Própolis: o produto das abelhas que expande fronteiras na ciência e na saúde (parte II)

Geoprópolis. Arquivo pessoal: Maurício Sforcin

Por Henrique Aguiar de Oliveira e Vinícius Nunes Alves

Quem gostou da primeira parte da entrevista, vale a pena conferir a continuação aqui. Na postagem anterior, introduzimos tópicos como a diversidade de abelhas, o ‘conceito’ de própolis e geoprópolis bem como sua ação imunomoduladora, a variabilidade da composição química da própolis e da geoprópolis, a dificuldade de fazer pesquisas clínicas com seres humanos, entre outros. Agora, José Maurício Sforcin da Unesp de Botucatu (SP) nos ajuda a entender o potencial da própolis e geoprópolis para estudos epigenéticos e, também, para tratamentos complementares e menos agressivos contra o câncer.

Vale lembrar que Maurício Sforcin é biólogo e pesquisa a interação da própolis com diversos fármacos e, recentemente, foi indicado como um dos 600 pesquisadores brasileiros entre os 100 mil cientistas mais influentes do mundo, segundo a pesquisa conduzida por uma equipe da Universidade de Stanford (EUA), liderada por John Ioannidis e intitulada: “Updated science-wide author databases of standardized citation indicators”. Vamos então para a segunda parte da entrevista exclusiva para o blog Natureza Crítica.

A epigenética é uma ciência emergente que busca compreender como influências externas (por exemplo: hábitos ao longo da vida, tratamentos medicamentosos, etc.) podem alterar a expressão de genes e o desenvolvimento de variações no organismo, sem modificar a programação interna (letras do DNA). Em seu artigo científico recentemente publicado no periódico Molecules, você e colaboradores sugerem que o extrato etanólico de própolis tem potencial epigenético para combater células tumorais. Poderia comentar melhor isso?

Sabemos que gêmeos univitelinos são geneticamente idênticos, mas apresentam variações na resposta a alguns tratamentos. Isso pode ter relação com a epigenética, pois cada um tem seu estilo de vida: um pode beber e outro não, um pode fumar e outro não. Será que esses hábitos ou exposições não influenciam na eficácia de um tratamento convencional contra tumores?

Eu co-orientei o mestrado de um aluno da Profa. Claudia Rainho que fez um trabalho com própolis, células tumorais e epigenética. Nós observamos que componentes da própolis poderiam atuar em etapas que promovem a sobrevivência e proliferação das células tumorais, atuando como fármaco epigenético e que pode auxiliar no tratamento de tumores resistentes à quimioterapia. O que tenho visto também em Congressos de Apiterapia – que ocorrem em países com tradição de uso de produtos apícolas para tratamento antitumoral – é que a própolis tem um papel mais preventivo do que terapêutico contra determinados tipos de câncer.

Nesse estudo e em outros que participei, todas as células tumorais avaliadas foram sensíveis à própolis in vitro (cultura celular em laboratório), sendo lisadas (destruídas) na presença da própolis, o que não ocorre com as células normais. Em pesquisas realizadas com cultura de células tumorais, a própolis lisa as células, mas isso não é o suficiente para afirmar que a própolis exerce ação antitumoral. Na realidade, ela apresenta ação citotóxica, ou seja, a própolis lisa células tumorais isoladas em uma cultura controlada, mas não sei se a própolis também mataria células tumorais no organismo, que é um sistema complexo. In vitro, nós temos só as células e a própolis interagindo, mas in vivo a pessoa precisa tomar a própolis, a qual necessita ser digerida, absorvida e daí, sim, estar disponível para exercer ação no organismo. Não posso dizer se a própolis terá ação direta no tumor ou se vai estimular indiretamente o sistema imune a combater o tumor.

Cultura de células tumorais sem tratamento (à esquerda) e após 24 horas de incubação com própolis (à direita), observando a destruição das mesmas. Crédito: Maurício Sforcin

É conhecido que, a longo prazo, a quimioterapia desencadeia efeitos colaterais nos pacientes. Considerando isso, vocês realizaram ensaios in vitro com a dose completa do medicamento quimioterápico sem a própolis. Ao mesmo tempo, vocês avaliaram o efeito de doses menores do medicamento acrescentando própolis. Vocês já obtiveram resultados a respeito?

Utilizar um produto natural para competir com um medicamento é difícil. A composição química de um remédio é bem controlada e específica quanto ao mecanismo de ação, enquanto a composição da própolis é bem variável e complexa. O que eu tenho feito é diminuir a dose de quimioterápicos e acrescentar a própolis ou a geoprópolis para ver se eu consigo chegar no mesmo efeito que a droga. Nesse sentido, o meu grupo tentou verificar se a geoprópolis em combinação com diferentes quimioterápicos em doses menores teria a mesma ação do que os quimioterápicos sozinhos in vitro. Nós verificamos que, com um dos quimioterápicos, utilizando a metade da concentração e complementando com a geoprópolis, as células tumorais morreram mais do que quando utilizamos esse quimioterápico sozinho em concentração completa.

Essa combinação do quimioterápico com geoprópolis, conforme eu esperava, não matou as células normais e até melhorou suas funções. A quimioterapia é sistêmica e nem sempre atua somente no tecido alvo. Inclusive a quimioterapia, em alguns casos, pode afetar as células envolvidas na imunidade do próprio paciente. Faltam mais ensaios clínicos para avaliar isso melhor.

Maurício Sforcin (pessoa mais próxima da foto) em Congresso de Apiterapia, Lituânia

Há sociedades acadêmicas internacionais que consideram as abelhas como um dos seres vivos mais importantes do planeta, por serem os principais polinizadores da natureza. Na contramão disso, as populações de diversas espécies de abelhas, nativas e africanizadas, estão sendo ameaçadas pelo desmatamento e pelo uso excessivo de agrotóxicos. Para você como cientista, o quanto a pesquisa e a popularização da própolis e da geoprópolis auxiliam na conservação das abelhas?

Começaram a falar da extinção das abelhas e agora ouço falar que nós vamos entrar em extinção primeiro, e que as abelhas vão continuar existindo. No livro de Yuval Noah Harari intitulado “Sapiens – uma breve história da humanidade”, o autor estima que o planeta Terra suporta aproximadamente mais 10 gerações de ser humano (cerca de 1000 anos da nossa espécie), sendo que as abelhas ainda podem permanecer mais tempo que isso. Em um sistema capitalista, em que a maioria da humanidade vive, eu não sei se a preocupação com as abelhas pode mudar significativamente o comportamento das pessoas. O ser humano sabe que não deve desmatar e poluir, mas continua fazendo. Embora a nossa espécie domine as tecnologias, ela é frágil e ameaça a si própria, haja visto o agravamento das mudanças climáticas promovido pelas atividades humanas.

O ser humano sabe que as abelhas e a polinização são muito importantes, tanto é que há pessoas que colocam apiários próximos de plantações, pois ter abelhas perto de pomares ajuda na polinização das flores e na produção de mel e própolis. É importante perceber que as abelhas são nossas aliadas no âmbito ambiental, econômico e científico. Continuar as pesquisas básicas e clínicas e sobre a padronização e utilização da própolis, assim como popularizar as propriedades biológicas importantes que ela possui, certamente são caminhos para preservar as abelhas e a nossa espécie. Atualmente, estou escrevendo uma revisão em que colocamos a seguinte questão: os apicultores, pesquisadores e consumidores de produtos apícolas estão falando a mesma língua?

Henrique Aguiar de Oliveira é bacharelando em Ciências Biológicas pelo INBIO/UFU, membro da empresa-júnior MinasBio – Consultoria Ambiental e faz parte do Coletivo Goiabal Vivo.

Vinícius Nunes Alves é licenciado e bacharel em Ciências Biológicas pelo IBB/UNESP, mestre em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais pela UFU, especialista em Jornalismo Científico pelo Labjor/UNICAMP. Também atua como colunista no jornal Notícias Botucatu.

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