O oceano é para todos

Litoral Norte do Estado de São Paulo

As manchas de óleo encontradas em regiões litorâneas brasileiras em 2019, somada a outros problemas como poluição, sobrepesca e acidificação, nos faz pensar sobre o pouco que conhecemos e o muito que impactamos o maior ambiente da Terra. Nunca foi tão necessário engajar pessoas para agir de maneira global e coletiva a fim de criar um futuro onde a humanidade esteja conectada com o oceano. 

Desde a publicação da “Declaração do Rio” em 1992 e do relatório “O Futuro que Queremos” em 2002, ficou claro que falar sobre o oceano era importante para as sociedades. Mais recente, a Agenda 2030, apresentada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2015, atribuiu à humanidade o compromisso de “Conservar e usar de forma sustentável os oceanos, mares e recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável”, como um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), colocando oceanos saudáveis como uma prioridade tão importante quanto a garantia da paz e a erradicação da pobreza, por exemplo. Para incentivar ações rumo a esse compromisso, a ONU também estabeleceu que o período de 2021 a 2030 seja a “Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável” (A Ciência que Precisamos para o Oceano que Queremos).

E à beira de entrar nessa nova década, o planeta nunca precisou tanto de integração. Das pessoas, das ciências, das organizações, dos negócios. Pensar na natureza e pensar nas sociedades como peças distantes de um grande quebra-cabeças não faz mais sentido quando o desejo por um mundo mais sustentável permeia os diálogos e decisões acerca dos atuais grandes desafios da Terra. Isso vai ao encontro com a necessidade de que assuntos globais sejam discutidos por diferentes atores (cientistas, acadêmicos, gestores políticos, empresários, indústrias, cidadãos etc.) para criar soluções que atendam a diferentes demandas. 

Nessa perspectiva, há exatamente um ano, em novembro de 2018 aconteceu o 6º Fórum Nacional de Exploração dos Oceanos dos Estados Unidos, no Media Lab do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em Boston. O evento reuniu cerca de 100 pessoas de diferentes partes do mundo, incluindo Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, França, Porto Rico, Peru, Chile, Brasil, África do Sul, Seychelles, Malásia, Israel, Tailândia, China e Austrália. E para além da diversidade étnica, o fórum também proporcionou o encontro entre profissionais com diferentes formações, contemplando engenheiros, artistas, jornalistas, advogados, empreendedores, antropólogos, biólogos, oceanógrafos, filantropos etc. Uma comunidade que buscou partilhar o maior número de ideias sobre como o oceano pode ficar mais próximo das pessoas. Não à toa, o nome escolhido para o evento foi All Hands on Deck (Todas as mãos no convés, tradução livre).

Colocar pessoas que trabalham e imaginam os oceanos de forma tão diferente é um desafio e tanto. E foi exatamente por isso que o fórum, de maneira interdisciplinar e transdisciplinar, proporcionou um extraordinário sentimento de integração, unindo a variedade de perspectivas ao desejo de cuidar da grande piscina do planeta. E, estimuladas pela participação do fórum, bem como com a percepção de que o oceano precisa estar em nosso cotidiano, nossas palavras aqui são para inspirar outras pessoas a se conectar com o maior ambiente da Terra.

6º Fórum Nacional de Exploração dos Oceanos (Boston, EUA)

Na perspectiva do All Hands on Deck, é possível promover ações que farão a ponte entre oceano e sociedade, que são: jogar, imaginar, imergir, criar, explorar e conectar. Jogar nos faz refletir sobre a cultura de lazer no oceano: quantos de nossos familiares, amigos ou vizinhos nadam ou surfam? Imaginar nos faz enxergar o oceano de maneira divertida, como a série The Deep, lançada em 2015, destinada a despertar o interesse de crianças pelo mar profundo. Imergir nos faz pensar em atividades que possam ser movidas por aventura, descoberta e conservação dos oceanos, como uma expedição para uma ilha deserta. Criar nos estimula a construir algo que leve o oceano ao continente, como tricotar uma estrela-do-mar. Explorar nos permite evoluir os métodos de investigação do ambiente marinho. E finalmente, conectar nos traz o desafio de aproximar o oceano ao dia a dia das pessoas.

Tierney Thys, bióloga, cineasta e National Geographic Explorer, comentou no All Hands on Deck sobre um de seus trabalhos, intitulado Impacts of nature imagery on people in severely nature-deprived environments. Em parceria com outros pesquisadores como a ecologista Nalini Nadkarni, a bióloga exibiu imagens da natureza em prisões de confinamento solitário a fim de diminuir o estresse e a violência dos presidiários. Após um ano de experimento, elas notaram que houve redução de 26% nos encaminhamentos dos reclusos a situações de controle e disciplina. E isso nos fez questionar: quanto poder a natureza tem na vida humana?

O estudo The National Human Activity Pattern Survey (NHAPS): a resource for assessing exposure to environmental pollutants, publicado em 2001, apontou que, em média, estamos vivendo 90% do tempo de nossas vidas em ambientes fechados. Somos cada vez mais uma “indoor generation”, o que desencadeia impactos em nossa saúde mental, física e espiritual.

Para além da conexão entre pessoas, que cada vez mais é uma construção árdua, colocamos mais e mais paredes entre nós mesmos e o mundo natural. Enquanto que a ligação entre o ser humano e a natureza deve ser incentivada repetidamente, profundamente e desde a infância. “Prefiro brincar dentro de casa porque é onde há tomadas”, disse Paul, um aluno do quarto ano de uma escola em San Diego, Califórnia, ao jornalista Richard Louv, que compartilhou-a no primeiro capítulo do livro “A última criança da natureza” (2016).

Visto a mudança de paradigma e de transformações que o futuro está guardando, cada um, por meio de suas competências e habilidades, deve colaborar para que possamos desenvolver sociedades com impacto socioambiental positivo. “Precisamos acelerar a forma como estamos aprendendo sobre o oceano e como estamos nos comunicando e engajando todo o planeta na conversa”, disse Katy Croff Bell, idealizadora do All Hands on Deck. Outra reflexão importante do evento foi de David McKinnie, do Ocean Exploration and Research (OER) da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), que fez uma comparação entre o oceano e o espaço. McKinnie comentou que em nossa imaginação, o espaço representa um lugar grande, infinito, lindo e incrível. Em contrapartida o oceano é visto como algo frio, perigoso e claustrofóbico, implicando que a maioria das histórias sobre ele seja negativa. Mas é preciso enxergá-lo para além do que os olhos podem ver. 

As histórias sobre o oceano – que não se restringem às temporadas de verão, à vida caiçara ou às férias em família – podem ser (e muitas são!) interessantes. É necessário ouvir essas histórias para compreender, e compreender para proteger. Principalmente, compreender que a conexão entre o oceano e a sociedade não deve ser um modo de vida particular, mas envolver diferentes pessoas, mesmo aquelas que moram distantes do litoral. Afinal, todos os 7,5 bilhões de pessoas dependem de recursos oceânicos.

Esse envolvimento pode ser desenvolvido por meio de uma cultura oceânica. Como disse o poeta brasileiro José Paulo Paes (1926-1998): “Cultura é tudo aquilo de que a gente se lembra após ter esquecido do que leu. Revela-se no modo de falar, de sentar-se, de comer, de ler um texto, de olhar o mundo. É uma atitude que se aperfeiçoa no contato com a arte. Cultura não é aquilo que entra pelos olhos, é o que modifica seu olhar.” Então fica a pergunta: qual é a minha cultura sobre o maior ecossistema da Terra? 

Desde a sua superfície, banhada pela luz do sol, até as suas profundezas, repleta pela escuridão, há tanto para conectar com o oceano. O vai e vem das ondas ressoam uma melodia. Aves dançam sobre árvores do manguezal. Florestas de algas balançam ao vaivém da corrente. Tartarugas sobem na coluna d’água para respirar. Peixes de muitas cores pintam uma aquarela nos corais. Inúmeros pequenos organismos produzem oxigênio que dão fôlego a tanta vida. Esses cenários nos permitem viver muitas histórias. Embarque nelas, com todas as mãos no convés. Pois o mundo precisa de navegadores que conheçam a natureza para protegê-la.

 

2 Comentários

  1. Parabéns Tássia Biazon pela iniciativa se muitos que tem o conhecimento como vcs tirasse um tempinho para concentizar as pessoas seria muito.com certeza nosso oceano agradeceria.
    Orgulho de vcs...parabéns mais uma vez..

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