A extinção de instituições com o PL 529 e o risco da perda de acervos online

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Por Paulo Andreetto de Muzio

Na próxima terça-feira já poderá ser votado na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo o Projeto de Lei nº 529 de 2020, que “Estabelece medidas voltadas ao ajuste fiscal e ao equilíbrio das contas públicas…”

Aproveitando o momento de vulnerabilidade em que vivemos (pandemia de Covid-19), seus articuladores utilizam o argumento de que há um déficit orçamentário de 10,4 bilhões e que para corrigi-lo terão de, entre outras coisas, extinguir algumas instituições públicas.

O pacote, que o governo entende como modernização, é imenso e envolve, além da extinção de órgãos públicos, a alienação de imóveis (venda do patrimônio público para encher os cofres no curto prazo) e a concessão de serviços ou uso de áreas (entregar o patrimônio público para a iniciativa privada obter lucro e ainda pagar por isso).

Ameaça de extinção

Segue uma lista das instituições que o Projeto de Lei (PL) visa extinguir:

  • Fundação Parque Zoológico de São Paulo;
  • Fundação para o Remédio Popular “Chopin Tavares de Lima” (FURP);
  • Fundação Oncocentro de São Paulo (FOSP);
  • Instituto Florestal (IF);
  • Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo (CDHU);
  • Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo S. A. (EMTU/SP);
  • Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN);
  • Instituto de Medicina Social e de Criminologia (IMESC);
  • Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (DAESP);
  • Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José Gomes da Silva” (ITESP);
  • Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual de São Paulo (IAMSPE);

A Rede de Blogs de Ciência da Unicamp, da qual fazemos parte, já realizou publicação sobre o tema. Apenas para comentar rapidamente sobre a extinção de algumas instituições desta lista, podemos observar que a proposta do Projeto é a de um estado em que: os medicamentos não devem estar acessíveis ao povo; dar moradia digna às pessoas não é dever do estado; e que endemias como a dengue e a febre amarela não são questões a se preocupar.

Prejuízo à Ciência

Anteontem, o Jornal da USP publicou matéria com o depoimento de 12 gestores e pesquisadores da Universidade de São Paulo comentando sobre o Projeto de Lei 529. O PL transfere os recursos próprios das três universidades estaduais paulistas e da Fundação de Amparo à Pesquisa Científica e Tecnológica do Estado de São Paulo (Fapesp) para uma conta única. Isso tira a autonomia das universidades e é inconstitucional.

No caso do Meio Ambiente, que é a nossa praia aqui no blog, o Projeto extingue o Instituto Florestal, que congrega pesquisa científica e conservação da natureza entre suas atribuições. A esse respeito, já publicamos no Natureza Crítica entrevista com os bisnetos de Alberto Löfgren sobre a possível extinção da instituição idealizada por seu bisavô.

O Instituto é vinculado à Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA) e o Projeto de Lei propõe sua fusão com os outros órgãos de pesquisa da mesma pasta: o Instituto Geológico e o Instituto de Botânica.

Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come…

Nesta brincadeira, o Instituto Florestal está no meio do fogo cruzado entre as propostas do Projeto de Lei e outras normativas associadas. Está pra ser extinto, fundido, suas áreas de pesquisa passadas para a Fundação Florestal (FF), outras áreas e equipamentos sendo destinados à concessão… fora o fato de que a alienação é sempre um fantasma muito vivo (Relembre a passagem de Ricardo Salles pela SIMA).

Neste cenário de batalha, que não ocorrerá sem perdas, o importante é garantir que as pesquisas científicas e os serviços oferecidos pelas instituições tenham continuidade.

Risco de perda de acervos

Os momentos em que ocorrem mudanças drásticas nas instituições geralmente são marcados por perdas de acervos. Em minha pesquisa de mestrado, constatei a escassez de documentos históricos do Serviço Florestal (atual Instituto Florestal) que precedem o ano 1938. Lembrando que em 1937 Getúlio Vargas instaurou o Estado Novo (período mais repressivo da Era Vargas) e sua gestão tinha presença bastante forte nos estados.

Na 391ª Reunião Ordinária do Plenário do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), o subsecretário da pasta garantiu que neste processo de “extinção, fusão, transferência de áreas pra FF e concessão” os acervos serão preservados. Mas como garantir que isso ocorra?

Há muito a se discutir acerca do assunto. Então vou focar em um tipo de acervo específico e que geralmente não é muito lembrado: o virtual. Os sites das instituições possuem acervo online de diversas ordens e grande relevância. Constituem desde repositórios de trabalhos científicos a documentos com valor histórico que contam a trajetória das instituições ou mesmo da ciência no país.

Se está na nuvem, está garantido?

Considerando que acervos físicos se perdem em processos de mudanças institucionais, o que podemos dizer de documentos que estão na rede? Com a extinção do Instituto Florestal e fusão com os outros dois, o que acontecerá, por exemplo, com as matérias que foram publicadas em cada um dos sites? Serão todas migradas para uma quarta página institucional (do novo instituto resultante da fusão)? Que garantias a SIMA pode dar, visto que no site da pasta as notícias anteriores a 2015 foram apagadas?

Tomemos como exemplo o programa de educação ambiental Criança Ecológica, que foi o carro-chefe da gestão da Secretaria de Meio Ambiente do Estado (atual SIMA) entre os anos de 2007 e 2010. Se buscarmos por “Criança Ecológica” no site da Secretaria, encontramos apenas uma referência estranha, provavelmente uma página de teste. Quase como se o Programa de Governo nunca tivesse existido. Já quando procuramos no site do IF, encontramos 19 notícias que remetem à realização do projeto em 11 diferentes áreas naturais protegidas: as estações experimentais de Bauru, de Itapetininga e de Tupi (Piracicaba); as florestas de Assis, Avaré, Bebedouro e Paranapanema; e os parques estaduais Alberto Löfgren, do Jaraguá e da Cantareira (todos na capital) e da Serra do Mar (Cubatão). Esta história só é contada no site do IF.

As páginas institucionais dos três institutos a serem fundidos possuem centenas de notícias que trazem, de forma acessível ao público, informações sobre as instituições e suas histórias recentes. O Instituto de Botânica possui 225 publicações do gênero a partir do ano 2013. O Instituto Florestal veiculou 991 matérias desde 2009. E o Instituto Geológico 733 desde 2004.

Pesquisando as duas notícias mais antigas do site do Geológico, por exemplo, temos: uma nota sobre uma parceria com o ITESP em projeto de ecoturismo no qual são ministradas aulas de geologia para jovens quilombolas do Vale do Ribeira; e uma notícia sobre projeto Fapesp de mapeamento geológico da Ilha Anchieta, em parceria com o Instituto Florestal e a Universidade de Taubaté. Apenas com esses dois exemplos, conseguimos identificar uma série de articulações entre diferentes instituições de governo, de ensino e pesquisa científica na produção e compartilhamento do conhecimento e na relação direta com a comunidade. Materiais que documentam a história das ciências e da conservação ambiental em nosso particular contexto geográfico e cultural.

São documentos cuja informação neles contida pode até constar em algum arquivo da instituição ao qual o público em geral não tem acesso. Estando disponível na página institucional, pode ser encontrada por qualquer pessoa pelos sites de busca. Mas certamente ainda há casos em que o conteúdo de determinada matéria veiculada no site seja único. E caso o material seja apagado desta plataforma, a informação simplesmente se perde.

As páginas institucionais dos diversos órgãos públicos de pesquisa contêm dados históricos e científicos de extrema relevância. Entretanto, este tipo de acervo é bastante vulnerável. É, portanto, imprescindível que este material seja preservado seja qual for o processo de mudança nestes órgãos. E antes que resolvam criar um Projeto de Lei para extinguir a Rede de Blogs de Ciência da Unicamp com a justificativa de equilíbrio financeiro, vale reforçar que todo mundo aqui é voluntário.

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