Inicio o texto dando uma dica para jovens cientistas em formação que estejam buscando algum tema inédito para sua pesquisa mas ainda não sabem qual escolher. Se estiver dentro de sua área de interesse, que tal estudar a presença de microplásticos nos órgãos de algum grupo de seres vivos aleatório? No caso do objeto de pesquisa eleito ainda não haver sido estudado, me arrisco a garantir que você terá resultados positivos inéditos. Porque os plásticos já estão em todo lugar. Se bem que isso tá mais pra resultado negativo.
Fazendo um catado pela rede, trago algumas referências de pesquisas científicas recentes que mostram alguns dos lugares onde microplásticos já foram encontrados. É provável que muita coisa fique de fora, mas já dá pra ilustrar a dimensão do problema.
Em fevereiro, divulgamos aqui no blog Natureza Crítica uma pesquisa que apresentou o primeiro registro de contaminação de microplásticos em morcegos. No estudo, realizado por uma aluna de mestrado da Universidade Federal do Pará (UFPA), foram analisadas 25 espécies diferentes, que ocorrem em 26 pontos rurais e urbanos do estado brasileiro do Pará, e os resultados mostraram que 96,3% dos morcegos possuíam resíduos plásticos no aparelho digestivo ou no trato respiratório.
Conforme um estudo do ano 2018, realizado por pesquisadores da França e do Reino Unido, os microplásticos têm sido observados na precipitação atmosférica, tornando-se microfibras respiráveis, o que sugere potencial exposição das microfibras a organismos que apresentam respiração pulmonar.
Neste mês de setembro, uma pesquisa realizada por cientistas brasileiros encontrou microplásticos no bulbo olfatório (região do cérebro responsável pela detecção de odores) de seres humanos.
Também no início deste ano, um estudo realizado por pesquisadores da Universidade do Novo México (Estados Unidos) avaliou 47 testículos caninos e 23 humanos e revelou a presença de microplásticos em todos eles, o que destaca a presença generalizada do material no sistema reprodutor masculino, com potenciais consequências na fertilidade.
No ano de 2021, estudo realizado por pesquisadores italianos apresentou a primeira evidência de microplásticos na placenta humana. Em outra pesquisa, publicada naquele ano por cientistas da China e dos Estados Unidos, foram analisadas três amostras de mecônio (material fecal produzido pelos fetos e bebês antes do nascimento), seis de fezes de bebês e 10 de adultos. No estudo, foram encontrados microplásticos em algumas amostras de mecônio e em todas as amostras de fezes de bebês e de adultos. No caso dos adultos, em concentrações menores, o que sugere que bebês estão expostos a níveis mais altos de microplásticos. Em 2022, outro trabalho realizado por pesquisadores da Itália analisou amostras de leite materno humano de 34 mulheres, sendo que em 26 foi constatada a presença de microplásticos.
A contaminação por microplásticos também já foi observada em peixes de água doce e organismos marinhos. Em 2020, pesquisadores da Universidade de Newcastle (Reino Unido), publicaram a descoberta de uma nova espécie de crustáceo encontrada na Fossa das Marianas, entre o Japão e as Filipinas, uma das regiões mais profundas do Oceano Pacífico. Na ocasião, foi encontrado plástico no intestino de um dos espécimes avaliados. Assim, a nova espécie, que vive a uma profundidade de até 7 km, recebeu o nome científico de Eurythenes plasticus, como forma de chamar a atenção para o impacto desse tipo de poluição que afeta milhares de espécies marinhas. Mesmo aquelas que vivem nas maiores profundidades.
Em junho deste ano, uma pesquisa da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) revelou que a água, a areia e os peixes das praias do município paulista de Ubatuba estão contaminados com microplásticos. No dia 26 de setembro, estudo assinado por pesquisadores das universidades federais de Santa Catarina (UFSC) e do Espírito Santo (Ufes) e da Universidade de São Paulo (USP) constatou a rápida dispersão de microplásticos no oceano. A pesquisa mostrou que microplásticos vindos do porto de Itajaí (SC) chegam a praias a 80 km, como as de Florianópolis, em até dois dias.
Em 2022, o relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) alertou para o aumento alarmante de plásticos na agricultura, o que causa a contaminação do solo, afetando as plantas ao reduzir o crescimento das raízes e a absorção de nutrientes e ameaçando a saúde humana. Naquele mesmo ano, artigo científico de pesquisadores da Índia e da Rússia abordou as implicações das interações dos microplásticos com plantas, apontando que a absorção e o acúmulo desse contaminante por plantas vasculares, podem ter uma variedade de efeitos ecológicos em ecossistemas terrestres, podendo resultar na transferência de microplásticos em diferentes níveis tróficos.
Mas nem só os microplásticos são o problema. Também neste mês de setembro, uma pesquisa das universidades federais Fuminense (UFF) e Rural da Amazônia (UFRA) e instituições parceiras analisou o trato gastrointestinal de tartarugas marinhas encalhadas no litoral do estado do Rio de Janeiro e constatou que quase 70% delas ingeriram detritos de origem humana. Mais da metade desses detritos foram resíduos de plástico flexível, como os de sacola. Em outra pesquisa, publicada em abril deste ano, pesquisadores da USP e da Universidade Federal do Paraná (UFPR) encontraram 749 peças plásticas usadas no tratamento de água e esgoto em onze praias do litoral do Paraná.
O plástico já está no ar, na água, no solo, nas plantas, nos bichos e em diversos órgãos corpo humano. Os males desse poluente são diversos, afetando a saúde das pessoas, dos animais e dos ecossistemas. No entanto, as referências trazidas nesse texto são apenas um pequeno recorte da realidade. Certamente, o problema é ainda muito maior do que o que foi mostrado aqui. Quanto mais procurarmos, mais iremos encontrar. Pois o plástico já conseguiu o que até mesmo o demônio que o criou e o dispersou não conseguiu. Estar onipresente.
Paulo Andreetto de Muzio é graduado em Relações Públicas (2005) pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP. Especializou-se em Jornalismo Científico (2016) pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo – Labjor, da Universidade de Campinas – Unicamp, e é mestre em Divulgação Científica e Cultural (2020), também pelo Labjor. É servidor público do estado de São Paulo no cargo de Especialista Ambiental, tendo trabalhado na Coordenadoria de Educação Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente (2009-2011) e no Instituto Florestal (2011-2020). Desde 2021 está no Instituto de Pesquisas Ambientais. Atua na Frente Ampla Democrática Socioambiental (FADS).
Parabéns Andreetto,Artigo tristemente inspirador!O Antropoceno é feito de plasticos...