Caminhada celebra 110 anos da Reserva Biológica do Alto da Serra de Paranapiacaba

“Eu não sabia que existia no mundo uma estação tão interessante como a do Alto da Serra (…) Esta região contem, com effeito, massiços florestaes de pujança bem diversa, magníficos campos húmidos onde vivem animais e vegetaes mais originaes e interessantes do mundo.”  Jean Massart, professor da Universidade de Bruxelas, ao Correio Paulistano

Você já imaginou juntar suas economias, receber apoio dos amigos e comprar uma área para ser protegida para as futuras gerações?

Se hoje em dia esse ato parece um tanto heróico e impossível, imagine há mais de 110 anos atrás?!

Hermann von Ihering com a mulher, Meta, na reserva (Fonte: Revista Fapesp)

Pois foi assim que o médico e naturalista alemão, Hermann Friedrich Albrecht von Ihering eternizou protegida, para toda a humanidade, uma área com seus atuais 336 hectares na antiga Alto da Serra, atual Paranapiacaba, no município de Santo André, no ABC paulista, na Região Metropolitana de São Paulo.

A data que equivale ao aniversário de criação é 26 de abril de 1909, e para celebrar os 110 anos de sua criação, o Movimento Conservatio, os Amigos do Museu Florestal e o Tangarás Ecoturismo e Educação Socioambiental (TEES) organizaram um pequeno grupo para visitar o local no dia 13 de abril de 2019.

Para nos receber e compartilhar seus conhecimentos sobre o local, contamos com a parceria do monitor ambiental e cultural, também morador, Israel Mário Lopes (da TEES) que é co- autor desse texto.

Para começar, precisamos fazer um exercício de volta ao tempo! Imagine que passados alguns anos após a segunda metade século XIX a ferrovia The Sao Paulo Railway Company já havia cortado florestas de Santos à Jundiaí, e não apenas o local de assentamento dos trilhos, mas muito além, dezenas até centenas de metros para ambos os lados estavam com suas florestas tombadas. Destinada a escoar o café que, após ganhar destaque no mercado internacional tomava o Oeste Paulista após exaurir os solos do Vale do Paraíba, as florestas eram vistas simplesmente como obstáculo a ser vencido ou sem remorso transformadas em carvão e lenha, pasto ou após monoculturas de cana-de-açúcar, as de café.

E essa estrada de Ferro, ainda hoje, funciona ao lado deste magnífico exemplar de floresta! Já imaginou se ela não tivesse sido protegida? Empobreceria a paisagem hoje admirada pelos visitantes que chegam a Paranapiacaba no Expresso Turístico da CPTM ou de carro e ônibus pela rodovia Adib Chammas (SP122).

 

Assentamento de trilhos na estação de Alto da Serra, c. 1865 (Autor desconhecido). Fonte: Internet.

Sorte nossa, que nessa época, ao mesmo tempo que a derrubada avançava, um grupo de intelectuais e cientistas se preocupava e ocupava da proteção da natureza.

Alberto Loefgren, Emílio Goeldi e Hermann von Ihering são alguns desses.

Loefgren foi chefe do Serviço Florestal de SP (atual Instituto Florestal), criado em 1896, e pisou na área da Reserva com sua equipe da Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo. Hermann von Ihering viajante naturalista do Museu Nacional do Rio de Janeiro, chegou à São Paulo sendo o primeiro diretor do Museu Paulista (conhecido como Museu do Ipiranga).

Ihering conheceu a área onde hoje está situada a Reserva através do morador local Mathias Wacket e foi por sua indicação que o local foi escolhido para ser protegido. Ihering nomeou o local como Parque Cajuru, que significa Boca da Mata (Caa = mata, yuru = boca). Seria uma área destinada à pesquisa e salvaguarda das espécies nativas!

Pouco depois, em 1913, sob gestão do Estado, passou a ser denominada como Estação Biológica do Alto da Serra e após o estabelecimento do Sistema Nacional de Unidades de Conservação foi recategorizada passando a ser conhecida como Reserva Biológica do Alto da Serra de Paranapiacaba. Essa é considerada a primeira Reserva Biológica da América do Sul, uma das primeiras áreas protegidas de proteção integral da América Latina!!

E por que não, uma das primeiras Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN)? Afinal sua compra ocorreu com recursos particulares.

Hoehne durante trabalho de campo na Reserva. Fonte: Revista Fapesp.

Segundo LOPES & KIRIZAWA (2009)¹, foi gerida de 1913 a 1917/18 pelo Serviço Florestal da Secretaria de Agricultura, Indústria e Comércio do Estado de São Paulo, sendo então transferida para a Secção de Botânica do Instituto Butantan, onde foi administrada pelo Dr. Frederico Carlos Hoehne, outro pesquisador que se destacou nos temas botânica, conservação e que foi o primeiro diretor do Instituto de Botânica.

Apesar de mantida a gestão de Hoehne, a estação biológica voltou ao Museu Paulista, devido a transferência da Secção Botânica, em 1923, e passou em 1928 para o Instituto Biológico. Com a criação do Departamento de Botânica na Secretaria de Agricultura, Indústria e Comércio a estação permaneceu definitivamente com o atual Instituto de Botânica.

Nesses 110 anos de história, a nossa querida Reserva Biológica protagonizou momentos importantes da conservação da natureza em SP, como local de grande importância para os estudos da Mata Atlântica, assim como local de pesquisa e formação de muitíssimos cientistas.

Vale destacar alguns dos visitantes ilustres como: Jean Massart na Missão Biológica Belgo-brasileira composta por Paul Leduc, Raymond Bouilliene, Paul Brién, Alberto Navez e João Geraldo Kuhlmann e Hoehne que passaram alguns dias na casa do naturalista.  Konrad Günther, Marie Skolodowska-Curie (a primeira mulher a ganhar um prêmio nobel, a primeira mulher a se tornar professora na Universidade de Paris e a primeira pessoa a ganhar prêmios em diferentes áreas, química e física) e sua filha também nobel em química Irène Joliot-Curie, o famoso historiador Visconde Affonso de E. Taunay, Salvador de Toledo Piza Jr., Adolfo Lutz, Bertha Lutz, Washington Luis, Julio Prestes, Werner Bokermann, Paulo Emilio Vanzolini, Margareth Mee, Leopoldo Magno Coutinho, Paulo Nogueira Neto, entre muitos outros pesquisadores estrangeiros.

A caminhada

Foto de Israel Mário Lopes

A caminhada na Reserva percorreu algumas trilhas, merecendo destaque a primeira que homenageia Mathias Wacket, sendo a única trilha com nome de uma pessoa que não era reconhecida como pesquisadora ou político como Washington Luís.

No trajeto de cerca de 2 km, percebemos desde o início um numeroso conjunto de palmeiras juçaras (Euterpe edulis) algumas vezes abraçadas pelo nevoeiro que desaparecia dando lugar ao calor não menos aconchegante.

Olhando para o alto destacavam-se o vermelho-alaranjado das bromélias Vriesea inflata em grande número em meio a uma diversidade belíssima de outras trepadeiras e epífitas ainda refletindo pelas gotas da chuva da madrugada qualquer brilho do sol que alcançasse o sub-bosque. Olhando para todos os lados entre os caetés (Maranta sp), os riachinhos extremamente transparentes corriam emitindo um som suave desestressante e reconectante.

Quão maravilhados devem ter ficado esses pesquisadores que por aqui passaram! Após atravessar a Picada Mathias Wacket começamos a percorrer a Picada Dr. Karl Friedrich Phillipp von Martius (que por incrível que pareça é homenageado aqui no Brasil com o Dia Nacional da Botânica em 17 de abril, pois seu nascimento se deu nesta data no ano de 1794). Com um pouco mais de aclive, as águas corriam emitindo som, mas ainda suave permanece bela com uma grande quantidade de palmeiras juçaras e geonomas.

Encontramos há menos de 5 metros de distância um do outro dois lagartos-arbóreos chamados também de papa-vento (Enyalius perditus e Enyalius ihering), continuamos a subida até chegar à Casa do Naturalista. Essa não é a primeira casa construída nesta reserva com esse nome, mas é tão importante quanto. A atual construção data de 1938, feita sob pedidos de Hoehne, e necessita urgentemente de cuidados.

Papa- vento. Foto de Israel Mario Lopes

Por ali ficamos refletindo sobre a importância da Reserva Biológica e o quanto deve ser divulgada para que mais pessoas possam conhecer um pouco da bela história da conservação, além de apreciar a beleza desse nosso riquíssimo patrimônio cultural e ambiental.

Finalizamos descendo até a casa dos guardas-parque pela estradinha Dr. Frederico Carlos Hoehne que tanto lutou pela valorização da riqueza da Mata Atlântica, pela pesquisa e pela educação em prol das biodiversidade.

Foi mais uma caminhada histórica inspiradora!!!

Se interessou em conhecer a Reserva? Entre em contato com o Israel Mário Lopes pelo (11)97251-4300 ou nas redes sociais @tangaras.ecoturismo

Veja mais fotos da caminhada aqui.

 

Escrito por Felipe Zausso e Israel Mário Lopes.

¹ LOPES, M. I. M. S.; KIRIZAWA, M. Reserva Biológica de Paranapiacaba, a antiga Estação Biológica do Alto da Serra: história e visitantes ilustres. Patrimônio da Reserva Biológica do Alto da Serra de Paranapiacaba-A antiga Estação Biológica do Alto da Serra. Instituto de Botânica, São Paulo, p. 15-37, 2009.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*