Novo relatório do IPCC: a catástrofe do clima e como se adaptar aos extremos

Crédito: Alisa Singer Fonte: IPCC.

É comum surgirem questionamentos sobre a melhor forma de se falar sobre eventos climáticos extremos. Deveríamos manter o tom catastrófico que tem pautado as comunicações científicas e jornalísticas ao tratar das mudanças climáticas? Esse tipo de abordagem é eficiente para engajar a população e governos nessa causa?

Ainda não há consenso, mas é evidente que é impossível dissociar os recentes episódios de enchentes, deslizamentos, calor e estiagem de consequências preocupantes que tendem a aumentar seus impactos negativos na nossa rotina, saúde e bem-estar. E o mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) corrobora esses efeitos e percepções.

Em agosto de 2021, a primeira revisão do relatório destacou o tamanho do efeito que a ação humana tem no sistema climático terrestre. Esta segunda parte do 6º relatório de avaliação do IPCC (AR6 WGII) examina não apenas as causas e efeitos, mas soluções possíveis para conter o avanço do aquecimento global.

O papel do IPCC é justamente atualizar de forma regular as mais recentes descobertas e modelagens futuras para a crise climática. Esse conteúdo deve apoiar a tomada de decisão em políticas públicas e atualizar a sociedade sobre as ameaças e o que ainda pode ser feito para limitar o aumento da temperatura. Nesta última edição, com quase 4 mil páginas, destaco dois aspectos:

Impactos mais severos e generalizados em todas as partes do mundo e em menor prazo

_as temperaturas mais altas estão levando a mais “extremos compostos”, ou seja, várias ameaças climáticas ao mesmo tempo no mesmo lugar ou em sequência. Por exemplo, seca recorrente que reduz a umidade do solo e, como consequência, o crescimento da vegetação, reduzindo precipitações e gerando mais secas em um ciclo ininterrupto.

_secas, calor acima do normal e inundações já ameaçam a segurança alimentar de milhões de pessoas, forçando-as a migrarem.

_temperaturas mais altas facilitam a propagação de doenças transmitidas por vetores, como a malária, ou pela água, como cólera e diarreia, além de aumentarem a incidência de doenças e mortes relacionadas ao calor.

Desigualdade social e conflitos aumentam a vulnerabilidade aos riscos climáticos

_cerca de 3,3 bilhões de pessoas vivem em países vulneráveis aos impactos climáticos, em especial, no sul da Ásia, na América do Sul e Central e na África, e são 15 vezes mais propensas a morrer por condições climáticas extremas.

_nos centros urbanos, assentamentos informais, condições precárias de habitação e falta de acesso a serviços básicos como saneamento dificultam ações que garantam resiliência.

_comunidades rurais e povos tradicionais, como indígenas e quilombolas, que dependem da agricultura ou da pesca, tendem a migrar para as cidades na medida em que os impactos climáticos tornam seu meio de subsistência mais inacessíveis.

_a perda de ecossistemas gera mudanças no uso da terra, poluição e exploração de espécies, ampliando a vulnerabilidade social.

Mas, vamos falar de coisas boas também?

Sim, existe uma notícia positiva. As alternativas já existentes para garantir ações de adaptação são capazes de reduzir os riscos climáticos se houver recursos suficientes e rápida implementação. Aliás, essa é uma inovação deste relatório do IPCC, já que foram analisadas a viabilidade, a eficiência e o potencial de várias medidas adaptativas mencionadas no estudo.

Em resumo, três possibilidades são levantadas:

  1. Programas sociais podem reduzir a vulnerabilidade de comunidades urbanas e rurais a riscos se incluírem iniciativas climáticas e acesso à infraestrutura e serviços básicos, como saneamento e saúde.
  2. Parcerias entre governos, organizações da sociedade civil e setor privado, e processos de governança participativa, podem ajudar na melhoria da resiliência climática em comunidades vulneráveis.
  3. Medidas de adaptação baseadas nos ecossistemas podem reduzir os riscos climáticos, gerar cobenefícios para a biodiversidade e ajudar no sequestro de carbono. Além disso, combinar novas tecnologias e infraestrutura com Soluções baseadas na Natureza (SbN), pode contribuir no desenvolvimento de comunidades mais resilientes.

Fica evidente que enfrentar a crise climática não é uma tarefa fácil. Planos climáticos nas gestões governamentais não são suficientes se não se materializarem em práticas efetivas. Soluções incrementais ou de pequena escala, com foco no curto prazo, são insuficientes para gerar as mudanças necessárias e cada vez mais urgente. Além disso, o relatório sugere que o  apoio financeiro para essa agenda precisa ser impulsionado. A adaptação necessária somente nos países em desenvolvimento vai chegar a US$ 127 bilhões até 2030 e a US$ 295 bilhões até 2050, segundo o IPCC.

Uma terceira parte do relatório está prevista para abril e vai abordar como reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e a quarta e última parte deve resumir as demais, sendo  publicada em outubro, antes da COP27, que será realizada em novembro, no Egito. Essa Cúpula do Clima será uma oportunidade crucial para que governos, sociedade civil e empresas avancem nessas frentes, com atenção especial às nações menos desenvolvidas.

“Este é realmente um momento-chave. Nosso relatório aponta, muito claramente, que esta é a década da ação, se nós quisermos mudar esse quadro.” Debra Roberts, copresidente do IPCC


Jaqueline Nichi é jornalista e cientista social com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutoranda no Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança multinível e multiatores.

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