A pesquisa de doutorado da bióloga Mayara Pastore resultou na descoberta de uma nova espécie botânica na Amazônia Central. Dicranostyles yrypoana é uma liana (cipó) da família Convolvulaceae, mesma da batata-doce, embora não desenvolva a raiz tuberosa. A pesquisa teve como base materiais de herbário, pois a planta não é coletada na natureza desde 1995 e se encontra em perigo de extinção. O artigo científico com a descrição da espécie foi publicado em março na revista científica Systematic Botany.
O processo da descoberta
Mayara faz doutorado no Programa de Pós-Graduação em Botânica Tropical do Museu Paraense Emílio Goeldi com a Universidade Federal Rural da Amazônia, em Belém-PA. Em sua pesquisa, a bióloga trabalha com sistemática de uma tribo dentro da família Convolvulaceae. Esse trabalho inclui o levantamento dessas espécies, com sua descrição, ilustração e revisão taxonômica, o que pode resultar na descoberta de novas espécies. Tribo é um nível de classificação de um determinado grupo de seres vivos entre os níveis de família e gênero. A pesquisadora estuda três gêneros de Maripeae, tribo predominantemente amazônica (com exceções na América Central e no Cerrado). Um desses gêneros é Dicranostyles, o da espécie descoberta. A pesquisa envolve ainda o estudo evolutivo. “Também coleto material para análise genética em laboratório e um dos resultados é entender as relações evolutivas entre essas espécies dentro da família”, relata Mayara.
O estudo que resultou na descoberta da espécie foi baseado na análise de materiais de herbário (coleção que preserva plantas desidratadas) e envolveu atores de diferentes instituições. A pesquisadora examinou presencialmente amostras do gênero Dicranosytyles em 17 herbários, bem como imagens de outras coleções do Brasil e de outros países. As análises dos grãos de pólen foram feitas no Laboratório de Micromorfologia Vegetal da Universidade Estadual de Feira de Santana e na Fundação Oswaldo Cruz, ambos no estado da Bahia. O trabalho tem ainda a coorientação de uma pesquisadora científica do Instituto de Pesquisas Ambientais, de São Paulo.
A doutoranda conta que chegou a tentar coletar novas amostras da espécie recém-descoberta em campo, mas sem sucesso. “Fiz bastante coletas, fui até o local de coleta de um dos registros da D. yrypoana, mas não a encontramos na natureza. Essa planta ainda não foi reencontrada desde a década de 1990”, comenta.
Conforme o texto do artigo científico, “Os espécimes de D. yrypoana permaneceram nos herbários com identificação duvidosa por pelo menos 60 anos. A espécie é conhecida de apenas três coletas: a primeira em 1956, em área atualmente urbanizada no município de Manaus; a segunda em 1969, em uma área degradada pelo agronegócio no município de Santarém; a terceira em 1995 na Reserva Florestal Adolpho Ducke, Manaus”.
Mayara argumenta que são necessários mais recursos pra irmos atrás dessa planta. “Provavelmente ela não foi mais re-coletada porque não foi procurada mais vezes. Foram duas buscas em campo e essas plantas são difíceis de encontrar” esclarece a pesquisadora.
Espécie em perigo de extinção
Dicranostyles yrypoana foi avaliada preliminarmente como Em Perigo (EN), segundo os critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).
Essa classificação é determinada pelo fato da espécie ser conhecida apenas em dois lugares. “São dois registros em uma localidade e um registro em outra. Há também a perda de habitat e de sua extensão de ocorrência. Duas dessas coletas provavelmente nem existem mais. Uma foi em Manaus-AM, na área urbana, onde hoje é uma avenida. Outra na beira de uma estrada, em Santarém-PA, de uma vegetação que já foi suprimida”, explica Mayara.
O nome científico da espécie refere-se a yripo, que significa cipó na língua dos Sateré-Mawé, etnia nativa da região de ocorrência da planta. São povos originários da divisa dos estados do Amazonas e do Pará, entre os rios Tapajós e Madeira na Amazônia Central, entre Manaus e Santarém. Denominados regionalmente como Mawés, esses povos protegem e vivem integrados às florestas desde tempos imemoriais.
Paulo Andreetto de Muzio é graduado em Relações Públicas (2005) pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP. Especializou-se em Jornalismo Científico (2016) pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo – Labjor, da Universidade de Campinas – Unicamp, e é mestre em Divulgação Científica e Cultural (2020), também pelo Labjor. Atua na Frente Ampla Democrática Socioambiental (FADS).
Excelente matéria. Parabéns!