Quiralidade refere-se a uma propriedade geométrica importante em vários ramos das ciências, incluindo matemática, química, genética e bioquímica. Por definição, ela descreve objetos na natureza em que não é possível sobreposição de sua imagem espelhada. [1],[2]

Quando falamos de sobreposição de um objeto com sua imagem refletida no espelho, isso é totalmente literal. Ao contrário, se um objeto pode ser sobreposto em sua imagem espelhada, o objeto é descrito como sendo aquiral. Assim sendo, todos os objetos na natureza podem ser classificados em quiral ou aquiral.

Considere contemplar a beleza da simetria de uma borboleta da Figura 1. Dizemos que uma borboleta é simétrica por que é possível traçar um plano de simetria, de tal forma que um lado desse inseto é exatamente igual ao outro lado. Observe que a borboleta e sua imagem espelhada são idênticas. E, dessa forma, a borboleta e a sua imagem podem ser sobrepostos entre si. Por outro lado, a mão esquerda e a mão direita não podem ser harmoniosamente sobrepostas. Podemos considerar as mãos humanas, direita e esquerda, como um par que representa a presença da propriedade de quiralidade dada à condição de serem não superponíveis.

Figura 1. Definição de objetos quiral e aquiral

Na química, a idéia de quiralidade é a mesma aplicada a objetos. Uma molécula é quiral se pode conservar essa relação de assimetria, assim como as mãos esquerda e direita (objeto-imagem). Ou seja, um composto é quiral se sua imagem especular não é superponivel.  [2]  Estruturalmente, não há diferença alguma entre as moléculas. No entanto, o par de moléculas diferem entre sí apenas na sua distribuição espacial.

Existem muitas moléculas quirais e aquirais no nosso cotidiano. O ibuprofeno é um fármaco quiral disponível na drogaria mais próxima da sua casa para dores de cabeça, cólicas menstruais, dentre outras indicações. A lactose, açúcar natural do leite, é uma molécula quiral. O gás de cozinha chamado de butano, por sua vez, é uma molécula aquiral. Para ficar ainda mais clara a definição de moléculas quiral e aquiral, vamos ver um vídeo que demonstra esses conceitos de forma visual com as seguintes moléculas: hexano e clorobromofluormetano que, por sua vez, são ditas aquiral e quiral, respectivamente.

Na postagem “Tragédia da talidomida – Divisora de águas na regulamentação de medicamento”, ficou claro que a disposição dos átomos é crucial na determinação da atividade biológica. Lá, nós vimos que os isômeros (+)-R-talidomida e a (-)-S-talidomida apresentam resposta biológica completamente diferente. (+)-R-talidomida, seria como a “mão-direita” e o segundo, (-)-S-talidomida, como a “mão-esquerda” (Figura 2). A talidomida “mão-direita” é a que apresenta resultados positivos no tratamento de doenças como a hanseníase e câncer (mielona múltiplo); [3] enquanto que a talidomida “mão-esquerda” reage com o DNA dos óvulos e espermatozoides [4] levando ao desenvolvimento de uma doença chamada de focomelia.

A glicose, açúcar presente no sangue humano também é quiral. O interessante é que apenas uma das formas da glicose que é chamada de “dextrogiro” é reconhecida pelo nosso corpo. A indústria alimentar dietética usa esse conhecimento de quiralidade para criar a específica molécula de adoçantes que o corpo não consegue metabolizar e, portanto, não contribui para o ganho de peso ou auxilia no controle de diabete, por exemplo. Mas, falaremos mais sobre isso no nosso próximo encontro.

Hoje, a minha idéia inicial era introduzir conceitos de quiralidade e o vocabulário de estereoquímica de moléculas do nosso cotidiano para que, posteriormente pudéssemos explorar a quiralidade no desenvolvimento de produtos nas áreas de alimentos e medicamentos. Assim, o fascinante mundo da aplicação de moléculas quirais continua sendo a temática da próxima postagem da Quimikinha.

Até a próxima!

Ciência para todos!

Referências bibliográficas

[1] IUPAC. Compendium of Chemical Terminology, 2nd ed. (the “Gold Book”). Compiled by A. D. McNaught and A. Wilkinson. Blackwell Scientific Publications, Oxford (1997). XML on-line corrected version: https://goldbook.iupac.org/html/C/C01058.html . (September 10, 2018).

[2] Gerlach, Hans. 2013. “Chirality: A Relational Geometric-Physical Property.” Chirality 25(11): 684–85. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/10.1002/chir.22216 (September 9, 2018).

[3] Zhang, J Diana, K M Mohibul Kabir, Hyun Eui Lee, and William A Donald. 2018. “Chiral Recognition of Amino Acid Enantiomers Using High-Definition Differential Ion Mobility Mass Spectrometry.” International Journal of Mass Spectrometry 428: 1–7. https://doi.org/10.1016/j.ijms.2018.02.003 (September 10, 2018).

[4] Palumbo, Antonio et al. 2008. “Thalidomide for Treatment of Multiple Myeloma: 10 Years Later.” Blood 111(8): 3968–77.  http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18245666 (September 12, 2018).


Gisele Silvestre

Atualmente, sou pesquisadora na área de inovação tecnológica no Laboratório Multiusuário de Química e Produtos Naturais sediado na Embrapa - CE (Postdoc). Doutora em Química pela Unicamp (2017). Bacharel em química pela Universidade Federal do Ceará (2011). Interessada na popularização da ciência, parcerias, trocas de conhecimentos científicos e culturais. Tenho como hobby o ato de "aprender" . O conhecimento sempre me surpreende e fascina. Minha missão é compartilhar conhecimento e descobertas científicas. Ciência para todos! Carpe Diem!

5 comentários

Augusto César Cavalcanti de Souza · 17 de setembro de 2018 às 19:55

Massa.

    Osvsldo Barbosa · 14 de janeiro de 2024 às 20:12

    Gostei da explicação sobre quiralidade. Você foi clara e didática. Esse assunto me fascina.Valeu

José Antônio vieira · 14 de maio de 2020 às 20:43

Parabéns Dra. Preciso de mais material
Sou acadêmico curso farmácia

Quiralidade e açúcar raro – glicose, frutose e psicose - Quimikinha · 24 de dezembro de 2018 às 16:02

[…] post “Quiralidade e cotidiano”, nós vimos que existem moléculas que são como “gêmeos idênticos”, embora estruturalmente […]

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