Os tempos estão mudando
O que os pesquisadores acham de seus artigos científicos estarem completamente disponíveis, de graça, na web depois de 1 ano de publicação?
Se você, pesquisador, ainda não tem opinião formada a este respeito… é bom saber que isso pode acontecer, muito em breve.
Atualmente muito se especula sobre os caminhos a serem seguidos pelas publicações científicas. O relativamente recente surgimento do “acesso aberto” (open access) de várias revistas (pagas; mas nem todas) está ganhando importância, porém o preço a se pagar para se publicar em algumas destas revistas pode ser proibitivo. Sendo assim, o relatório apresentado discute vários aspectos relacionados à disponibilização de informações científicas de maneira irrestrita, sem que existam diretrizes específicas. Mas enfatiza a importância crescente de uma criteriosa revisão-por-pares (peer review), da participação de proprietários de empresas editoriais de publicação científica (stakeholders – é isso mesmo?), bem como de uma contínua inovação deste processo.
De maneira a que estas mudanças sejam efetivas, será necessário um processo extremamente colaborativo e flexível por todas as partes envolvidas. Em particular as agências de fomento norte-americanas deverão estimular a disponibilização das publicações científicas, de preferência nos próprios sites das revistas, em vez de se criar um repositório onde todas estas publicações estariam centralizadas. A elaboração de um sistema desta natureza envolveria pesquisadores, editores, bibliotecários, administradores de universidades e, obviamente, o público em geral. Deverá ser criado um sistema que proporcione um sistema eficaz de busca de informações bibliográficas, de maneira a que estas possam ser utilizadas de maneira mais eficaz e gerar conhecimento.
Os signatários do editorial da Science – Paul N. Courant, James J. O’Donnell, Ann Okerson e Crispin B. Taylor – se mostraram particularmente otimistas em vista de tais mudanças.
É isso. Os tempos estão mudando. A disponibilização do conhecimento científico de forma irrestrita pode trazer mudanças radicais à sociedade em geral. Seria de se prever que o aumento do nível geral de informação e de educação da sociedade como um todo levasse à total derrocada de crenças obscurantistas e totalmente infundadas, como o criacionismo por exemplo.
Não li o relatório resultante do encontro da mesa-redonda. Mas este pode ser acessado livremente aqui.
A referência do editorial da Science é:
Courant, P., O’Donnell, J., Okerson, A., & Taylor, C. (2010). Improving Access to Research Science, 327 (5964), 393-393 DOI: 10.1126/science.1186933
Discussão - 11 comentários
A medida sem dúvida é alvissareira, mas não partilho do otimismo em relação à derrota do criacionismo.
Qto ao stakeholder, é uma palavra difícil de se traduzir. Ela envolve todos os que estão decisivamente envolvidos no sucesso de um empreendimento - inclui os investidores (proprietários ou não), no caso de revista, os editores tb.
[]s,
Roberto Takata
Acho essa uma excelente notícia!!! Que bom que estejam pensando em como resolver o montante muitas vezes proibitivo que o pesquisador tem que pagar para publicar em periódico aberto. Porque resolvido esse entrave, acredito que todos tenham a ganhar em um mundo open access.
A ideia é ótima, bem "obamista". Mas eu queria saber se vai ser o povo americano é que vai pagar a conta. Não existe almoço gratis !
Meus dois centavos nessa discussão
Pô, só dois centavos?
Roberto
Oi Takata,
Gostei do "alvissareira". Chique.
Obrigado quanto aos esclarecimentos sobre o significado de "stakeholder". Difícil de traduzir.
abraço,
Roberto
Long time ago, a ciência era restrita a intelectuais, e a massa trabalhadora não sabia nada de nada. A Royal Institutions na Inglaterra tinha sido criada para levar saber e conhecimento ao Zé Povinho. Só que ralando cerca de 80h semanais, num regime semi-0escravoi, era difícil alguém se interessar por ciência. Daí, temos a alienação.
A Plos One, apesar das críticas que lhe dirigem, dá acesso aberto e irrestrito. O cientista paga 2 mil doletas para publicar, mas e daí? 2 mil dólares "lá", não é tanto. E o conhecimento está de livre acesso a qq um. Não podemos permitir que o conhecimento fique restrito só a cientistas (mediante assinatura das publicações, óbvio); senão, isso não é conhecimento, que em latim se escreve Scientia.
Concordo plenamente que a ciência deve estar disponível para todos aqueles que quiserem conhecê-la e explorá-la.
Só que não são todos os cientistas que podem pagar 2 mil dólares para publicar um artigo na PLOS One, isso eu garanto. Mesmo que seu artigo tenha mérito para tal. Mas, como o MHL disse (http://scienceblogs.com.br/quimicaviva/2009/12/sobre_twitter_facebook_e_acess.php#comment-2222380), isso não é problema 🙂
Sim, Roberto. Mas veja que a Plos One é ua excelente iniciativa, que deve ser imitada. O que eu quis ressaltar é a importância do acesso aberto. Se outras publicações disponibilizarem seu acervo gratuitamente, poderá haver uma concorrência para se ter melhores artigos; é complicado, eu sei. Mas isso deve começar pelos próprios cientistas, como fez o professor Jonathan Eisen com seu artigo na Nature, sobre a Enciclopédia Microbiológica. [1] [2] [3].
Discordo do MHL sobre não atingirmos uma igualitariedade, pois o ser humano é único (tenho o hábito de não usar estrangeirismos desnecessários). Podemos chegar bem perto disso se quisermos. Recostarmos e darmos de ombros, dizendo que o mundo é assim não melhorará em nada.
O pessoal da Informática defende tanto o Software Livre. Que tal se nós, cientistas, defendermos a Ciência Livre? Tanto para quem publica, quanto para quem acessa. O conhecimento não deve ficar restrito a "assinantes", nem serem cobrados de quem o produziu. Acho que os governos deveriam examinar isso com mais carinho (principalmente aqueles que cortam mais de um bilhão de reais do Ministério de Ciência e Tecnologia).
Não é de se espantar que todo esse impasse sobre como, quando e onde disponibilizar em acesso aberto a produção de cientistas se dê num país como os EUA, tão cioso de seu "Estado Mínimo". Tanto que a reforma na saúde proposta por Obama, tema necessário e urgente por lá, enfrenta séria oposição, adivinhem de quem (oposicionistas com cacife para um poderoso lobby e muito bem representados no Senado americano, diga-se de passagem).
Talvez o maior problema, nesse caso das publicações científicas, seja o excessivo liberalismo dos tais "stakeholders". E concordo que o termo é mesmo de difícil tradução. Mas acrescento mais uma à já bem completa explanação do termo pelo nosso Takata: "atravessadores".
Ah sim, e também, como ele, não partilho do mesmo otimismo polianesco quanto à hipotética derrocada do criacionismo. O buraco é (bem) mais embaixo, chegando mesmo a ser um buraco negro.
A decisão reflete bem as novas tendências da disseminação da informação e faz jus aos investimentos federais na produção do conhecimento.
Apenas lamento o comentário final sobre o criacionismo. Não há como informar e educar a sociedade taxando de crenças obscurantistas e totalmente infundadas qualquer linha de pensamento. Se faz necessário sim, que haja o debate e respeito as divergências que permeiam as mais diversas linhas de produção do pensar humano.
Oi Karine,
Antes de mais nada, obrigado por seu comentário.
O problema é que o criacionismo não é exatamente uma linha de pensamento, se o considerarmos em um contexto de disseminação de informação científica, como é o caso desta postagem. Neste caso, de disseminação de informação científica, o criacionismo situa-se completamente fora de contexto, por não constituir informação de natureza científica e sim de crença.
As divergências de idéias devem ser discutidas - no que concordo absolutamente com você - porém o âmbito de discussão deve ser definido. De outra forma, não se chega a lugar algum.
Tudo de bom.
Roberto