Capitólio e o Capitalismo: fatalidade ou tragédia anunciada?

Crédito da Imagem: Agência Brasil

Se este texto fosse sobre o Capitólio, casa legislativa dos Estados Unidos, seria menos triste. Mas o homônimo tratado aqui é o município brasileiro do estado de Minas Gerais onde ocorreu recentemente uma tragédia. Nos cânions alagados, cuja procura por turistas se intensificou nos últimos anos, um imenso pedaço de rocha desabou sobre alguns barcos deixando mortos e feridos.

O que aconteceu no dia 8 de janeiro deste ano teria sido uma fatalidade causada pelas forças incontroláveis e imprevisíveis da natureza? Ou o ocorrido poderia ter sido evitado?

A pedra tinha 10 mil toneladas e 1,2 bilhão de anos, conforme disse ao R7 o geólogo Flávio Freitas, professor da Universidade de Brasília. Conforme sua fala na matéria, o desmoronamento foi parte de um processo geológico natural e não foi acelerado pela presença de pessoas ou pelas intensas chuvas dos últimos dias. Para ele, a adoção de normas de segurança simples, como manter distância entre os barcos e os paredões, poderia ter evitado a fatalidade.

Já na ilustração feita pelo geógrafo Rubson Maia, professor da Universidade Federal do Ceará, o tombamento ocorreu pelo estreitamento da base do bloco em virtude do intemperismo químico decorrente do contato da rocha com a água. Contato que não é tão antigo assim.

Crédito da Imagem: Rubson Maia

A Usina Hidrelétrica de Furnas começou a ser construída em 1958 e foi inaugurada em 1963. Com a edificação de barragens e transposição de corpos d’água, 22% do município passou a ser banhado por essas águas represadas.

Em 2018, Mayumi Kurimori alertou que o município não possuía infraestrutura básica para atender a grande demanda de visitantes. Em sua monografia de conclusão do curso de engenharia ambiental, pela Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo, ela analisou os impactos socioambientais que o turismo estava gerando em Capitólio. Conforme mostra a pesquisa, a atividade turística no município é relativamente nova, intensificada no ano de 2016 com estímulo da mídia.

Sabemos que apesar de que eventos como esse ocorrerem naturalmente, há profissionais, conhecimento e tecnologia para a prevenção de desastres. Será que a prefeitura não tinha profissional ou equipe, concursados ou contratados, para realizar a gestão de riscos? As agências de turismo cumprem as normas direitinho? O dinheiro do turismo que entra para o município não é reinvestido nisso? Ou será que esse recurso nem vai para o poder público?

Há turismos e turismos, mas só há um capitalismo

A Lei Federal n° 11.771 de 2008 considera como turismo as atividades realizadas por pessoas físicas durante viagens e estadas em lugares diferentes do seu entorno habitual, por um período inferior a um ano, para lazer, negócios ou outras finalidades. As viagens e estadas devem gerar movimentação econômica, trabalho, emprego, renda e receitas públicas, constituindo-se instrumento de desenvolvimento econômico e social, promoção e diversidade cultural e preservação da biodiversidade.

Pela legislação, a finalidade turismo é predominantemente econômica. E na ótica capitalista, esse lance de social, de cultural e de biodiversidade só interessam quando dão lucro. No discurso, o dinheiro é colocado como condição sine qua non para a proteção destes patrimônios. No entanto, se não servem ao capital, antagonizam com ele.

O capitalismo é danado. É um sistema onde o dinheiro quase sempre vai pro lugar errado. Quem trabalha pra gerar recursos, quase nunca fica com o que produziu. E esse sistema abraça inclusive o estado, pois a grana arrecadada pela administração pública e que deveria retornar à população de forma a atender as necessidades da coletividade, acaba majoritariamente privilegiando os interesses de poucos indivíduos.

Em relação ao turismo, não é diferente. Mas primeiro é preciso reforçar que há vários tipos de turismo. Apresento adiante alguns conceitos referentes a diferentes modalidades da atividade. A definição de alguns deles e as práticas às quais se referem se sobrepõem em alguns casos.  Em outros se antagonizam, como veremos.

Há o turismo cultural, voltado ao conhecimento da cultura e costumes de um povo ou uma região. Já o turismo rural tem um pouco do anterior e promove o contato das pessoas com o campo e atividades relacionadas ao meio rural. Turismo de aventura, mescla atividades físicas e contato com a natureza e pode fazer parte do ecoturismo, que leva as pessoas a áreas naturais como parques e reservas, buscando proporcionar esse interação com o meio natural em termos recreativos, esportivos ou educacionais, devendo promover a conservação dos recursos naturais e o desenvolvimento das comunidades locais. Essa definição é bastante semelhante à do turismo sustentável, que visa à proteção do patrimônio natural levando benefícios sociais e econômicos para as comunidades locais ao mesmo tempo que busca minimizar os impactos ambientais e sociais oriundos da própria atividade turística. O turismo de base comunitária também se integra com a maioria dos conceitos anteriores, visto que corresponde à uma modalidade econômica que tem como premissa desenvolver o turismo local, valorizar a cultura tradicional e a conservar a biodiversidade, proporcionando benefícios às comunidades locais. O turismo social, modalidade que busca possibilitar o turismo para pessoas de baixa renda. O turismo de massa é aquele que desloca um grande número de pessoas para o mesmo local, como a invasão de praias em feriados, gerando altos impactos. (Fonte: Narvaes, Patrícia. Dicionário Ilustrado de Meio Ambiente. 2ª ed. Yendis Editora/Secretaria de Meio Ambiente do Estado de Paulo: São Caetano do Sul, 2012)

Crédito da Imagem: Folha de São Paulo

O turismo exploratório é do capitalismo selvagem. Vale tudo pelo dinheiro a ser ganho: realizar atividades depreciativas para as comunidades locais, explorar animais, ultrapassar limites permitidos de pessoas na atração, seja ela qual for, causando danos ao meio ambiente e colocando a segurança em risco. Tudo por uma maior margem de lucro.

É importante ressaltar que esse tipo de turismo dá muito dinheiro, mas esse recurso é mal distribuído, não retornando na forma da melhoria da qualidade de vida da população local. Podemos pensar nas cidades do Rio de Janeiro e de Salvador, por exemplo, que têm uma movimentação turística absurda com uma entrada de capital violento. Mas fica difícil de ver esse dinheiro arrecadado com o turismo retornando para melhorar a vida daqueles que moram ali e ralam para que o visitante tenha sua experiência inesquecível. Indo mais além, podemos desembarcar em Punta Cana, na República Dominicana, destino de muito turista brasileiro que quer conhecer o Caribe, mas acaba tendo uma experiência de mentira dentro de um Resort All Inclusive. Expressão máxima do turismo exploratório, esses empreendimentos são ligados a grupos estrangeiros de países desenvolvidos que não se cansam do colonialismo parasitário e não contribuem em nada para a melhoria das condições de vida do povo dominicano.

O lobby desse tipo de turismo (que obviamente não se auto define como exploratório, mas simplesmente  como turismo) sempre trabalha o discurso de que a atividade gera renda e desenvolvimento. Mas nem sempre isso é bom para a população ou para aquela localidade. Ou porque o dinheiro não chega em quem precisa (ou se chega é na forma de subemprego) ou porque o tipo de desenvolvimento levado não necessariamente é um benefício, impactando negativamente o meio ambiente e a qualidade de vida das pessoas que vivem ali. A noção de desenvolvimento pode variar de uma cabeça pra outra. A construção de uma estrada, por exemplo, nem sempre será boa para determinadas comunidades. Para não ter que apelar para uma comunidade tradicional, basta perguntar para algum algum morador de Ilhabela, município arquipélago do litoral de São Paulo, se eles gostariam que fosse construída uma ponte ligando a cidade ao continente, substituindo a balsa de veículos e aumentando o tráfego na Ilha. A chegada do “desenvolvimento” a algumas comunidades pode causar a destruição ambiental e também cultural. Como Canoa Quebrada, no Ceará, ou a Praia do Forte, na Bahia, que não conservam mais características de vilas de pescadores, mas tendem a parecer cada vez mais com shopping centers. O turismo precisa ter limites.

Crédito da Imagem: O Tempo

Pelo que vimos, esse tipo de turismo predatório chegou em Capitólio.

Este texto traz apenas um recorte, afinal não se trata de uma investigação profunda com mergulho nos dados da prefeitura para saber o quanto ela arrecada com o turismo e o quanto isso retorna aos munícipes e aos visitantes em forma de benfeitorias ou se havia profissional contratado ou concursado para o gerenciamento de riscos. Nem pra saber qual o nível ético das agência de turismo que operam por ali. Mas o fato é que a tragédia aconteceu. Há algo muito errado na forma como o brasileiro faz turismo. Decerto que nosso potencial para a atividade ainda é bastante subaproveitado. No entanto, se consideramos a forma desrespeitosa com a qual são tratadas as comunidades locais, o meio ambiente ou mesmo os próprios turistas, enquanto não aprendermos a fazer de outra forma é melhor que todo esse potencial continue apenas latente, aguardando uma versão melhor de nossa sociedade para “explorá-lo” com mais empatia.

 


Paulo Andreetto de Muzio é graduado em Relações Públicas (2005) pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP. Especializou-se em Jornalismo Científico (2016) pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo – Labjor, da Universidade de Campinas – Unicamp, e é mestre em Divulgação Científica e Cultural (2020), também pelo Labjor.

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