
Em 2024, a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) completou 15 anos. Sancionada em 2009, ela se consolidou como marco legislativo central da política climática brasileira ao integrar o tema ao planejamento nacional e estabelecer metas e instrumentos para reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE).
Passada uma década e meia, o balanço é misto. Embora haja avanços importantes, também são evidentes estagnações e fragilidades institucionais que ameaçam o protagonismo climático que o Brasil pretende retomar, especialmente com a chegada da COP30.
A PNMC foi inovadora ao introduzir, pela primeira vez, metas voluntárias de redução de emissões (entre 36,1% e 38,9% até 2020) e criar mecanismos como o Sistema de Estimativa de Emissões de GEE (SEEG), o Fundo Clima e os planos setoriais de mitigação. Essa meta foi atingida com folga, graças, sobretudo, à expressiva queda no desmatamento da Amazônia entre 2004 e 2012, responsável por cerca de 75% da redução de emissões no período (MCTI, 2023; WRI, 2024).

Na agricultura, o Plano ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono) destacou-se como uma política pública inovadora, ao incentivar práticas sustentáveis com impactos positivos na recuperação de pastagens degradadas e na fixação biológica de nitrogênio. Apesar de limitações na rastreabilidade dos impactos e na integração com outros instrumentos, o plano serviu de modelo para outros países e demonstrou ser possível aliar produtividade à mitigação de emissões.
Governança climática: avanços interrompidos e governança climática frágil
Apesar dos avanços institucionais, a continuidade dessas ações foi prejudicada por descontinuidades políticas. O Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), por exemplo, sofreu paralisações, perda de competências e mudanças de composição que esvaziaram sua capacidade de coordenação (Franchini & Viola, 2021). A governança intersetorial da PNMC nunca se consolidou plenamente, o que resultou em articulação precária entre os ministérios e fraca implementação.
O Fundo Clima, por sua vez, teve execução orçamentária irregular e foi criticado pela concentração excessiva de recursos no BNDES, com baixa transparência e pouca capilaridade para apoiar projetos descentralizados (IPEA, 2023). A ausência de mecanismos sólidos de accountability e de avaliação de impacto reforça um ciclo de baixa eficácia: os instrumentos existem no papel, mas não se traduzem em ações concretas e sistemáticas.
Ainda assim, a agenda climática brasileira não ficou estagnada. Nos últimos anos, houve crescente integração da mudança do clima a áreas estratégicas como a Transição Energética Justa, o Plano Nova Indústria Brasil e o Plano de Transformação Ecológica. O reconhecimento da mudança do clima como vetor de política econômica é um passo relevante.
No campo regulatório, a aprovação da Lei nº 14.904/2024 (Marco da Adaptação) e o Projeto de Lei do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões, ainda em tramitação, mostram uma tentativa de atualizar o arcabouço jurídico. Contudo, o desafio agora é garantir a convergência dessas iniciativas. A fragmentação normativa e a sobreposição de planos e programas exigem uma instância coordenadora, papel que o novo Plano Clima pode e deve cumprir (FGVces, 2024).
Entre compromissos diplomáticos e a fragilidade legal
O Brasil apresentou à UNFCCC uma nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), com a meta de reduzir em 53% suas emissões até 2035, em comparação a 2005. Apesar de mais ambiciosa, a meta carece de respaldo legal na PNMC e não está amparada por legislação específica, o que a torna politicamente vulnerável e juridicamente frágil (UNFCCC, 2024; Instituto Talanoa, 2024). O problema é que, sem vinculação normativa, os compromissos internacionais correm o risco de se reduzirem a meras declarações diplomáticas.
O Plano Clima 2025, articulado à reativação do CIM, oferece uma oportunidade estratégica para preencher essa lacuna. Mais do que novos planos, é necessário um marco legal atualizado que incorpore os objetivos da NDC e defina mecanismos vinculantes de governança, monitoramento e financiamento.
O Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE 2034), por exemplo, projeta aumento das emissões no setor energético, evidenciando o descompasso entre metas climáticas e planejamento infraestrutural (EPE, 2024). Essa desconexão compromete a credibilidade da política climática e escancara a urgência de estabelecer orçamentos de carbono setoriais e cronogramas de pico de emissões realistas.
Como já alertado pela Climate Policy Initiative (CPI, 2023), os investimentos em clima no Brasil estão muito abaixo do necessário para alinhar o país a uma trajetória de 1,5 °C. Manter o discurso da “neutralidade sem planejamento” pode aprisionar o Brasil em um modelo de crescimento intensivo em carbono, indo na contramão da transição global.
COP30: oportunidade e teste de coerência
Essa lacuna entre ambição e legislação seria grave em qualquer contexto, mas se torna crítica às vésperas da COP30, marcada para novembro em Belém. A conferência colocará o Brasil no centro das negociações internacionais e ampliará o escrutínio global sobre suas ações (ou omissões) climáticas. A COP30 será um teste de coerência: o país precisará demonstrar capacidade de converter ambição diplomática em políticas concretas, com metas vinculantes, instrumentos operacionais e governança eficaz.
A consulta pública dos planos setoriais de mitigação, atualmente em curso, representa uma chance real de corrigir distorções históricas, como metas genéricas, sobreposição de competências e ausência de cronogramas, desde que o governo garanta transparência, escuta qualificada e compromisso com a implementação efetiva.
A expectativa positiva é de que o Plano Clima 2025 represente um ponto de inflexão. Se articulado à NDC e ancorado em nova legislação que atualize a PNMC, ele poderá cumprir um papel importante: alinhar compromissos internacionais com ações domésticas, reduzir a fragmentação institucional e gerar sinais consistentes para investidores, sociedade civil e entes subnacionais.

Por isso, a COP30 oferece ao Brasil a chance de se posicionar como líder em justiça climática e transição ecológica. Integrando o G20, os BRICS e bancos multilaterais de desenvolvimento, o país tem o potencial de exercer protagonismo em temas como financiamento climático, justiça ambiental e cooperação Sul-Sul (G20 Brasil, 2024; WRI Brasil, 2024).
Para isso, o Plano Clima precisa se firmar como eixo estruturante da ação climática nacional, com mecanismos claros de articulação federativa e interministerial. Estados e municípios da Amazônia Legal devem deixar de ser tratados como apêndices e assumir protagonismo. Mas isso só será possível se o país romper, de forma definitiva, com o ciclo de promessas ambiciosas e políticas frágeis.
Referências
CLIMATE POLICY INITIATIVE (CPI). Panorama dos investimentos em clima no Brasil. 2023. Disponível em: https://www.climatepolicyinitiative.org.
EPE – Empresa de Pesquisa Energética. Plano Decenal de Expansão de Energia – PDE 2034. 2024. Disponível em: https://www.epe.gov.br.
FGVces – Centro de Estudos em Sustentabilidade. A PNMC e o novo Plano Clima. 2024. Disponível em: https://eaesp.fgv.br/centros/centro-estudos-sustentabilidade/projetos/plano-clima-mitigacao
FRANCHINI, Mariana; VIOLA, Eduardo. Governança climática no Brasil: retrocesso e estagnação entre 2016 e 2020. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 11, n. 2, 2021. Disponível em: https://www.rbdpp.org.br/rbdpp/article/view/982.
G20 BRASIL. Prioridades da presidência brasileira do G20. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/g20.
INSTITUTO TALANOA. NDC do Brasil detalha políticas climáticas; meta para 2035 mira acessar mercados internacionais de carbono. 2024. Disponível em: https://institutotalanoa.org/wp-content/uploads/2024/11/NDC-Reacao-Portugues-20241113.pdf.
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Avaliação do Fundo Clima. 2023. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/server/api/core/bitstreams/7ee00a93-b6a1-4716-89cf-5b5a4b6d4695/content.
MCTI – Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Relatório de Emissões de GEE – Brasil 2022. Disponível em: https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/sirene/publicacoes/estimativas-anuais-de-emissoes-gee.
OBSERVATÓRIO DO CLIMA. 15 anos da PNMC: balanço e perspectivas. 2024. Disponível em: https://www.oc.eco.br.
UNFCCC. Brazil’s Enhanced NDC Submission – 2024. 2024. Disponível em: https://www4.unfccc.int/sites/NDCStaging.
WRI BRASIL. Justiça climática e financiamento verde: o papel do Brasil. 2024. Disponível em: https://www.wribrasil.org.br.
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Jaqueline Nichi é jornalista e cientista social, pesquisadora de pós-doutorado no Centro de Síntese USP Cidades Globais (IEA/USP) e doutora em Ambiente e Sociedade pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Universidade de Campinas (NEPAM/UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas: Governança Multinível, Políticas Climáticas, Planejamento Urbano Sustentável e Cidades Inteligentes.
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