Incêndios e outros impactos humanos prejudicam beija-flores, plantas e polinização no Pantanal

Beija flor da espécie Hylocharis chrysura que ocorre no Pantanal. Crédito: Andréa Araújo

Por André Giles e Vinícius Nunes Alves

Além do desmatamento pela pecuária extensiva, o Pantanal vem experimentando períodos de seca extrema com incêndios catastróficos, como os que ocorreram em 2020. Tal combinação é parcialmente causada pelas mudanças antrópicas sobre o clima do planeta, conforme aponta o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (2019). Nesse cenário, é evidente a perda da biodiversidade, seja de espécies grandes ou pequenas. Com a perda de espécies animais e vegetais, ainda que localmente e temporariamente, pode-se esperar também a perda de interações, como a polinização.

A bióloga Andréa Cardoso de Araújo – pesquisadora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) – tem experiência em comunidades vegetais e comunidades de beija-flores. Nesta entrevista para o blog Natureza Crítica, Andréa compartilha uma pitada da sua visão e experiência sobre os efeitos dos impactos humanos, sobretudo dos incêndios, sobre beija-flores, plantas e polinização no Pantanal.

Andréa Araújo. Arquivo pessoal

Os incêndios no Pantanal estão atingindo proporções catastróficas com enorme impacto na biodiversidade. Quanto ao impacto na fauna, tanto os noticiários quanto as iniciativas do terceiro setor focam em estimativas e/ou resgates de animais de médio e grande porte que foram afetados. Você que pesquisa comunidades de beija-flores – animais de pequeno porte e de alta mobilidade – pode predizer que os efeitos dos incêndios são tão graves quanto para esse grupo de animais?

Os beija-flores se alimentam principalmente do néctar das flores, dependendo, portanto, dos recursos oferecidos pela vegetação para sobreviverem. No Pantanal, esses animais são mais frequentes em áreas de capões, cordilheiras e matas ciliares, que são ambientes onde se concentram os recursos alimentares e onde se abrigam e constroem ninhos. Assim, a perda da vegetação em consequência das queimadas pode ter múltiplos impactos sobre as populações de beija-flores. Apesar de serem animais voadores, e potencialmente mais capacitados a se deslocarem para outros sítios livres de fogo, os beija-flores podem ser diretamente afetados pelo calor intenso das chamas. Além disso, dependendo das dimensões dos incêndios, esses animais podem ter dificuldade em localizar refúgios. E, com a queima da vegetação, haverá redução na disponibilidade de flores para essas espécies, principalmente nos estratos herbáceo e arbustivo, mais afetados pelo fogo.

Apenas considerando os capões do Pantanal, já conhecemos aproximadamente 20 espécies de plantas cujas flores são polinizadas especialmente por beja-flores, mas estima-se que essa proporção seja mais alta. Com os incêndios, as redes de interação planta-polinizador podem ser modificadas, já que algumas espécies de plantas podem desaparecer, ainda que temporariamente, “forçando” os beija-flores a se alimentarem de outros recursos. Ou, na ausência de recursos adequados, podem ficar sem alimento. Não se sabe ainda o impacto desses eventos de fogo sobre a população de beija-flores. Mas é possível que as redes planta-beija-flor sejam simplificadas com o desaparecimento de plantas, tornando essas redes menos resilientes a modificações futuras.

Como você explicaria que o uso exploratório do solo e as mudanças climáticas podem prejudicar a floração e a polinização em uma comunidade vegetal do Pantanal?

No Pantanal, as áreas de capões são utilizadas pela fauna nativa (e pelo gado) como sítio de repouso e abrigo. Em capões intensamente utilizados pelo gado é possível notar grande modificação da estrutura da vegetação. Plântulas são pisoteadas e comidas por esses animais, o que compromete a regeneração da vegetação que ocorre no interior dessa formação. Além disso, devido ao fato de não alagarem no período das cheias, essas áreas são muitas vezes desmatadas para o estabelecimento de construções (p.ex. sede, mangueiro) das fazendas. De modo semelhante, as cordilheiras (áreas de mata semi-decidual que circundam as lagoas) e matas ciliares também vêm sendo modificadas pela ação humana. Assim, a supressão e/ou modificação da vegetação nessas áreas tem efeitos sobre a oferta de recursos para a fauna antófila, incluindo os beija-flores.

Mudanças climáticas podem ter efeitos sobre os eventos sazonais, como a floração e a frutificação, que normalmente são desencadeados por sinais ambientais como o comprimento do dia, a temperatura e a pluviosidade. Esses eventos de floração e frutificação podem ter seus períodos de ocorrência modificados, ocasionando um “desajuste” com os ciclos dos animais. Consequentemente, as mudanças climáticas podem resultar em alterações nas interações, com efeitos sobre o processo de polinização.

Um capão no Pantanal. Crédito: Andréa Araújo

Incêndios intensos podem ser catastróficos não só para a fauna mas para comunidades de plantas, gerando um novo ecossistema que muitas vezes podem ficar por décadas estagnado em um estado degradado e consequentemente afetar as interações e funções ecossistêmicas. Basicamente, como você analisa a dificuldade da flora se recuperar dos incêndios no Pantanal?

O fogo que vemos no Pantanal hoje não é natural, e tomou dimensões que, em alguns locais, é difícil imaginar que estejam recuperadas em um curto período de tempo. A forte seca desse ano de 2020, considerado um dos mais secos da história recente do Pantanal, potencializou ainda mais essa situação. Em locais onde os efeitos do fogo foram mais amplos, é possível que tenha havido comprometimento do banco de sementes do solo e a destruição das gemas de raízes/caules. Assim, a vegetação demorará para se recuperar e/ou pode não se recuperar naturalmente, sendo possível que seja necessário utilizar estratégias de restauração.

Uma área do Pantanal queimando na seca de 2020. Crédito: Mario Friedlander

André Giles é biólogo pela Unesp (Bauru) com mestrado em botânica pela Unesp (Botucatu). Atualmente é pós-graduando de doutorado em ecologia da Unicamp.

Vinícius Nunes Alves é biólogo pela Unesp (Botucatu) com mestrado em ecologia e conservação de recursos naturais pela UFU. Atualmente é pós-graduando no curso de especialização em jornalismo científico da Unicamp e colunista do jornal Notícias Botucatu.

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