Quem acha que “presidenta” está errado levante a mão!!!!

Houve um período da minha graduação em Letras que me tornei extremamente frustrado com a área. Vou tentar explicar o porquê. Quando uma pessoa se forma em Medicina, ele recebe uma ‘certificação’ do Conselho Regional de Medicina. Esse documento simples assegura que somente pessoas certificadas pelo conselho podem exercer a profissão de médico. Apesar das receitas caseiras da mamãe para curar furúnculo e dor de cabeça, tenho certeza que o CRM não daria à ela uma certificação para atuar como médica. Ademais, o cara que se forma em medicina passa grande parte da sua vida estudando e se preparando tecnicamente para exercer a profissão. O reconhecimento é justo!

Agora a Lingúística! Essa ciência (sim: CIÊNCIA) trata dos diversos aspectos relacionados à linguagem humana. Uma pessoa formada em Linguística supostamente tem o conhecimento técnico dos aspectos que explicam por que uma palavra significa o que ela significa, por que a gramática é do jeito que é, como uma língua evolui, etc. Assim como o médico tem conhecimento técnico e profissional para atuar em assuntos de medicina, o lingüista tem conhecimento técnico e profissional para tratar de assuntos relacionados à linguagem.
A minha frustração surgiu exatamente por que a coisa não funciona assim na Linguística. O fenômeno conhecido como “Illusion of Explanatory Depth” parece ser bem mais proeminente na Linguística. Todo mundo parece ser expert em linguagem. Todo mundo — principalmente as pessoas formadas em alguma coisa — sabe tudo sobre Português, gramática, como que a língua evolui, etc. Eis um fato recente que ilustra o que quero dizer.
Começou a circular em Março pela internet, o seguinte texto que reproduzo na íntegra:
Tenho notado, assim como aqueles mais atentos também devem tê-lo feito, que a candidata Dilma Roussef e seus apoiadores, pretendem que ela venha a ser a
primeira presidenta do Brasil, tal como atesta toda a propaganda política veiculada na mídia.

Presidenta???
Mas, afinal, que palavra é essa totalmente inexistente em nossa língua?

Bem, vejamos:

No português existem os particípios ativos como derivativos verbais. Por exemplo: o particípio ativo do verbo atacar é atacante, de pedir é pedinte, o de cantar é cantante, o de existir é existente, o de mendigar é mendicante… Qual é o particípio ativo do verbo ser? O particípio ativo do verbo ser é ente. Aquele que é: o ente. Aquele que tem entidade.

Assim, quando queremos designar alguém com capacidade para exercer a ação que expressa um verbo, há que se adicionar à raiz verbal os sufixos ante, ente ou inte.

Portanto, à pessoa que preside é PRESIDENTE, e não “presidenta”, independentemente do sexo que tenha. Se diz capela ardente, e não capela “ardenta”; se diz estudante, e não “estudanta”; se diz adolescente, e não “adolescenta”; se diz paciente, e não “pacienta”.

Um bom exemplo do erro grosseiro seria:

“A candidata a presidenta se comporta como uma adolescenta pouco pacienta que imagina ter virado eleganta para tentar ser nomeada representanta.
Esperamos vê-la algum dia sorridenta numa capela ardenta, pois esta dirigenta política, dentre tantas outras suas atitudes barbarizentas, não tem o direito de violentar o pobre português, só para ficar contenta”.

Por favor, pelo amor à língua portuguesa, repasse essa informação…

Bobagem! Lembro que postei um comentário obviamente rejeitando o posicionamento do texto, mas recebi uma resposta dizendo que “foi legal a minha problematização, mas linguagem é utilizada como estratagema político”.
??? (whatever that means….)
Mas cá pra nós, uma vez que a internet é terra de ninguém e está mesmo cheia de bobagens como essa, não liguei muito! Eis que hoje, vejo a seguinte coluna publicada no jornal O Tempo em Belo Horizonte — quem assina a coluna é o jornalista Vittorio Medioli. Reproduzo a coluna na íntegra.
“Entre inovar para pior e manter a postura correta, a segunda hipótese será sempre a melhor. Uma marca, uma diferenciação que a pessoa decida adotar, precisa ser sopesada e analisada por diferentes ângulos, especialmente quando se trata de um Chefe-de-Estado – mais alto exemplo para nação.

A presidente da República decidiu se apresentar “presidenta” Dilma Rousseff. Contrariando regras gramaticais, que destoam até aos ouvidos mais rudes.

A gramática do nosso vernáculo é clara. Quando se deseja identificar uma pessoa para exercer o que o verbo expressa, devem-se adicionar à raiz verbal os sufixos: “ante”, “ente” ou “inte”, independentemente do indivíduo ser de sexo masculino ou feminino.

Portanto, no caso de Dilma se adota “presidente”, com a raiz de presidir e o sufixo “ente”.

Há quem defenda o termo como uma espécie de “licença poética” – permissão dada ao autor para transgredir regras gramaticais como concordância e regência. Não cabe a uma definição de cargo, recorrer a poesia ou a prosa para transgredir a gramática. Aqui tem o certo ou errado, sem espaço para licenças e devaneios.

A definição de presidente Dilma, trata-se do uso correto do vernáculo..

Para quem tem proximidade e familiaridade com o latim, que originou a língua portuguesa, a “presidenta” chega a ficar ainda mais estridente, já que depois de três mil anos de história e de milhões de tratados não se encontra uma variante mais incorreta para uma Chefe de Estado.

Na assessoria da augusta presidente, estranhamente, o erro é aceito e repetido. O chefe tem sempre razão! Esse é primeiro mandamento quando ele ou ela é tão resoluto como Dilma.

Se a moda pegar teremos que estender a novidade para inúmeras designações: mulher gestante será gestanta, a adolescente, adolescenta, a estudante, estudanta e a parturiente de “parturienta”, tudo para rimar com presidenta.

Peguei uma conversa de um apedeuta que concluía com marretadas um ignóbil raciocínio: “senadora e deputada acabam com “a”, portanto….”. Haja ignorância. Não se tem uma raiz de verbo que leve ao sufixo “ente”, ou existe “senadar” ou “deputadar”? Pode-se e deve-se nesses casos finalizar a palavra com a letra “a”, indicando nela a condição feminina da ocupante (não ocupanta) do cargo.

Provavelmente, o apedeuta em questão vive num ambiente em que se adota: chama ardenta, lua nascenta ou carta faltanta. Claro.

Dilma teve um bom começo de mandato, não precisa disso. Ainda dá para corrigir.”
Agora a coisa ficou séria. A bobagem foi publicada em jornal de grande circulação e assinada por um… jornalista. Eis o ponto onde quero chegar. Um linguista certamente não foi consultado acerca do assunto (na verdade foi, mas who cares?). Basicamente, qualquer pessoa pode escrever sobre linguagem, língua, sem correr o risco de “exercer uma profissão da qual não tem formação”. E isso é frustrante. Passar quatro anos na universidade e depois mais alguns de mestrado e doutorado e competir com a grande população leiga é frustrante.
Mas para repudiar a bobagem que o Medioli escreveu, publico na íntegra a resposta à matéria dele, escrita por um amigo meu, linguística e que tem todo o respaldo profissional e técnico para falar sobre o assunto:
Pedro Perini-Santos (Doutor em Linguística, UFMG/Univeristy of California)

Realmente não faz parte da minha postura profissional usar da titulação como mecanismo de argumentação. No entanto, dada a discrepância publicada pelo jornal O Tempo, abro meu comentário assinando-o como “mestre e doutor em linguística”, porque o que o articulista Medioli publicou está errado. Interessantemente, o próprio Tempo em 05/02 deste ano publicou um artigo por mim e por um colega linguista sobre o tema. A forma “presidenta” está correta, porque todos nós entendemos muito bem; entendemos mais do que entendemos “apedeuta”; não serão geradas a partir dela “estudanta”, “eleganta” ou “jornal A Tempa”… Tudo leva a crer que “presidenta”, assim como acontece em outras várias línguas, será uma formulação cristalizada e que não será modelo pra outras derivações, mas demonstra a importância de trabalharmos nas Universidades e na Imprensa por um mundo menos machista e menos agressivo. Certamente, “depois de três mil anos de história e de milhões de tratados” há muitos, muitos e muitos erros ou variantes consideradas “incorretas”; isso não é grave. Grave é a agressividade do texto publicado. Posturas assim geram desinteresse pelos estudos gramaticais, inibem a produção textual de crianças, adolescentes e adultos e fazem com que busquemos algo que nunca existiu e nunca existirá: um idioma perfeito e regular.


Essa informação sim, deve ser repassada! 🙂
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Referência:

Croft, W. (2010). The origins of grammaticalization in the verbalization of experience Linguistics, 48 (1), 1-48 DOI: 10.1515/LING.2010.001

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A ajuda que você precisa: como lidar com pessoas depressivas.

Imagine a seguinte situação: você acorda às 7 da manhã com seu filho de 5 anos dizendo que está com dor de cabeça. Você mede a temperatura da criança e vê que ela está com 39,5 de febre. Você dá um pouco de suco de laranja para ela, mas ela não consegue segura-lo no estômago e vomita o suco. Percebendo o problema, você senta com a criança no sofá da sala e diz: “Oh filho! Não fica assim não. Não fica com febre não, tá bom?” Ou então diz o seguinte: “Oh filho! Você precisa sair dessa febre. Eu sei que é ruim, mas você precisa sair dela, tá bom?” Ou então: “Olha filho, eu sei que está com febre, mas não posso fazer nada por você. Mas sei que você sabe o que fazer! Conto com você!“.

Eu acredito que muita gente vai concordar comigo que esses “métodos” para curar a febre da criança são pouco eficientes. Simplesmente não funcionam. E se você perguntar porquê, todo mundo vai saber responder:

(1) febre não depende de você querer ou não.
(2) febre é algo “físico” que ocorre no organismo e não “algo da sua cabeça”

É isso mesmo. Febre não depende de querer e nem é algo da nossa cabeça. No entanto, quanto se trata de depressão, a história muda. Existe ainda a crença de que depressão se cura “com conversa” e que na verdade depressão é “tristeza” da cabeça de alguém. Parte dessa crença vem da completa falta de conhecimento do que é a doença (o que ela afeta e como ela é combatida) e da completa falta de conhecimento de como lidar com pessoas depressivas. A minha postagem de hoje tem uma função meio utilidade pública: quero te ensinar um pouco sobre a doença e como lidar com pessoas à sua volta que têm depressão.

Primeiro ponto importante: depressão, assim como a febre, é uma doença física. Apesar de conhecermos ainda pouco sobre todas as causas e sintomas específicos da depressão, uma coisa podemos dizer com certeza: depressão tem uma base física (neurológica) bem fundamentada.

A doença: o cérebro humano é composto de, mais ou menos, 10 milhões de neurônios (células nervosas). Essas células são conectadas entre si. Essas conexões que possibilitam que uma célula se comunique com a outra. A comunicação entre dois neurônios ocorre em forma de impulsos elétricos — uma célula envia um impulso elétrico para uma outra célula através da conexão entre elas. A base do nosso processamento cognitivo, movimentos, funções vitais, emoções, etc. está nessa constante troca de impulsos elétricos (um eletroencefalograma, por exemplo, mede exatamente esses impulsos elétricos).

No entanto, quando olhamos essas “conexões” de perto (usando um microscópio), vemos que, na verdade, um neurônio nunca encosta em outro. Existe um espaço entre uma célula e outra — chamado sinapse — e nesse espaço existem moléculas (enzimas) bem pequeninas chamadas neurotransmissores. São essas moléculas que “transmitem” um impulso elétrico de uma célula à outra. É como se elas pegassem o impulso de uma célula e levassem até a outra (uma espécie de office-boy das células). Apesar de pequeninos, esses neurotransmissores têm um papel muito importante no processamento de informação no cérebro. Se eles param de funcionar, a comunicação entre as células fica comprometida.

Um desses neurotransmissores — conhecido como serotonina — está presente em grande quantidade na região límbica do cérebro (a região responsável pelo controle das emoções e do humor). Esse neurostransmissor está envolvido na estimulação de batimentos cardíacos, na estimulação do sono, na excitação sexual, etc. A serotonina é um regulador de extrema importância no funcionamento correto do cérebro, principalmente no que diz respeito à como controlamos nossas emoções. Um outro neurotransmissor importante é conhecido como noradrelina. Esse está relacionado com o sistema que nos mantêm alerta (além de outras funções, claro).

Pacientes com depressão têm uma quantidade comprovadamente pequena de serotonina e noradrelina em suas sinapses nervosas. Em outras palavras, a comunicação entre os neurônios que precisam desse neurotransmissor é extremamente deficiente. E como esses neurônios se encontram em grande quantidade no sistema límbico do cérebro (aquele responsável pelo controle das emoções e humor), o cérebro encontra problemas em “lidar” com essas funções.

É como se o sistema límbico fosse um escritório responsável pelo controle das emoções. Cada neurônio (um funcionário do setor) tem uma responsabilidade distinta. Para um perfeito funcionamento do setor, os funcionários precisam se comunicar efetivamente. Imagine que o funcionário A envie uma mensagem para o funcionário B dizendo como ele deve agir em determinada situação (fogo, por exemplo). Se a informação do funcionário A nunca chega ao funcionário B, não há como o funcionário B saber como agir na determinada situação de fogo. E essa informação só não chegou ao funcionário B, porque o responsável pela transmissão dela (o neurotransmissor) não está presente. De uma forma bem simplista, é isso que ocorre!

Então? Existe remédio para isso? Sim. Sob um ponto de vista puramente biológico, a função do antidepressivo é curar esse problema de comunicação: ele “regulariza” o nível de serotonina (ou noradrenalina, dependendo do tipo de antidepressivo) nas sinapses nervosas. O Prozac, por exemplo, inibe um processo conhecido como “reutilização” de serotonina, o que consequentemente aumenta a quantidade de serotonina disponível na sinapse. Um antidepressivo não vai te deixar “feliz”, mas vai auxiliar no controle da comunicação entre dois neurônios, de maneira que, diante de uma situação em que o controle das emoções seja necessário, essa comunicação ocorrerá de maneira mais efetiva.

Isso quer dizer que a depressão é puramente física? Obviamente, não. Ainda se conhece pouco sobre como todos os fatores (biológicos, genéticos e “sociais”) que se combinam para criar quadros de depressão. Apesar de estar claro os fatores isolados que “causam” a depressão, ainda estamos em fases bem iniciais na compreensão de como esses fatores interagem. Mas ao mesmo tempo, sabemos que há uma disfunção física, de base neurológica, que caracteriza a doença. E isso precisa ser levado em consideração quando lidamos com pacientes depressivos.

Como lidar com eles então? Uma vez que você já sabe que existe um componente físico e que não depende da vontade do paciente para ser curado, evite achar que pode curar depressão com conversa. Da mesma forma que não faz sentido “conversar” para curar febre, não faz sentido apenas “conversar” para curar depressão.

Lembro que quando tive aulas de primeiros-socorros, uma das primeiras coisas que aprendi foi: “não tente remover a vítima, pois você pode piorar a situação dela“. Lidar com uma pessoa depressiva é muito parecido com lidar com alguém que acabou de sofrer um acidente: executar algum procedimento sem “saber” o que está fazendo pode seriamente piorar o quadro da pessoa. Da mesma maneira que, ao lidar com alguém que acaba de sofrer um acidente, você às vezes não pode fazer nada, você não precisa dizer à pessoa que ela vai ficar sem a perna. Mais cedo ou mais tarde ela vai precisar saber que vai ficar sem a perna, mas isso não precisa ser dito na hora da agonia do acidente. Ao conversar com pessoas depressivas, evite dizer coisas do tipo “isso é coisa da sua cabeça”, “você vai sair dessa; só depende de você”, “não posso fazer nada por você”. Mesmo que você não possa fazer nada, diga à pessoa “estou aqui com você e vou procurar ajuda para você”.

Assim como ocorre com pessoas que sofrem um acidente, a cura para a depressão não é imediata. Mesmo após ir para o hospital, a dor das feridas do acidente ainda doem por um tempo. Mesmo depois que a pessoa procurar ajuda (que seja um antidepressivo), a cura ainda demora. O sistema límbico precisa se “reorganizar” para começar a funcionar normalmente de novo. É preciso paciência. E paciência vem com conhecimento do processo. Nunca se culpe pelo estado depressivo de alguém. A sua saúde mental é primordial se quer ajudar alguém depressivo. Mas saber como agir é essencial.

No pior das hipóteses, volte ao guia de primeiros-socorros. Pergunte! Procure saber. Leia sobre o assunto. Pergunte a quem entende. Essa atitude é melhor que do que simplesmente agir de qualquer maneira e arriscar machucar ainda mais alguém que já está suficientemente machucado a ponto de chegar à um quadro depressivo.

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Referência:

Wise, T. (1982). Depression, illness beliefs and severity of illness Journal of Psychosomatic Research, 26 (2), 247-253 DOI: 10.1016/0022-3999(82)90043-5

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O poder implícito das palavras

Durante um período da minha graduação em Linguística, recordo ter ficado extremamente frustrado com a disciplina. A causa da minha frustração era simples (apesar de que só fui descobrir muito tempo depois): eu sentia que eu estudava o óbvio. Sentia que estava “gastando” meu tempo na faculdade estudando uma coisa que “todo mundo” parecia conhecer tão bem. E é isso mesmo. O ser humano é uma “máquina de explicações”. Sempre queremos explicar as coisas do nosso dia-a-dia. É natural, então, que sempre haja uma explicação para essa coisa que é tão comum: “falar”. Pergunte a qualquer mãe como que uma criança aprende a falar e ela certamente te dará uma explicação completa e satisfatória.

No entanto, existe um fenômeno muito explorado em psicologia cognitiva conhecido como Illusion of Explanatory Depth. Basicamente é o seguinte: sempre achamos (temos a ilusão) que sabemos explicar o funcionamento das coisas. Mas se temos que explicar “com detalhes” o funcionamento de algo do qual não somos especialistas, sempre temos problemas. Daí percebemos o quão não sabemos sobre o funcionamento da maioria das coisas e fenômenos do nosso dia-a-dia (e isso inclui, obviamente, o funcionamento da nossa língua).
Todo mundo diz que palavra tem poder. Minha mãe sempre me disse: “cuidado com o que fala, pois palavra não tem mola”. Às vezes apenas a maneira como alguma coisa é dita muda toda a nossa percepção das coisas e até mesmo nossas atitudes. O mais interessante, é que isso ocorre implicitamente. Isso mesmo. O efeito de “como” uma coisa é dita afeta a percepção e atitudes de outras pessoas implicitamente. Exemplo: imagine que você foi convidado(a) para ir ao teatro e deixou seu filho — Paulinho — com a babá. Assim que voltou para casa, você vê que seu vaso favorito está quebrado. A babá então te explica o que aconteceu. Ela tem, basicamente, duas maneiras de explicar para você o ocorrido:

(1) “O Paulinho estava brincando quando o telefone tocou. Ele levantou para atender e derrubou a sua cerâmica favorita“.
ou
(2) “O Paulinho estava brincando quando o telefone tocou. Quando ele levantou para atender, a sua cerâmica favorita caiu“.
Apesar de “aparentemente” semelhantes, para qual das explicações você acha teria uma probabilidade maior de “punir” o Paulinho por ter quebrado sua cerâmica? Um estudo bem legal conduzido em Stanford na Califórnia por Caitlin Fausey e Lera Boroditsky investigou exatamente esse ponto. Como “pistas” linguísticas influenciam o julgamento (percepção) de culpa das pessoas? No estudo, ela conta aos participantes a história de um restaurante que pegou fogo acidentalmente. Após ouvirem a história, as pessoas tinham que decidir o grau de culpa de Mrs. Smith, uma pessoa envolvida no acidente. A forma como a história foi contada variou. Um grupo ouviu a descrição do fato contendo frases “agentivas” (tipo: “Ela derrubou a vela na mesa“) enquanto o outro grupo ouviu a mesma histórias com frases “não-agentivas” (tipo: “A vela caiu na mesa“).
As pessoas que ouviram a descrição contendo frases do tipo “Ela derrubou a vela na mesa” atribuíram um grau de culpa muito maior à Mrs. Smith do que as pessoas que ouviram o outro tipo de história. E mais interessante ainda: até mesmo o valor da multa que a Mrs. Smith deveria pagar pelos danos ao restaurante foi maior para o grupo que escutou a história com frases agentivas. Se eles fossem juízes, a probabilidade de Mrs. Smith ser acusada pelo incêndio ao restaurante seria muito maior.
Alguém pode pensar: hummm!!! Mas eles não são juízes. O que isso tem haver com a vida real? Bom, até 1913 houve um total de 197.745 julgamentos na Corte Criminal de Londres. Dos casos que envolveram “assassinato”, quando a descrição do crime envolvia a palavra “matou” (termos mais agentivo), o índice de veredictos finais dizendo “culpado” foi significativamente mais alto do que quando as descrições dos crimes envolviam a palavra “morreu” (um termo não-agentivo). Casos reais.
Outra situação real: Todo mundo sabe que às vezes a forma como falamos com nossos pais, amigos, namorados, etc. implicitamente sugere que os estamos acusando de alguma coisa. E isso muda todo o tipo de relacionamento e tem implicações sérias. Tenho certeza que não preciso nem dar exemplo disso, né?
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Referência:

Fausey, C., & Boroditsky, L. (2010). Subtle linguistic cues influence perceived blame and financial liability Psychonomic Bulletin & Review, 17 (5), 644-650 DOI: 10.3758/PBR.17.5.644

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Falta de sono e agressividade.

Quem me conhece sabe que eu geralmente durmo muito pouco. Se você me enviar um e-mail às 3 da manhã, horário aqui de Austin, certamente irá receber uma resposta minha em menos de 10 minutos. Em média, eu durmo de 3 a 4 horas por noite. Isso é ruim? Resposta óbvia: SIM. Várias pesquisas mostram que dormir pouco tem um impacto enorme no nosso funcionamento normal, principalmente na execução de tarefas cognitivas: a memória é pior, atenção é pior, etc. Pesquisas mostram, por exemplo, que pessoas que dormem pouco não tomam decisões apropriadas e são mais inflexíveis. O interessante, no entanto, é que existe uma idéia geral de que pessoas que dormem pouco se tornam mais agressivas. Às vezes sou mais ríspido com alguém e sempre me falam: “nossa, você está precisando dormir. Está numa grosseria danada.”

Agressividade, na verdade, tem haver com auto-controle (e não com noites mal dormidas). Pessoas impulsivas (que apresentam pouco poder de auto-controle) geralmente são mais agressivas. Existe um fenômeno interessante que ocorre em relação ao construto auto-controle: todos nós sabemos o quanto é difícil exercer auto-controle o tempo todo. E isso ocorre, pois o exercício de auto-controle é uma tarefa cognitiva que “cansa” o ego. Por exemplo, pesquisas mostram que pessoas que estão tentando perder peso exibem uma tendência muito maior para quebrar a dieta quando passam por um episódio em que devem exercer auto-controle. Deixa eu ser mais claro: se você está tentando perder peso e entra em uma padaria e vê aquela torta de morango deliciosa, mas se segura para não comer, você estará mais propenso a não se segurar quando chegar em casa e ver aquele bolo de chocolate que seu marido ou sua esposa fez. E não só isso. Sua tendência a ser agressivo é maior (certamente você vai comer o bolo de chocolate e ainda vai xingar quem estiver te olhando com ar de reprovação).
Mas e a falta de sono? Será que ela te deixa mais agressivo? Kathleen Vohs (da Universidade de Minnesota), Brian Glass, Todd Maddox e Art Markman (os três aqui da Universidade do Texas) fizeram um estudo bem bacana para investigar essa pergunta. Dos participantes da pesquisa, metade tinha dormido bem na noite anterior ao experimento e a outra metade tinha ficado 24 horas sem dormir. Assim que chegaram ao laboratório, os pesquisadores pediram aos participantes que assistissem à duas cenas nojentas de dois filmes (cenas envolvendo vômito e outros excrementos nojentos).
Metade dos participantes que dormiram bem foram instruídos a não demonstrarem qualquer tipo de reação de nojo (eles tinham que assistir às cenas e não mudar NADA em suas fisionomias). A outra metade foi instruída a agir naturalmente (eles poderiam mostrar que estavam com nojo). O mesmo foi feito com os participantes que não dormiram nas últimas 24 horas.
A idéia era que os participantes instruídos a não demonstrar qualquer tipo de reação teriam que exercer auto-controle e consequentemente, se precisassem exercer auto-controle novamente mais tarde, não conseguiriam (ego cansado…). Já os participantes que agiram naturalmente não teriam problemas em exercer auto-controle mais tarde. E se a idéia de que falta de sono te deixa mais agressivo for verdade, os participantes que não dormiram seriam mais agressivos posteriormente.
Após assistirem aos filmes, todos participaram de um jogo. Nesse jogo, os participantes tinham que pressionar um botão mais rápido que seu oponente presente em uma outra sala (o oponente na verdade era o computador, mas eles achavam que realmente tinha uma pessoa jogando com eles). Cada vez que o participante apertasse o botão mais rápido que o oponente (em um total de 25 tentativas), ele podia escolher o volume de um barulho para ser tocado diretamente no ouvido do oponente. Quanto mais alto o volume que ele escolhesse como punição para o oponente, mais “agressivo” esse participante seria considerado.
Os resultados mostraram que os participantes que tiveram que exercer auto-controle anteriormente foram mais agressivos que os participantes que não tiveram que exercer auto-controle antes. No entanto, o fato de ter ou não dormido não afetou em nada o grau de agressividade dos participantes. Em outras palavras, a falta de auto-controle afeta sim seu nível de agressividade. Mas, diferente do que se pensa, falta de sono não aumenta o seu nível de agressividade.
Um efeito que esse resultado sugere é que se você tenta se controlar e, consequentemente, se torna mais agressivo e após isso, tenta controlar sua agressividade, há uma grande chance de que você vai na verdade se tornar ainda mais agressivo. A dica é: aceite os momentos de “falta de habilidade de exercer auto-controle” e procure relaxar até que essa habilidade se reabasteça e você volte a exercer seu auto-controle (que no final das contas é uma coisa boa).
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Referência:

Vohs, K., Glass, B., Maddox, W., & Markman, A. (2010). Ego Depletion Is Not Just Fatigue: Evidence From a Total Sleep Deprivation Experiment Social Psychological and Personality Science, 2 (2), 166-173 DOI: 10.1177/1948550610386123

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Luto nas Ciências Cognitivas

Ainda estudante de graduação na UFMG, eu sempre gostei de me aventurar pelas aulas da pós-graduação em Estudos Linguísticos. Uma das primeiras disciplinas que participei como ouvinte foi uma disciplina chamada “Aspectos Cognitivos e Culturais da Linguagem”. A disciplina era basicamente uma introdução ao estudo da linguagem humana, levando-se em consideração os aspectos gerais da cognição humana. Na época, como diz minha mãe, eu não sabia “nem a hora que eu estava com fome”. Mas mesmo assim, a disciplina serviu pra mim como uma introdução às Ciências Cognitivas.

Lembro-me de uma aula em que discutimos o primeiro capítulo do livro Rethinking Innateness: a connectionist perspective on development. A aula era sobre conexionismo: esse conjunto de abordagens que, colocando de uma maneira bem simples, basicamente caracteriza a atividade mental e comportamental do ser humano como um processo emergente e que surge da interação de uma rede de unidades mais simples. É uma linha de pesquisa complexa, de maneira que, daquela aula, eu não entendi nada.

Mas sou curioso. Quis saber de onde veio essa idéia e, principalmente, quem começou com essa idéia. De cara, descobri que essa ‘coisa’ chamada conexionismo revolucionou a ciência cognitiva. Fiquei sabendo também que os principais personagens dessa revolução foram os professores David Rumelhart e James McClelland.

Quero falar de David Rumelhart. Ele foi estudante de psicologia e matemática na University of South Dakota (formado em 1963), fez doutorado em Psicologia Matemática em Stanford e, assim que terminou os estudos de doutoramento, em 1967, conseguiu emprego como professor em um dos maiores centros de Ciência Cognitiva do mundo — Universidade da Califórnia em San Diego. Mais tarde, voltou para Stanford como professor.

David (juntamente com o professor James McClelland) liderou uma equipe de pesquisadores que de 1970 a 1980 criaramvários modelos computacionais que simulavam uma variedade de comportamentos propriamentehumanos, tais como percepção, compreensão da linguagem, memória, etc. Juntamente com James McClelland escreveu o livro Parallel Distributed Processing:Explorations in the Microstructure of Cognition. Esse livro é a apresentação do modelo conexionista ao público acadêmico em geral. É o livro que estabelece o caráter inter-disciplinar do modelo conexionista. Um modelo que faz parte das pesquisas em psicologia, linguística, robótica, inteligência artificial, dentre outras áreas.

Davidfoi membro da Academia Nacional de Ciências e recebeu vários prêmios pela contribuição que fez não só às CiênciasCognitivas mas também às ciências em geral.

Davidparou de lecionar em 1998 após contrair uma doença neurológica grave. Em 2000, a fundação Glushko-Samuelson fundou o Prêmio Rumelhart: um prêmio no valor de 100.000 dólares concedido a cientistas que contribuemsignificativamente para o avanço dos estudos sobre a cognição humana. Em 2011, o vencedor do prêmio foi o professor e pesquisador Judea Pearl, que contribuiu significativamente para o avanço dos estudos que aplicam modelos probabilísticos para explicar comportamentos inteligentes.

A notícia triste dessa postagem é que David Rumelhart faleceu no último dia 13 de março emMichigan nos Estados Unidos. O mundo científico perdeu um dos pioneiros no campo da neurociência cognitiva econexionismo. Além da contribuição científica, espero que fique como parte do legado de David para os cientistas de hoje, a imagem de um fazer científico com competência e seriedade. E mesmo não entendendo sobre conexionismo quando eu era aluno de graduação, eu sabia que David Rumelhart era um modelo de pesquisador que eu deveria seguir.

Referência:

Rumelhart, D., Hinton, G., & Williams, R. (1986). Learning representations by back-propagating errors Nature, 323 (6088), 533-536 DOI: 10.1038/323533a0

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Adoce a minha boca que eu te perdoo!

ResearchBlogging.orgOntem escutei a história de uma mulher (28 anos de idade e “casada”) que está insatisfeita com o marido dela. Motivo: ele faz sexo com ela um dia sim e seis não. E, segundo ela, quando ele faz é ruim. A solução que ela encontrou para isso foi: “se aventurar” com outros homens. Conheceu um rapaz pela internet, encontrou-se com ele e fizeram muito sexo (uma tarde inteira). Após isso, ela se encontrou com um amigo do rapaz da internet e, aparentemente, também fizeram muito sexo. Assim que chegou em casa, fez sexo com o marido (ela estava com sorte: era o dia “sim” do marido).

O que você sente quando escuta uma história como essa? Qual é o sentimento que logo vem à sua cabeça? Algumas pessoas sentem “nojo” e classificam tal atitude como altamente imoral e errada. Outras pessoas nem vêem tanto problema assim. Chegam a julgar que viver assim é “uma delícia” e não classificam tal atitude como imoral ou completamente errada. Mas será por que?

Já no século XVIII, o filósofo Hume sugeria que nossos julgamentos de moralidade (certo e errado) estão diretamente ligados às nossas emoções e sensações. Em outras palavras, julgamos se algo é certo ou errado (moral ou imoral) com base em como esse “algo” nos faz sentir. Várias pesquisas na área de Psicologia Social tem mostrado que essa ligação é mesmo plausível. Em 2008, por exemplo, um estudo dividiu um grupo de pessoas em dois grupos menores. O primeiro grupo ficou em uma sala em que os pesquisadores coloram um odor de “peido”. O segundo grupo foi para uma sala sem odor algum (ou um cheiro neutro). Essas pessoas tinham que julgar o grau de “imoralidade” de um conjunto de “ações transgressoras” (tipo: fazer sexo com uma prima). O resultado foi que o grupo que estava na sala com cheiro e peido julgou as ações como mais imorais do que o grupo que estava na outra sala. Em outras palavras, o estudo sugere que o sentimento de “nojo” causado pelo cheiro de peido foi suficiente para influenciar no julgamento de certo ou errado dos participantes.

Mas será que somente a sensação de nojo que influencia julgamentos de moralidade? Lembro de uma vez (eu devia ter 19 anos de idade) que eu estava na sala e escutei minha mãe na cozinha dizer para o meu irmão: “nem mexe com o André, pois hoje ele está super azedo”. Provavelmente, o que minha mãe quis dizer foi que, devido à minha “azedura”,  eu não seria uma fonte de opinião à ser considerada. Será que a sensação física (o gosto, mesmo) de azedo é suficiente para influenciar julgamentos de moralidade?

Foi exatamente essa a pergunta que Kendall Eskine, Natalie Kacinik e Jesse Prinz, da CUNY, investigaram e publicaram no período Psychological Science de Março/2011. O estudo foi bem simples. Eles pediram à um grupo de participantes que julgassem o grau de imoralidade de uma série de ações (dois primos que mantem relações sexuais constantes, um homem que comeu o próprio cachorro morto, um deputado que aceita propina, um advogado que busca clientes em hospitais, uma pessoa que rouba no supermercado e, finalmente, um aluno que rouba livros na biblioteca da universidade).

No entanto, antes de julgarem as ações, um grupo de participantes bebeu um copo de suco docinho, um outro grupo bebeu um copo de suco azedo e um terceiro grupo bebeu um copo com água. A idéia era que os participantes que beberam o copo de suco azedo julgaria as ações como mais graves, erradas e imorais do que os participantes que beberam água ou o suco docinho.

E esse foi exatamente o padrão de resultados que eles encontraram. Houve um efeito significativo do tipo de bebida no julgamento de imoralidade das ações descritas acima. Os pesquisadores ainda incluíram um outro estudo (do qual não vou falar aqui) em que eles mostraram que esse efeito é mais forte para pessoas conservadoras do que para pessoas liberais.

O estudo é mais um que corrobora com a idéia de que o nosso sistema sensório-motor influencia de maneira significativa o nosso processamento cognitivo de alto nível — idéia defendida pela teoria da cognição coporificada (leia a postagem anterior).

De todas as possíveis implicações e conclusões que podemos tirar desse estudo, eu destaco duas:

1) devemos ficar mais atentos aos deputados e políticos que estão constantemente “adoçando” nosso paladar. Nas próximas eleições, chupe uma laranja bem azeda ao assistir à propaganda eleitoral gratuita.

2) a mulher da história que contei no início dessa postagem deve fazer uma “senhora” torta de morangos!!!

Referência:
Eskine, K., Kacinik, N., & Prinz, J. (2011). A Bad Taste in the Mouth: Gustatory Disgust Influences Moral Judgment Psychological Science DOI: 10.1177/0956797611398497

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Alma suja, corpo sujo: a corporificação de atos imorais.

ResearchBlogging.orgEu acredito que todo mundo tem um amigo ou um conhecido com a “boca porca”. Aquele que perde o amigo, mas não perde o palavrão. Ou então tem um amigo ou conhecido com a “mente poluída”: aquele que só pensa em sacanagem. Se pararmos para pensar, várias expressões na nossa língua diretamente relacionam a noção de “sujeira” à algum conceito negativo ou imoral. É por isso que é comum dizer, por exemplo, que quando alguém faz alguma “sacanagem” com a gente, essa pessoa fez uma “sujeira” com a gente. Mas de onde vem isso?

Uma explicação possível tem haver com o que chamamos de “cognição corporificada” (Embodied Cognition). Segundo essa noção, os nossos conceitos e raciocínio são essencialmente fundamentados na nossa experiência corpórea (veja os trabalhos iniciais de George Lakoff and Mark Jonhson). Em outras palavras, mesmos as noções mais abstratas do nosso pensamento (questões de moralidade, por exemplo) estão ligadas ao nosso sistema sensório-motor (sistema que coordena nossos movimentos). Vários estudos em psicologia cognitiva tem mostrado que isso é verdade (veja essa postagem do Cognando de 2009).

Segundo a teoria da cognição corporificada, pensamentos e atitudes imorais estariam diretamente ligadas ao nosso sistema sensório-motor, de maneira que, mesmo de forma inconsciente, temos a tendência à querer “limpar” o corpo quando praticamos alguma atitude imoral. Será que a parte do corpo envolvida na atitude imoral é a parte do corpo que tentamos “limpar” primeiro? Essa pergunta foi investigada pelos pesquisadores Spike Lee e Norbert Schwarz da Universidade de Michigan nos Estados Unidos. O estudo foi simples, mas muito criativo e interessante.

Os pesquisadores disseram aos participantes que eles imaginassem que trabalhavam em uma firma de advocacia e que estavam competindo com um colega (Chris) por uma promoção na empresa. Além disso, eles tinham que imaginar que encontraram um documento importante que o Chris perdeu e estava procurando. Se eles entregassem o documento ao Chris, eles o ajudariam na promoção (e consequentemente atrapalhariam a própria promoção). Depois disso, os participantes foram dividos em quatro grupos. O primeiro grupo foi instruído a ligar para o Chris e dizer que não encontraram o documento. O segundo grupo foi instruído a ligar e dizer encontraram o documento. O terceiro grupo foi instruído à enviar um e-mail para o Chris dizendo que não encontraram o documento. Finalmente, o quarto grupo foi instruído a escrever um e-mail para o Chris e dizer que encontraram o documento.

Basicamente, os participantes foram divididos entre aqueles que cometeram uma atitude imoral (mentiram sobre o documento) e uma atitude moral (disseram que encontraram o documento). As atitudes (morais e imorais) foram cometidas ou com a boca (os participantes que ligaram) ou com as mãos (os participantes que escreveram o e-mail).

Após essa parte do experimento, todos os participantes receberam uma lista de produtos variados e tinham que escolher os que mais desejavam comprar naquele momento. Dentre os produtos havia um álcool para limpar as mãos e desinfetantes bocais. A hipótese é de que as pessoas que cometeram o ato imoral com a boca desejariam mais os desinfetantes bucais, ao passo que as pessoas que cometeram o  ato imoral com a mão desejariam mais o álcool para limpar as mãos. As pessoas que não cometeram atos imorais, não teriam esse mesmo padrão. E esse foi exatemente o padrão de resultado que os pesquisadores encontraram, sugerindo que a parte do corpo envolvida no ato imoral é a que sentimos necessidade de limpar. E isso mesmo inconscientemente.

Existem vários desdobramentos que esse estudo pode tomar. Seria interessante, por exemplo, investigar se o ato de lavar a parte do corpo envolvida no ato imoral influencia o sentimento de culpa que geralmente é associado à prática do ato imoral em si. Em outras palavras, será que escovar os dentes depois de falar uns bons palavrões aliviaria a sensação de “boca suja”???

Referência:
Lee, S., & Schwarz, N. (2010). Dirty Hands and Dirty Mouths: Embodiment of the Moral-Purity Metaphor Is Specific to the Motor Modality Involved in Moral Transgression Psychological Science, 21 (10), 1423-1425 DOI: 10.1177/0956797610382788

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O erro fundamental: agora a culpa é do Carnaval.

ResearchBlogging.orgTrês anos atrás, um casal de amigos meus sofreu um acidente de carro gravíssimo exatamente no dia do casamento deles. Lembro que na época, escutei coisas do tipo: “nossa, que pena! Vai ver que foi um sinal para não se casarem!”, Outras pessoas disseram: “às vezes não estavam ainda preparados e foi uma forma de serem avisados disso”. O tempo passou, eles se casaram e infelizmente, algum tempo depois se divorciaram. Evidentemente, como é de se esperar, muita gente viu o divórcio como uma confirmação da profecia mostrada pelo acidente de carro.

Um tema recorrente que sempre menciono aqui no Cognando é a necessidade natural e definidora do ser humano de sempre querer explicar a causa das coisas. Por que sofreram um acidente logo no dia do casamento? Temos uma necessidade, quase visceral, de estabelecer correlações entre fatos aparentemente isolados, mesmo que não haja qualquer correlação aparente — a gente acaba “inventando” essas correlações. No caso acima, as pessoas precisavam estabelecer alguma correlação entre “acidente”, “casamento”, “mesmo dia” e “divórcio”.

Aparentemente, isso não tem problema. Digo aparentemente, pois algumas vezes essas correlações criadas (e são sempre criadas por algum motivo — mesmo que esse motivo seja simplesmente “entender” o que está acontecendo) mascaram as correlações reais e realmente explicativas do fenômeno. O divórcio do casal, por exemplo, está muito mais ligado ao fato de que eles não tinham uma estabilidade financeira para constituir família, do que com o acidente que sofreram anteriormente. Mas, uma vez que essa correlação entre o acidente e o divórcio é criada, qualquer outra explicação é vista como pouco plausível ou inválida.

Em psicologia social esse fenômeno é conhecido como “fundamental attribution error” ou (desculpem pela tradução ‘tabajara’) “erro atribucional fundamental”. Explicando de maneira bem simplista, esse conceito tem haver com a idéia de que, sistematicamente, e por motivos variados, atribuimos causa e estabalecemos correlações entre fatos que, na verdade, não existem.

Eu comecei a semana assistindo à um vídeo que, para mim, é um exemplo clássico de tal fenômeno. Um amigo me enviou por e-mail o vídeo da jornalista Rachel Sheherazade da emissora TV Tambaú e apresentadora do Tambaú Notícias, onde ela tenta fazer uma crítica às festividades do Carnaval no Brasil (veja o link para o vídeo no final dessa postagem). A jornalista “revela” algumas verdades com relação ao Carnaval e depois tece uma série de correlações entre “pobreza”, “falta de estrutura no sistema de saúde brasileiro”, “policiamento”, “qualidade das músicas que tocam no Carnaval” e obviamente o “carnaval” propriamente dito. Nenhuma dessas correlações fazem sentido. Nenhum dos fatos tem relação causal direta um com o outro — pelo menos que eu conheça. Apesar de os fatos isoladamente serem bem informativos e, em certa medida, verdadeiros, a relação estabelecida entre eles pela jornalista é fundamentalmente inócua.

Ainda assim, a grande maioria das pessoas que comentaram no blog pessoal da jornalista — bem como as pessoas que comentaram na publicação do vídeo — concordaram com o argumento tal como tecido pela jornalista. Principalmente — o que não é supresa para mim — as pessoas que não gostam muito das festividades do Carnaval no Brasil. Para mim, um indício da pervasividade do fenômeno ‘erro atribucional fundamental’.

Na minha opinião isso é problemático de duas maneiras. Primeiro, cognitivamente. Feito falei antes, estabelecer essas relações falaciosas causam o mascaramento das reais causas e correlações entre os fatos. Em termos atitudinais, não ter conhecimento — ou pelo menos uma idéia — das relações causais dos fenômenos que nos cercam nos leva à atitudes inadequadas e equivocadas. Segundo, socialmente. O jornalista — com o papel social de disseminador de “fatos” — deve tentar ser imparcial. Caso isso não seja possível (o que é perfeitamente plausível), ele deve tentar ilumiar e desvendar as reais correlações e causas dos fatos. Isso pode ser feito de várias maneiras, sendo um delas, a pesquisa e o estudo sistemático dos fatos, suas correlações e causas.

Muita gente concordou com a jornalista quando ela diz que o Brasil não tem um sistema de saúde que consegue suprir a demanda da população. Muita gente também concordou com a idéia de que o policiamento e a segurança no Brasil deixam muito a desejar. E certamente, muita gente concordou com ela quando ela disse que as músicas que caracterizam o Carnaval no Brasil são de qualidade degradadente. Mas o que tem isso haver com o Carnaval? Ele é comemorado, ela mesma diz, em várias partes do mundo, inclusive na Europa. Por que será que a Europa não apresenta os mesmos problemas sociais que ela aponta como pertencentes ao Brasil? Qual é a relação real entre as festividades de Carnaval e os problemas que ela levanta? Será que se ano que vem não tivermos Carnaval, o policiamento e a segurança pública irão aumentar durante o ano?

Eu acredito que a configuração que o Carnaval tem no Brasil (os “bêbados de plantão”, “a violência”, “o não acesso do pobre à roupinha colorida”) é fruto de outros fatores sociais peculiares ao Brasil. Basta ter acesso a qualquer estudo sociológico, ou até mesmo cognitivo, para ver que a real causa do nosso “atraso” não tem nada haver com o Carnaval (veja um exemplo aqui).

A responsabilidade da segurança nacional, do policiamento das ruas, da qualidade do sistema de saúde e, principalmente, da educação das pessoas é do Estado. Se alguma mudança nessas áreas é desejada, ela deve começar pelo Estado e deve ser cobrada do Estado. Mudanças são feitas a partir de atitudes. Atitudes adequadas requerem um conhecimento e compreensão adequada da situação. Não ter conhecimento das causas reais e diretas dos fatos nos leva a agir de maneira inadequada. Na minha opinião, a jornalista só contribuiu para o mascaramento das reais causas da situação social do Brasil —  o que, por sua vez, alimenta uma gama de atitudes inadequadas, inclusive dos que detém o poder no país. Em outras palavras, o Carnaval não tem nada haver com os problemas sociais que ela levantou.

O Carnaval, no final das contas, pode até ajudar. Quem sabe no próximo ano alguma escola de samba de São Paulo não presta uma homenagem ao eleitor brasileiro? Talvez assim, as pessoas entenderiam que o pobre que não tem dinheiro para comprar o abadá, o bêbado que se mete em confusão e o investimento de milhões de Reais do dinheiro público em segurança e cuidado médico para os foliões, estão muito mais diretamente relacionados com o fato de que 1.350.000 brasileiros deram uma cadeira ao Tiririca no Congresso Nacional do que com as festividades de Carnaval propriamente ditas. Quem sabe alguém não lê essa postagem para o Tiririca e dá essa idéia para ele?

Vídeo da jornalista – clique aqui

Referência:

Langdridge, D., & Butt, T. (2004). The fundamental attribution error: A phenomenological critique British Journal of Social Psychology, 43 (3), 357-369 DOI: 10.1348/0144666042037962

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Quanto mais não sei, mais eu gosto!

ResearchBlogging.org

“Eu gosto de quem eu sei que gosta de mim”. Essa foi uma das frases que escutei ontem, durante uma conversa com uma amiga que tentava me explicar o divórcio recente do marido. Essa frase retrata muito bem um conceito muito estudado em psicologia, conhecido como princípio da reciprocidade. Gostamos de quem gosta da gente. Somo gentis com quem é gentil com a gente. Somos carinhosos com quem é carinhoso com a gente. Além disso, saber que uma outra pessoa gosta de você cria sentimentos positivos e uma percepção “boa” do caráter e intenções da outra pessoa.

Agora, o que acontece quando não temos muita certeza se uma outra pessoa gosta da gente? Imagine uma situação em que Ana não tem muita certeza se Moisés gosta dela. Será que Ana vai então gostar do Moisés mesmo assim? Segundo o princípio da reciprocidade, não. A Ana vai gostar “menos” do Moisés, uma vez que ela não tem muita certeza se ele gosta ou não dela. Mas quem disse que nossa cognição é simples assim?

Na verdade, existem várias pesquisas que mostram que “incerteza” com relação a alguma coisa, pessoa ou acontecimento aumenta nosso sentimento — positivo ou não — com relação à essa coisa, pessoa ou acontecimento. Basicamente, isso acontece pois quando temos certeza de alguma coisa, começamos a pensar (ou racionalizar) nos porquês. Isso faz com que o sentimento em si, fiquei em segundo plano. Em outras palavras: imagine que você tem certeza de alguma coisa boa que irá acontecer. Uma vez que seu sistema cognitivo não precisa “se ocupar” em pensar sobre “o que” vai acontecer, ele começa a pensar no “porquê” desse acontecimento, de maneira que o lado “positivo” do acontecimento fica em segundo plano. Mas, quando você não tem certeza sobre algum acontecimento, seu sistema cognitivo se engaja em procurar saber “o que” vai acontecer e focaliza no sentimento relacionado ao acontecimento.

Sendo assim, será que não ter certeza se alguém gosta de você não aumentaria o seu sentimento em relação à essa pessoa? Essa pergunta foi investigada por Erin Whitchurch, Timothy Wilson (University of Virginia) e Daniel Gilbert (Universidade de Harvard), em um estudo bem interessante, com um design de pesquisa bem criativo.

Todas as participantes da pesquisa (apenas mulheres participaram) tinham um perfil ativo na rede social Facebook. Primeiramente, os pesquisadores disseram a elas que um grupo de rapazes viram o perfil delas no Facebook e deram uma nota, dizendo se, com base no que viram, eles achavam que dariam certo com elas caso tivessem a oportunidade de conhecê-las pessoalmente. Após dizer isso, os pesquisadores disseram a elas que elas veriam o perfil de 4 desses rapazes que viram o perfil delas. Para um grupo de meninas, os pesquisadores disseram que elas veriam o perfil dos 4 rapazes que deram as maiores notas pra elas. Para um outro grupo, os pesquisadores disseram que elas veriam o perfil de 4 rapazes que deram uma nota mediana para elas. E finalmente, para um outro grupo, os pesquisadores disseram que elas veriam o perfil de 4 rapazes que não tinham muita certeza se gostaram ou não delas. Em todos os grupos, elas tinham que dizer o grau de atração delas pelos rapazes.

Os resultados foram bem interessantes. Eles mostraram que as mulheres se sentiram mais atraídas pelos homens disseram não ter muita certeza se gostaram ou não delas. Esse resultado confirma a hipótese de que incerteza aumenta o sentimento com relação à pessoa de que se tem a incerteza.

Mas será por que isso acontece? Uma explicação é que, em momentos de incerteza, o seu sistema cognitivo se engaja num processo de tentar “entender” a situação. E se engaja de tal forma que a pessoa literalmente não sai da sua cabeça. E como o nosso sistema cognitivo muitas vezes não sabe discernir sentimentos, ele acaba confundindo a presença permanente dessa pessoa em seu sistema como indício de que ela é importante para você e que você, na verdade, gosta muito dela. E o mais interessante é que, tentar “evitar” certos pensamentos pode ser pior e ter o efeito contrário — veja aqui porquê).

O princípio da reciprocidade ainda sim é válido e devemos, sempre que possível, buscar gostar e conviver com pessoas que gostam da gente. O bem que isso faz vai além do simples bem-estar emocional.

Referência:

Whitchurch, E., Wilson, T., & Gilbert, D. (2010). “He Loves Me, He Loves Me Not . . . “: Uncertainty Can Increase Romantic Attraction Psychological Science DOI: 10.1177/0956797610393745

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Deus ou Darwin: A crença em Deus como um mecanismo compensatório

ResearchBlogging.orgEu acredito que todo mundo, pelo menos uma vez na vida, já discutiu com alguém sobre as origens do universo, por que estamos onde estamos e por que somos do jeito que somos. Isso por que somos naturalmente curiosos e sempre queremos entender a causa das coisas.

Basicamente, existem três maneiras de explicar essas coisas.

1) Uma delas é a teoria Darwiniana da Evolução. Segundo Darwin, a seleção natural das espécies é um processo aleatório e pouco estruturado. Pouco estruturado no sentido de que características do seu ambiente — nem sempre previsíveis — determinam a maneira como a vida evolui. É óbvio que estou simplificando a história toda aqui, mas a idéia principal é de que, para Darwin, não existe um agente (um ser) que coordena e controla as mudanças no mundo e não há como termos controle de tudo o tempo todo.

2) A segunda maneira de entender tudo que nos acontece é a crença em um agente controlador de tudo. É onde Deus surge, por exemplo. Uma teoria conhecida como Design Inteligente afirma que a forma como o mundo existe e a maneira como o universo funciona são controladas por uma força superior (Deus) que, não somente criou o universo da maneira que ele é, como também o controla permanentemente.

3) Uma terceira maneira (mais recente) de entender a evolução e o funcionamento do universo é através de uma versão modificada da teoria Darwinista. Segundo essa maneira (postulada por Conway Morris), a evolucão carrega uma ordem interna. O processo evolutivo não é aleatório, porém não existe um agente controlador. A evolução segue alguns caminhos naturais e previsíveis.

O mais interssante — pelo menos em termos psicológicos — é a idéia de que a crença em Deus (ou qualquer outra força sobrenatural controladora) é fruto de uma força compensatória que busca “controle” quando esse está em falta. Uma vez que a idéia de falta de controle e aleatoriedade é psicologicamente ruim para o ser humano, sempre que estamos em situações de falta de controle ou de aleatoriedade, buscamos restabelecer o controle de alguma maneira. A crença em agentes sobrenaturais é uma dessas maneiras.

Deixe-me tentar explicar essa idéia de falta de controle de uma maneira menos técnica. Imagine a seguinte situação: você chega um dia no seu trabalho e encontra um dos seus colegas de trabalho dizendo que está morto. Isso mesmo: ele está vivinho da Silva, mas continua dizendo, de maneira insistente, que está morto, que aquele não é o corpo dele e que, na verdade, nem órgãos internos ele tem. Essa é uma situação que, para o ser humano, pode ser cognitivamente perturbadora. E isso acontece pelo simples fato de que não entendemos (temos controle) o que está acontecendo. E consequentemente ficamos sem saber como agir. Essa é uma situação típica de “falta de controle”. É uma falta de controle cognitivo.

Uma forma de restabelecer o controle (e entender) o que está acontecendo é atribuir esse acontecimento à uma força superior controladora. Na verdade, muita gente iria acreditar que a situação descrita acima é um caso de possessão demoníaca, por exemplo. Essa crença é uma maneira de fazer com que seu sistema cognitivo retome o controle da situação e possa agir de maneira não-aleatória (indicar a pessoa à uma igreja, ou fazer uma oração para ela, por exemplo).

Mas será que se as pessoas tivessem algum outro tipo de explicação para a situação acima — uma explicação que também ajuda o sistema cognitivo retomar o controle — elas deixariam de acreditar em forças sobrenaturais ou forças superiores? Essa pergunta foi investigada por um grupo de pesquisadores na Holanda (Universidade de Amsterdã). Batiann Rutjens, Joop van der Pligt e Frenk van Harreveld induziram participantes a ter ou não “falta de controle”. Após essa indução, os participantes tinham que escolher qual das teorias apresentadas acima (Darwin, Deus ou Conway Morris) era a mais plausível para explicar os acontecimentos do mundo e das vidas das pessoas.

Os resultados confirmaram o que os outros estudos já haviam mostrado: as pessoas na situação de falta de controle preferiram Deus como explicaçao para os acontecimentos do universo, e depois a teoria de Conway (pois ela não postula nenhum tipo de aleatoriedade — sinal de falta de controle). Para as pessoas que foram induzidas a ter controle, não houve esse mesmo padrão. A parte mais interessante do estudo, no entanto, é a que mostra que as pessoas somente acreditaram numa explicação divina quando não havia uma outra explicação — não divina — que também restabelecia o controle cognitivo. Em outras palavras, as pessoas só escolhiam Deus como explicação quando a teoria de Conway (que também estabelece controle) não estava disponível. O estudo então sugere que Deus (ou qualquer força sobrenatural) não é a única força compensatória para buscar controle cognitivo.

Uma vez que religião e crenças em seres sobrenaturais são características pervasivas da nossa cultura, é muito importante entendermos — de uma maneira mais sistemática — como e por que nosso sistema cognitivo se engaja em tais práticas (e quais os benefícios e desvantagens disso).

E somente a título de curiosidade: a situação acima descreve um sintoma típico de um transtorno neuropsiquiátrico conhecido como Síndrome de Cotard.

Referência:
Rutjens, B., van der Pligt, J., & van Harreveld, F. (2010). Deus or Darwin: Randomness and belief in theories about the origin of life Journal of Experimental Social Psychology, 46 (6), 1078-1080 DOI: 10.1016/j.jesp.2010.07.009

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