forma de relação interpessoal e extração de informações, como: as transações econômicas, a internet das coisas, os dados governamentais e corporativos, as câmeras de vigilância e o cotidiano das pessoas.

Mediação por computador se trata dos relacionamentos entre humanos que são parcial ou totalmente mediados por dispositivos eletrônicos, para que essa mediação aconteça, é necessário que os humanos depositem suas informações em sites e aplicativos, o computador, por sua vez, as transforma em uma linguagem que só os computadores compreendem e as transmite para outros seres humanos.

Arte produzida por mim para a apresentação, os slides completos estão no fim desse texto.

E conforme a mediação por computadores tornou-se mais e mais presente na vida das pessoas, mais e mais dados foram sendo disponibilizados para as big techs, e apesar da Zuboff destacar a Google neste sistema, hoje sabemos que não se trata apenas dela, mas de muitas outras que também viram no capitalismo de vigilância formas de enriquecer.

A GAFAM, acrônimo das gigantes da Web, (Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft) formam as cinco maiores empresas americanas que dominam o mercado digital, contudo, podemos também apontar outras que tem despontado neste mercado, como o TikTok e o Twitter, por exemplo.

Com a evolução dessas empresas e o oferecimento constante de novas e brilhantes tecnologias para a mediação por computadores, esta se tornou um enorme sucesso na sociedade, assim a Google impôs novos domínios sobre o comportamento humano.

Conforme as pessoas passavam a fazer buscas on-line e se envolviam com a web por meio de um rol crescente de serviços da companhia. À medida que essas atividades foram informatizadas pela primeira vez, elas produziram recursos de dados inéditos. Por exemplo, além de palavras-chave, cada busca na Google produz em seu encalço dados colaterais como o número e o padrão dos termos de busca, como uma busca é formulada, ortografia, pontuação, tempo de visualização em uma página, padrões de cliques e localização.

Pag. 89
Arte por Asier Sanz Nieto – @asiersanznieto

Divisão da Aprendizagem na Sociedade

Com esse volume enorme de informações disponibilizado sem, necessariamente, que as pessoas se desse conta disso ou tivesse opção de se negar a disponibilizar, uma nova forma de divisão do trabalho se tornou dominante, a divisão da aprendizagem:

A mudança para a tecnologia da informação transformou a fábrica num “texto eletrônico” que se tornou o foco básico de atenção de todo trabalhador. Em vez das tarefas ativas associadas com matérias-primas e equipamentos, fazer “um bom trabalho” significou monitorar dados em telas e dominar as habilidades para compreender, aprender a partir de e agir por meio desse texto eletrônico.

Pág 224

Enquanto a sociedade passa a direcionar suas habilidades, conhecimentos, tempo, corpo e vida (desenvolvo mais sobre isso no texto: O Influencer como Corpo Dócil), o capitalismo de vigilância cria novas e reluzentes formas de extrair informações, monitorar comportamentos e personalizar resultados, vendendo esses ativos para quem pagar mais.

O Twitter e a Divulgação Científica

A sociedade tem despertado para os malefícios da vida digital e sobre a retirada da liberdade de escolha sobre a nossa a presença digital e seus dados extraídos. Se no início da internet, o brilho da novidade, a curiosidade ou a promessa de democratização da informação eram atrativos determinantes para a abertura de contas ou downloads de aplicativos, hoje, percebemos, que atividades básicas, como conseguir um emprego, se locomover pela cidade ou emitir documentos, não funcionam sem o uso da internet.

Essa percepção se tornou mais presente nas discussões que me cercam, após a pandemia, momento em que houve uma aceleração desse processo de completa mediação por computadores. Principalmente, quando observamos, que muitas dessas soluções propostas para aquele momento emergente acabaram por se tornarem permanentes.

Inclusive agravando muitos dos problemas contemporâneos, como a desinformação, a uberização do trabalho e a espetacularização da autonomia, por exemplo.

Durante a pandemia houve, inclusive, um movimento das big techs em aplicarem mecanismos e ações que barrassem a desinformação depositada na plataforma, essa atitude vinha como resposta ao escândalo da Cambridge Analytics, na qual levou Mark Zuckerberg, em 2018, a depor no senado americano.

No vídeo abaixo há um compilado das suas principais declarações, e um pouco sobre suas propostas para evitar que a desinformação impeça as várias eleições pelo mundo, dentre elas o Brasil.

Assim, representantes da ciência, divulgadores científicos e influenciadores que estivessem trabalhando para levar informações de qualidade sobre a pandemia da Covid-19 receberam ajuda no aumento de entrega de seus conteúdo pelas plataformas, além da verificação de credibilidade do perfil, dentre eles o selo azul do Twitter.

Essa era uma forma da sociedade identificar a fonte da informação, como alguém que possui “contas autênticas, notáveis e ativas de interesse público“.

Com essa ajuda e reconhecimento, muitos divulgadores de ciência dedicaram incontáveis horas a prepararem e depositarem conteúdos nessas plataformas. Para se ter uma ideia, o Blogs Unicamp com o Especial Covid-19 dedicou 2 anos (diariamente) de produção de conteúdo que era adaptado as redes sociais oficiais do projeto. E com o andamento da vacinação e a volta da sociedade a sua rotina, a produção de conteúdo sobre a pandemia foi, aos poucos, sendo substituída por outros conteúdos relevantes da sociedade e da ciência.

No dia 23 de abril de 2023 o Twitter decidiu retirar os selos das contas que não adquirissem o serviço Twitter Blue, o serviço propõe diversas facilidades, como o selo azul, textos mais longos, edição dos tweets e maior entrega de seus conteúdos, por exemplo. Caso o perfil opte por não pagar o serviço, essas funções são retiradas ou negadas. No Brasil a assinatura custa R$ 60 por mês para perfis pessoais.

E a nós cabe questionar e reagir!

Na última parte do livro, Zuboff propõe questionamentos vitais para que a sociedade comece a pensar e a reagir a esse “período de ouro” em que as big techs decidiram, agiram e lucraram com a falta de reação, conhecimento e regulação da sociedade para com elas. Que segundo ela ocorreu, justamente pela falta de precedentes, Zuboff defende que a sociedade demorou a perceber o capitalismo de vigilância.

Como resultado, o capitalismo de vigilância é mais bem descrito como um golpe vindo de cima, não uma
derrubada do Estado, mas, sim, uma derrubada da soberania das pessoas e uma força proeminente na perigosa tendência rumo à desconsolidação democrática que agora ameaça as democracias liberais ocidentais. Apenas “nós, o povo” podemos mudar a direção, primeiro dando nome àquilo que
não tem precedentes, depois mobilizando novas formas de ação colaborativa: o atrito crucial que reafirma a primazia de um futuro humano próspero como alicerce da nossa civilização da informação. Se o futuro digital deve ser o nosso lar, então somos nós que devemos transformá-lo nisso.

Pag. 37 e 38

Sendo assim, ela propõe 3 grandes perguntas fundamentais sobre o conhecimento e valor produzido pelo capitalismo de vigilância.

Quem sabe? – Nesta pergunta ela aborda a distribuição do conhecimento e a inclusão ou exclusão da oportunidade de ter acesso a esse conhecimento, aprender sobre ele.

Quem decide? – Aqui ela chama a atenção para a autoridade, ou seja, quem decide quem vai ter acesso a essa distribuição e aprendizado?

Quem decide quem decide? Nesta ultima pergunta ela questiona o poder, quem possui o total poder de decisão sobre quem decide quem compartilha ou retém esse conhecimento?

E para além dessas perguntas de Zuboff acrescento outras:

  • Será que não há precedentes na lei que possam ser utilizadas para responsabilizar as empresas que agem nesse sistema do capitalismo de vigilância ou sobre aquelas que decidem publicar desinformação ou colocar vidas em risco?
  • Será que não existem outras formas de continuar o trabalho de combate a desinformação e de divulgação científica que não seja dedicar horas da sua vida alimentando uma rede social?
  • Nós devemos continuar contribuindo com esse sistema baseado em extração de informações, em debates infinitos com haters que buscam apenas a visibilidade?
  • Você precisa mesmo continuar fazendo divulgação científica sozinho? Será que ações coletivas não são mais efetivas em pautas relevantes?

E por fim, quanto tempo você passa em frente a uma tela? Será possível diminuir esse tempo e procurar outras formas de se informar, divertir, relacionar…?

Sim, o lugar era belo e a vida, boa, mas, se todos os dias eram exatamente iguais, e se as crianças não podiam partir, como dissera a Srta. Peregrine, aquele lugar não era apenas um paraíso, e sim uma espécie de prisão. Era tão agradavelmente hipnotizante que podia levar anos para uma pessoa perceber, e então seria tarde demais: sair dali seria muito perigoso. Por isso, na verdade, não chega a haver uma possibilidade de uma decisão. Você fica. Só mais tarde — anos e anos mais tarde — você começa a se perguntar o que teria acontecido se tivesse feito o contrário.

O Orfanato da Srta. Peregrine para crianças peculiares 2015, pg. 199

Esse é o texto bônus de uma série sobre o assunto:

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