
Os recentes desastres climáticos com chuvas acima da média e dezenas de mortos, desaparecidos e desabrigados em Manaus, Rio Branco e no litoral norte de São Paulo reiterou uma prática comum das autoridades brasileiras: atribuir a culpa às chuvas. Mas a normalização de áreas de risco nas cidades torna esse discurso incoerente.
Fortes chuvas de verão, mesmo muito acima da média, não são uma novidade, mas a anormalidade meteorológica não é a única a causar catástrofes humanas. A especulação imobiliária e o adensamento urbano têm empurrado cada vez mais a população para ocupações irregulares próximas a encostas de morros e margens de rios.

Esse filme de terror visto todos os anos é uma ameaça constante nas cerca das 40 mil zonas de risco monitoradas pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (CEMADEN). Mas não somente. No início deste mês, uma senhora de 88 anos morreu em decorrência de uma parada cardiorrespiratória após perder o controle do veículo e bater em uma árvore em Moema, bairro nobre de São Paulo, após ficar presa numa enxurrada. Isso mostra que a emergência climática não se restringe aos cidadãos ou regiões mais pobres.
Dado esse cenário, no último dia 26, a Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, anunciou que estuda um decreto para instituir emergência climática permanente em 1.038 cidades em que eventos extremos podem causar efeitos mais graves. Esse mecanismo deve permitir atividades preventivas baseadas em estudos de solo e drenagem, além da antecipação de apoio assistencial e remoção de famílias em áreas de risco. Em entrevista coletiva ao lado do ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, Marina destacou o papel da ciência na predição de eventos extremos.

Com essa visão de longo prazo e uma estrutura permanente de gestão será possível mitigar e prevenir os impactos climáticos e não apenas remediar ou minimizar as suas consequências. Mudanças na legislação e políticas públicas voltadas à infraestrutura e ao planejamento urbano inteligente e sustentável são essenciais, já que estamos lidando com um fenômeno relativamente novo.
Da mesma maneira, a comunicação entre os níveis de governo e as comunidades precisa ser melhor articulada e transparente a fim de mobilizar os atores envolvidos em tempo hábil e garantir justiça climática às populações mais vulneráveis.
Jaqueline Nichi é jornalista e cientista social com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutoranda no Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança multinível e multiatores.
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