São Paulo cria “novo” instituto de pesquisa secular e natimorto

Jardim Botânico de São Paulo / Crédito: Arquivo Público do Estado de São Paulo - Memória Pública

Nesta quinta-feira, 17 de junho de 2021, o Diário Oficial do Estado de São Paulo publicou o decreto de criação do Instituto de Pesquisas Ambientais, que resulta da fusão de outros três: o Instituto de Botânica, o Instituto Geológico e o Instituto Florestal (este último foi extinto em outubro do ano passado e suas atribuições foram passadas para o novo instituto que viria a ser criado).

Buscando a origem destas instituições e não se apegando às denominações, mas entendendo que as mudanças de nome, quando não representam fortes mudanças estruturais, são importantes marcos históricos que dão indícios de movimentos e tendências (de crescimento ou enxugamento do estado, de ruptura etc), chegamos ao século XIX.

Investimento em pesquisa científica no século 19

A cafeicultura transformou São Paulo em uma potência econômica. Ainda assim os paulistas eram retratados nos relatos dos viajantes e na literatura como gente rústica e mesmo a capital como lugar de pouca infraestrutura. Para tornar o estado proeminente também culturalmente, houve grande investimento em ciência e educação, resultando na criação de instituições como o Instituto Agronômico de Campinas, em 1887, o Museu Paulista e o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, em 1893, e a Escola Politécnica, em 1895.

Em 1886, ainda no Brasil Império, inspirada nas expedições de viajantes estrangeiros que eram financiadas por outros países, foi criada a Comissão Geográfica e Geológica da Província de São Paulo (CGG), esta mantida pelo Estado. A equipe multidisciplinar de pesquisadores tinha como objetivo desbravar o território paulista, realizando levantamentos geográficos e geológicos e elaborando um mapa geral que evidenciasse os recursos naturais e subsidiasse a produção cafeeira, o fornecimento de energia à indústria e a expansão da rede ferroviária e das hidrovias para escoamento desta produção.

A Comissão foi o embrião do Instituto Geológico e do Instituto Florestal.

Origem e evolução

A CGG atuou até 1931, quando foi transformada em Departamento Geográfico e Geológico da Secretaria da Agricultura, Indústria Comércio. Em 1938 foi reorganizado e recebeu nova denominação: Instituto Geográfico e Geológico, que em 1975 passou seis meses subordinado à Secretaria de Economia e Planejamento e em seguida retornou para a Agricultura para ser desmembrado, originando o Instituto Geológico.

O Instituto Florestal tem origem com o naturalista sueco Alberto Löfgren, que chefiou a seção de meteorologia e botânica da CGG e em 1896 conseguiu a desapropriação do Engenho Pedra Branca, na zona norte da capital paulista, transformando na área que hoje é um Parque Estadual e leva seu nome. Em 1907, a denominação da seção muda para Horto Florestal, que passa a ser subordinado direto da Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas, não mais à Comissão. A área do Horto foi a sede do Serviço Florestal, que foi criado em 1911 e recebeu o nome de Instituto Florestal em 1970.

A história do Instituto de Botânica remonta a Seção de Botânica, que esteve vinculada a diferentes instituições desde sua criação em 1917 no Instituto Butantan, passando para o Museu Paulista em 1922 e integrando o recém-nascido Instituto Biológico de Defesa Agrícola e Vegetal em 1927. O que permitiu a continuidade das pesquisas realizadas apesar das constantes mudanças institucionais foi a presença do naturalista brasileiro Frederico Carlos Hoehne ao longo de todos esses anos. Em 1938 a seção foi transformada em Departamento de Botânica da pasta da Agricultura, Indústria e Comércio. Enfim, em uma nova reorganização em 1942, recebeu a denominação de Instituto de Botânica.

Agricultura x Meio Ambiente

Os três institutos que hoje dão lugar ao “novíssimo” Instituto de Pesquisas Ambientais estão historicamente ligados à Agricultura.

No ano de 1891, início do período republicano no Brasil, foram criadas quatro secretarias no estado de São Paulo, entre elas a Secretaria de Agricultura, Commercio e Obras Públicas.
Em 1900, a Secretaria incorporou alguns órgãos criados antes dela, entre eles a Comissão Geográfica e Geológica.

Já em 1927, a pasta foi desmembrada em duas: a Secretaria de Viação e Obras Públicas e a Secretaria de Agricultura, Indústria e Comércio. A denominação mudou para Secretaria de Agricultura em 1946 e os negócios relativos à indústria e ao comércio foram transferidos para outra pasta. É de 1979 a denominação que permanece até hoje, de Secretaria de Agricultura e Abastecimento.

No período de redemocratização do país e com o debate ambiental ganhando grande força internacionalmente, a Secretaria de Meio Ambiente foi criada em 1986 e, logo após, os três Institutos passaram a integrar a nova pasta.

Em 2019 ocorreu a fusão de três secretarias: a) Meio Ambiente; b) Saneamento e Recursos Hídricos, e c) Energia e Mineração, dando origem à Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente.

Receios contemporâneos

Uma das possíveis fusões que assombrou alguns servidores e ambientalistas nos últimos anos foi a das pastas de Meio Ambiente e Agricultura. Não é que não tivesse gente ali dentro ansiando por isso. Mas no final das contas a fusão com a Infraestrutura remonta de certo modo a primeira configuração da pasta de Agricultura no século XIX, que entre poucas secretarias de estado estava junto com Obras Públicas.

A razão pela qual se defende que uma secretaria como a de Meio Ambiente seja separada de outras, como Agricultura ou Infraestrutura, se dá pelo fato de que, ainda que todas sejam órgãos do estado, os interesses de cada uma são diferentes e muitas vezes conflitantes. Há pastas que fiscalizam outras. E quanto se funde secretarias como a de Meio Ambiente com outras áreas, certamente o poder de coerção da primeira diminui e o interesse que prevalece dentro da pasta é o das outras. O Meio Ambiente perde autonomia.

E os institutos públicos de pesquisa de São Paulo possuem outro grau de autonomia quando comparados às universidades. Por serem órgãos da administração direta do estado, são subordinados às decisões de governo. Diferente das universidades públicas de São Paulo que são autarquias, além de estarem respaldadas pela autonomia didático-científica garantida pela Constituição Federal.

As mudanças acontecem ao longo da história e muitas vezes são inevitáveis. E as instituições públicas nunca passam imunes aos arranjos políticos ou mesmo a sua própria cultura organizacional retrógrada e estagnada, alimentada pela falta de reposição dos quadros de servidores. A criação do novo velho Instituto traz consigo o discurso da modernização. A torcida é para que dê certo. Que as deficiências técnicas, éticas e políticas sejam minimizadas. Que se produza mais conhecimento e se proteja mais o meio ambiente. Mas sem um rejuvenescimento dos recursos humanos será apenas uma mudança de nome. Precarização maquiada com palavreado de engomadinho.

Se a virada do século XIX para o século XX representou um Big Bang das instituições públicas de ciência no Brasil (ainda que não tenha sido o único), certamente vivemos hoje em um período em que esse universo está em retração. Quem sabe o novo instituto é um retorno dos filhos pródigos à Comissão Geográfica e Geológica…

Mas é preciso estar atento e forte. O Instituto de Pesquisas Ambientais não foi criado por lei, mas por um frágil decreto. Basta uma canetada para extingui-lo de vez.

 

Paulo Andreetto de Muzio é graduado em Relações Públicas (2005) pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP. Especializou-se em Jornalismo Científico (2016) pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo – Labjor, da Universidade de Campinas – Unicamp, e é mestre em Divulgação Científica e Cultural (2020), também pelo Labjor.

6 Comentários

  1. Realmente Paulo, vc fez um excelente artigo e conseguiu colocar a dificuldade que os Institutos de pesquisa vem enfrentando sem a reposição de quadros. A criação deste novo Instituto vem para fragilizar e desmotivar ainda mais. Considerando que nome do diretor do novo Instituto não tem qualquer experiência com o meio ambiente, já é de se imaginar o que irá acontecer.

    • Agradeço a leitura e o comentário, Patrícia. Torçamos e trabalhemos para que a pesquisa científica, a conservação da natureza e as instituições públicas sejam mais valorizadas do que estão sendo...

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