Cobertura sobre mudanças climáticas é distante, técnica e limitada, diz estudo

O Brasil enfrentou o mês mais quente em 62 anos e foi só mais um reflexo do recorde de calor registrado em todo o mundo: a China estabeleceu um novo recorde de temperatura nacional de 52,2 °C, geleiras da Antártida alcançaram recordes de derretimento e inundações na Índia e na Coreia do Sul deixaram milhares de desabrigados. Um sistema de alta pressão chamado Cerberus — em homenagem ao cachorro de três cabeças da mitologia grega — causou incêndios florestais e condições extremas de calor na Europa, resultando na morte de mais de 60 mil pessoas.

O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, anunciou que entramos na era da “fervura global” devido aos eventos climáticos destacados em 114 primeiras páginas de 84 jornais em 32 países, segundo o Carbon Brief.

Ao avaliar a cobertura do tema em jornais e revistas de todo o mundo, fica evidente que a notícia precisa se aproximar mais do público e reduzir o jargão técnico. Essa análise também é resultado de uma pesquisa do Instituto Modefica, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que também aponta ser preciso ir além das pautas sobre Amazônia e explorar com mais profundidade as causas e os responsáveis pelas crises ambientais.

De fato, o jornalismo é um instrumento relevante para conscientizar e gerar diálogo a respeito das mudanças climáticas. A cobertura da pauta climática pode influenciar as políticas públicas, as ações individuais e empresariais e mobilizar soluções.

A partir da análise do estudo e da cobertura midiática global sobre a crise climática, cinco aspectos se destacam:

  1. Enquadramento da notícia: como a mídia apresenta as histórias climáticas é crucial. Isso inclui a escolha de palavras, títulos, manchetes e imagens utilizadas. Enquadramentos positivos podem inspirar ações, enquanto enquadramentos negativos podem causar desânimo e apatia. A cobertura também pode se concentrar em impactos locais ou globais, bem como em diferentes setores da sociedade.
  2. Precisão e evidências: as questões climáticas são complexas e multidisciplinares, o que exige que os jornalistas tenham um entendimento sólido dos conceitos científicos subjacentes. A utilização de fontes confiáveis e cientificamente embasadas é fundamental para manter a credibilidade.
  3. Diversidade de vozes: a pauta climática deve refletir uma variedade de perspectivas, incluindo científicas, políticas, econômicas e a visão das comunidades mais afetadas. Isso ajuda a enriquecer o debate e oferece uma compreensão mais completa das implicações das mudanças ambientais.
  4. Soluções e ações: além de relatar os problemas, a mídia deve destacar soluções e ações concretas. Isso pode envolver apresentar iniciativas aplicáveis, políticas inovadoras, tecnologias verdes e mudanças de comportamento que contribuam para a mitigação e adaptação às mudanças do clima.
  5. Contextualização e intersecções: as questões climáticas não estão isoladas de outros eventos e tendências sociais, políticas e econômicas. As notícias climáticas devem compor um cenário mais amplo e destacar as conexões entre clima, saúde pública, justiça social, economia e outros aspectos relevantes.

A cobertura das mudanças climáticas também enfrenta desafios, como a polarização política, a desinformação e o ceticismo em relação à ciência. É importante que a mídia aborde esses desafios de maneira eficaz para fornecer uma compreensão precisa e completa dos diferentes cenários e evitar o negacionismo climático.

Em última análise, a cobertura da pauta climática pela mídia desempenha um papel crucial na educação pública e na promoção de ações significativas para enfrentar os desafios impostos por esta questão que afeta a todos. Assim, a qualidade e a abrangência dessa cobertura têm o potencial de moldar atitudes, influenciar políticas e contribuir para um presente com mais esperança para um futuro possível.


Jaqueline Nichi é jornalista e cientista social com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutoranda no Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança multinível e multiatores.