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Desinformação

Comportamento nas mídias sociais está associado à hesitação vacinal

Qual a real influência das mídias sociais no comportamento hesitante em se vacinar contra Covid-19?

Quando a vacina contra a Covid-19 foi disponibilizada houve, por parte de setores da sociedade, por meio das mídias sociais em nível mundial, uma campanha pérfida contra a imunização. 

Num cenário em que apenas 60% da população mundial e 80% dos brasileiros foram vacinados, questiona-se qual a real influência das mídias sociais no comportamento hesitante em se vacinar contra Covid-19.

Publicado no final de 2022, um estudo realizado por pesquisadores do Departamento de Psicologia da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e do Centro de Ciência Neural da Universidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos (EUA), com usuários britânicos e estadunidenses do Twitter, revela que o comportamento dos usuários nas mídias sociais está associado a atitudes sobre a vacina. 

A pesquisa evidencia ainda que, especificamente entre os usuários estadunidenses, seguir influenciadores republicanos do Twitter e sites de notícias hiperpartidários (1) ou de baixa qualidade (2) previram negativamente a confiança na vacina contra a COVID-19.

Como a pesquisa foi feita

A pesquisa mediu atitudes em relação à vacina contra a COVID-19 combinando dados de usuários do Twitter do Reino Unido e dos EUA em dois estudos. 

Estudo 1

O primeiro estudo foi realizado com 464 usuários do Twitter entre 11 de maio e 29 de junho de 2021. Foram usadas as opções de pré-triagem da plataforma de pesquisa para amostrar participantes hesitantes e neutros em relação à vacina.

Os participantes preencheram uma medida de dois itens de confiança na vacina contra a COVID-19 perguntando, em uma escala de 1 a 7 (de 1 = “discordo totalmente” a 7 = “concordo totalmente”) se “as vacinas contra a COVID-19 atualmente disponíveis são . . .” (1) eficaz e (2) segura.

Preencheram também uma medida de um item perguntando se pretendiam receber a vacina contra a COVID-19 e uma medida de um item indicando sua ideologia política em uma escala de 1 a 7 (de 1 = “muito liberal/muito de esquerda” a 7 = “muito conservador/muito de direita”). 

Estudo 2

O segundo estudo foi realizado com 1.600 usuários do Twitter entre abril e outubro de 2021. Foi utilizada uma amostra de conveniência de participantes que usaram o aplicativo da web “Have I Shared Fake News”.

No momento da análise, 6.727 pessoas usavam o aplicativo e 2.359 forneciam identificações no Twitter. Foram excluídos os participantes que seguiram mais de 50.000 pessoas (já que, segundo os autores, essas contas do Twitter provavelmente eram de pessoas que se chamavam figuras públicas) e pessoas que não responderam à probabilidade da vacina.

Ao usar este aplicativo, os participantes que consentiram em participar da pesquisa foram questionados “Qual a probabilidade de você ser vacinado para COVID-19 quando estiver disponível?” em uma escala de 1 a 100 (0 = muito improvável e 100 = muito provável).

As pessoas inseriram sua orientação política em uma escala de pontos (1 = “Extremamente Liberal”; 7 = “Extremamente Conservador”). 

Os pesquisadores também mediram várias outras variáveis através desse aplicativo, como conservadorismo político, polarização afetiva (favorabilidade para o grupo interno menos favorabilidade para o grupo externo), mentalidade de conspiração, saúde mental, satisfação com a vida, idade, gênero e graduação.

Hipóteses

Os pesquisadores testaram quatro hipóteses pré-registradas sobre comportamento da mídia social relacionado à hesitação vacinal: 

H1: O número de políticos conservadores que alguém segue estará negativamente associado à confiança na vacina? 

H2: O número de sites de notícias hiperpartidários / de baixa qualidade que se segue estará negativamente associado à confiança na vacina?

H3: Pessoas com níveis altos e baixos de confiança na vacina irão se agrupar em “câmaras de eco” online? 

H4: Pessoas com menor confiança nas vacinas compartilharão mais notícias hiperpartidárias e de baixa qualidade?

Principais resultados da pesquisa

Em relação à primeira hipótese, os pesquisadores constataram que o número de políticos republicanos dos EUA que um indivíduo seguia no Twitter de uma lista de usuários do Twitter de 331 republicanos dos EUA previam negativamente a confiança na vacina contra a COVID-19.

No entanto, o número de contas seguidas por indivíduos de uma lista de políticos do Partido Conservador do Reino Unido não previu a confiança na vacina. Em suma, seguir os políticos republicanos dos EUA (mas não os políticos conservadores do Reino Unido) prevê a hesitação em vacinas.

Em relação à segunda hipótese, a pesquisa revelou que o número de contas hiperpartidárias do Twitter que um participante seguiu [de uma lista de 32 contas hiperpartidárias do Twitter] também previu negativamente a confiança na vacina.

Como verificação de robustez, realizaram a mesma análise usando uma lista maior de 516 contas do Twitter de sites de notícias que foram classificados como não confiáveis pelo NewsGuard:

Essa lista mais ampla de sites de notícias não continha necessariamente apenas notícias hiperpartidárias, mas também sites de fofocas de celebridades (por exemplo, “TMZ”), sites alternativos de saúde e muito mais, bem como sites não ingleses e não americanos.

Mais uma vez, o número de usuários do Twitter de sites de notícias não confiáveis seguidos por uma pessoa previu negativamente a autoavaliação da confiança na vacina. Assim, seguir fontes de notícias de baixa qualidade ou hiperpartidárias prediz a hesitação vacinal, mesmo quando se considera a ideologia política e a educação, em apoio à H2 (Rathje, et al., 2022, p. 03).

Em relação à terceira hipótese, os pesquisadores queriam saber se os participantes e os influenciadores que eles seguiram estavam agrupados em comunidades estruturalmente separadas e se essas separações estruturais correspondiam às crenças dos participantes sobre política e vacina. O método utilizado foi a Análise de Redes.

Imagem 1: Visualizações das redes do Twitter nos EUA (à esquerda) e no Reino Unido (à direita). A primeira linha mostra as redes daqueles que são mais liberais/de esquerda (nodos azuis) versus aqueles que são mais conservadores/de direita (nodos vermelhos) nos EUA (A) e no Reino Unido (B).

A segunda linha mostra as redes de indivíduos confiantes na vacina (nós verdes) e indivíduos hesitantes em vacinas (nós roxos) nos EUA (C) e no Reino Unido (D).

Na terceira linha, as bordas são desenhadas em torno das comunidades estruturais identificadas por um algoritmo de particionamento de gráfico de propagação de rótulos nos EUA (E) e no Reino Unido (F). Cada pequeno nó sem cor representa um influenciador que pelo menos três dos participantes estavam seguindo, e cada grande nó colorido representa um participante que está seguindo um influenciador. Cada aresta entre dois nós representa um relacionamento seguinte (uma pessoa seguindo outra conta no Twitter).

Os layouts dos gráficos foram criados usando o algoritmo large-graph-layout para destacar visualmente as estruturas da comunidade. As distâncias absolutas entre os nós não são significativas nessas visualizações.

Fonte: Rathje et al. (2022, p. 04)

Nos EUA, personalidades da mídia de direita (Candace Owens, Ben Shapiro), políticos do Partido Republicano (por exemplo, senador Rand Paul), fontes de notícias hiperpartidárias (por exemplo, Breaking 911) e um popular apresentador de podcast conhecido por expressar hesitação em vacinas (Joe Rogan), estavam entre as principais contas associadas à baixa confiança na vacina. 

Em contrapartida, os políticos do Partido Liberal / Democrata (por exemplo, a ex-secretária de Estado Hillary Clinton, a congressista Alexandria Ocasio-Cortez) e as fontes da mídia (The Washington Post) foram associados à alta confiança nas vacinas. 

Nos EUA, a maioria dos principais influenciadores associados à baixa confiança nas vacinas estava principalmente na comunidade “conservadora” (comunidade B), enquanto a maioria dos principais influenciadores associados à alta confiança nas vacinas estava na comunidade “liberal” (comunidade A). (Rathje et al., 2022, p. 05)

No entanto, isso não se repetiu com os usuários do Reino Unido, onde os participantes da comunidade B (mais conservadores) se apresentaram significativamente mais confiantes nas vacinas do que os participantes da comunidade A (menos conservadores). Do que os pesquisadores concluem que “no Reino Unido, a confiança nas vacinas não parecia ser tão politizada e não surgiram padrões claros” (Ibidem).

Por fim, para responder à quarta hipótese foi utilizado o Estudo 2, cujo objetivo foi expandir os resultados do Estudo 1, examinando como a hesitação vacinal autorrelatada foi associada com compartilhamento e interação com informações de baixa qualidade em uma amostra maior. 

Imagem 2: Grafo mostrando a relação influencers – seguidores – confiança na vacina. Fonte: Rathje et al. (2022, p. 06)

Conforme mostra a imagem 2, os influenciadores mais conservadores (por exemplo, Ben Shapiro, Sean Hannity) tinham seguidores com menor confiança na vacina (sombreado em roxo), enquanto influenciadores mais liberais (por exemplo, Hillary Clinton, Alexandria Ocasio-Cortez) tinham seguidores com maior confiança na vacina (sombreado em verde) nos EUA (Painel A). Esses padrões eram menos claros no Reino Unido (Painel B). 

Isso confirma a hipótese de que (nos EUA) os indivíduos hesitantes em vacinas não só estão consumindo notícias de qualidade inferior, mas também espalhando notícias de qualidade inferior em suas redes.

Ser conservador nem sempre é sinônimo de negacionismo

Os diferentes resultados ocorridos entre usuários britânicos e estadunidenses sugerem que, ao menos em relação à vacina, os conservadores britânicos têm uma postura diferente dos estadunidenses, o que, segundo os pesquisadores, pode refletir que o conservadorismo do Reino Unido tem prioridades e valores diferentes, como o tradicionalismo. 

Há que se observar também, ponderam os estudiosos, as diferentes posturas de seus líderes partidários no início da pandemia, que orientaram (ou não) a sua militância no rumo da polarização política em torno da COVID-19. Enquanto o primeiro-ministro conservador Boris Johnson, chamou os antivaxxers de “loucos” em 2020 (3), Donald Trump foi a maior fonte de desinformação sobre a COVID-19 na época (4).

Por isso, para os pesquisadores, o grande desafio é: como promover a confiança na vacina em um ambiente de mídia social polarizado?

Isso porque as pessoas com baixa confiança nas vacinas estão “presas” em câmaras de eco, verão apenas mensagens que reforçam suas crenças, estão suscetíveis à desinformação e só vão aderir a conselhos vindos de seus influenciadores, que por sua vez, espalham informações que reforçam a baixa confiança nas vacinas, notadamente nos EUA, mas não no Reino Unido. 

A pesquisa evidencia que a grande maioria dos que negaram a vacina contra a Covid-19 são conservadores, mas que nem todos os conservadores são negacionistas da vacina, o que não deixa de ser uma boa notícia. Muito embora saibamos que o ex-presidente brasileiro (que adiou o quanto pode a compra da vacina contra a Covid-19) tinha muito mais apreço por Donald Trump do que por Boris Johnson, outros estudos científicos podem aferir se os conservadores brasileiros estão mais próximos dos conservadores estadunidenses ou dos britânicos, para além da nossa percepção.

Para saber mais:

  1. O hiperpartidarismo é caracterizado por contextos em que “usuários mais radicalizados em suas posições políticas tendem a ser mais ativos no reforço de uma narrativa única e compartilham com suas redes apenas informações que confirmam esta narrativa” (Recuero, 2020). Sites “hiperpartidários” referem-se a sites classificados como de baixa qualidade por verificadores de fatos independentes e frequentemente compartilham conteúdo altamente partidário (embora nem sempre falso) (por exemplo, “Bre itbart”). Esses sites tendem a ser muito mais comuns do que sites de “notícias falsas” que compartilham conteúdo totalmente fabricado (Rathje et al., 2022, p. 03).
  2. O NewsGuard tem uma equipe de jornalistas avaliando a qualidade dos sites de notícias em uma escala de 1 a 100 (sites de baixa qualidade têm uma classificação abaixo de 60).
  3. Walker P, correspondent PWP. Boris Johnson says “anti-vaxxers are nuts.” The Guardian. 2020 Jul 24.
  4. Evanega S, Lynas M, Adams J, Smolenyak K, Insights CG. Coronavirus misinformation: quantifying sources and themes in the COVID-19 “infodemic”. JMIR Preprints. 2020.

BIBLIOGRAFIA:

RECUERO, Raquel et al. Polarização, hiperpartidarismo e câmaras de eco: como circula a desinformação sobre COVID-19 no Twitter. SciELO Preprints, 2020. Disponível em: https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/view/1154. Acesso em 29 jul. 2023.

RATHJE, Steve et al. Social media behavior is associated with vaccine hesitancy. PNAS nexus, v. 1, n. 4, p. pgac207, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1093/pnasnexus/pgac207. Acesso em 20 jul. 2023. 

Resenha: RATHJE, Steve et al. Social media behavior is associated with vaccine hesitancy. PNAS nexus, v. 1, n. 4, p. pgac207, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1093/pnasnexus/pgac207. Acesso em 20 jul. 2023.

Imagem de capa Por Laerte para a campanha Todos pelas Vacinas

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