O futuro da economia é verde

Foto: Paulo Andreetto de Muzio

O conceito de bioeconomia emerge como uma alternativa para um futuro sustentável dentro da sociedade de consumo, mas é preciso ponderar e avaliar o que de fato é tido como sustentável dentro deste modelo

Práticas sustentáveis de produção têm se tornado cada vez mais urgentes e aos poucos são inseridas em nossos hábitos de consumo. Esta necessidade vem não somente do ponto de vista do uso de matérias primas não renováveis ou do esgotamento de matérias primas por práticas não sustentáveis, mas principalmente pelo aumento da consciência ambiental dos consumidores. Empresas desejam alinhar seus produtos à práticas que não sejam nocivas ao meio ambiente. No entanto, o maior gargalo para que produtos ditos “verdes” se tornem predominantes é ainda a questão do desenvolvimento de novas tecnologias e sua viabilidade econômica para concorrer com processos industriais já estabelecidos. Eis, portanto, que surge o conceito de bioeconomia.

A bioeconomia, também referida como economia verde, diz respeito à substituição de matérias primas não renováveis por outras que sejam extraídas de maneira sustentável, e também à uma revisão do modelo de produção vigente. A lógica cartesiana, sob a qual nosso sistema econômico se sustenta, analisa o uso de elementos da natureza de forma linear e isolada, sem levar em consideração as complexas interações ambientais entre seres vivos e recursos. Este modelo, estabelecido desde a Primeira Revolução Industrial, tem mostrado sinais de esgotamento, tais como a diminuição da produção agrícola por processos de erosão e desertificação do solo, a escassez de chuva e o aumento de eventos climáticos extremos e o problema do acúmulo de lixo plástico nos oceanos. Faz-se necessário, portanto, o desenvolvimento de novas tecnologias e meios de produção que sejam pautados em práticas sustentáveis.

Biorrefinaria

É costume atribuir-se poucos ou apenas um produto final a determinada matéria-prima. Por exemplo, a partir de uma plantação de café, obtemos o grão do café torrado como produto final, sendo ele matéria-prima para a bebida. O cultivo de cana-de-açúcar é normalmente associado à produção do açúcar de cozinha ou de etanol. Desta maneira, fica ofuscada a existência de muitos outros produtos possíveis de se obter no processo de produção destas matérias primas, como por exemplo com a utilização de subprodutos (“resíduos”) agroindustriais para a geração de energia ou fertilizantes.

Pensando nesta abordagem sistêmica do uso de matérias primas que se criou o conceito de biorrefinarias. Segundo Antônio Bonomi, pesquisador e coordenador da área de Inteligência de Processos do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), o termo é emprestado do conceito de refinaria de petróleo.  “Uma refinaria de petróleo é uma unidade industrial que produz todas as possíveis frações de petróleo. A biorrefinaria representa uma unidade industrial capaz de produzir diversos produtos derivados de uma ou mais biomassas”. Ainda segundo Bonomi, “as usinas de cana-de-açúcar atuais são exemplos de plantas industriais que representam este conceito, pois produzem açúcar, etanol  e eletricidade, mas podem produzir também, entre outros produtos, o biogás, derivados de levedura, ração animal e outros biocombustíveis.”

Um subproduto abundante do processo fermentativo para a produção de etanol é a vinhaça. Para cada litro de etanol produzido, são gerados de 10 a 13 litros desse líquido. Os agricultores utilizam parte dessa vinhaça para a fertilização da plantação de cana, no entanto esta prática pode levar ao processo de salinização do solo. Se exposta ao ambiente, pode provocar a proliferação da mosca-do-estábulo, um inseto hematófago que causa grandes transtornos para criadores de gado, diminuindo o peso e a produção de leite. Segundo Bonomi, uma alternativa para a vinhaça dentro do conceito de biorrefinaria seria “a biodigestão antes da sua aplicação no campo para a produção de biogás, produzindo biometano que pode ser comercializado na rede de gás natural ou na substituição do diesel empregado na mecanização agrícola ou no transporte da cana”. Outra alternativa seria ainda a produção de algas ou leveduras capazes de serem cultivadas em vinhaça para a produção de biodiesel.

Já outros subprodutos do cultivo de cana, tais como o bagaço e a palha, possuem como destino a queima para a geração de energia elétrica para as usinas. No entanto, estes são matérias primas cujo interesse reside em seu aproveitamento para a geração de etanol de segunda geração (ou etanol 2G). O processo consiste no acesso à açúcares menores, metabolizáveis pelas leveduras que produzem etanol, a partir de polímeros de açúcares que fazem parte da parede vegetal celular, tais como a celulose e a hemicelulose. “Este já é um processo realizado em duas plantas industriais no Brasil, pertencentes à Raízen (com a produção de etanol 2G integrado a uma usina de etanol convencional) e à GranBio (com a produção  de etanol 2G independente, adquirindo bagaço e palha de uma usina separada). No entanto, trata-se de um processo com alguns entraves que ainda tornam a produção economicamente inviável, como o processo de pré-tratamento e hidrólise enzimática para a “quebra” da biomassa. “O estabelecimento da produção local das enzimas empregadas na operação de hidrólise, e o melhor aproveitamento do resíduo rico em lignina – outro constituinte da parede celular vegetal –  para produção de energia e/ou produtos químicos são outros aspectos da tecnologia industrial que precisarão ser superados”, nos explica Bonomi.

Biopolímeros

Uma das consequências mais graves dos métodos industriais atuais é a grande acumulação de resíduos plásticos. Nem todos os plásticos são recicláveis, e podem levar de 200 a 400 anos para serem degradados, dependo do tipo. Um grande agravante deste problema é o processo de acumulação de plásticos nos oceanos e de bioacumulação nos tecidos de seres aquáticos. Estes plásticos, em exposição às condições do meio ambiente, vão sendo quebrados em partículas cada vez menores, ao ponto de serem ingeridos e passarem a fazer parte da cadeia alimentar marinha e, com isso, podendo afetar a saúde humana. Por conta disso, tem sido crescente o interesse na produção de plásticos biodegradáveis a partir de biopolímeros, em substituição aos polímeros plásticos sintéticos obtidos de derivados do petróleo.

Segundo nos explica Gustavo Brito, engenheiro de materiais e professor da Universidade Federal da Paraíba, “os biopolímeros são assim denominados por serem produzidos (ou extraídos) a partir de matérias-primas provenientes de fontes renováveis, as quais são fontes que uma vez utilizadas apresentam a capacidade de se renovar em um período de tempo relativamente curto, como de seis meses a um ano”. Este tipo de polímero apresenta vantagens como a sua rápida degradação no ambiente e/ou a não dependência de fontes não renováveis de matéria prima para a sua produção. Entre os biopolímeros de ocorrência natural, temos o amido, celulose e proteínas. Podem ser obtidas ainda formas sintéticas, como o poliácido lático (PLA), que possui características semelhantes ao plástico PET, e o biopolietileno, obtido a partir do etanol.  No entanto, Brito faz uma ressalva: “é importante ressaltar que nem todo biopolímero é biodegradável, e nem todo polímero biodegradável é um biopolímero. Os polímeros biodegradáveis são aqueles capazes de servir como alimento para microrganismos como bactérias e fungos”.

No entanto, o preço ainda alto para a produção acaba sendo o principal entrave para um uso mais amplo dos biopolímeros. Além disso, eles nem sempre apresentam as propriedades mecânicas desejadas, presentes em suas contrapartidas oriundas de fontes não renováveis. Uma alternativa para barateamento de custos e produção de plásticos é o uso de subprodutos agroindustriais em “blendas” – misturas de biopolímeros naturais com o plástico. Este é o objeto de estudo de Bianca Maniglia, pesquisadora da Poli-USP. “Esta seria uma maneira de trazer os biopolímeros nos plásticos convencionais, que são estes que usamos no dia-a-dia. Com isso, podemos produzir plásticos com parcial biodegradabilidade, além de aproveitar resíduos agroindustriais na produção”. Segundo Maniglia, é possível produzir blendas com até 30% de fibras vegetais, o que representaria uma diferença significativa na degradação deste material na natureza. “Em uma primeiro momento, esta se mostra uma tecnologia viável, com impactos ambientais positivos, enquanto novos tecnologias sejam desenvolvidas e se tornem economicamente viáveis”, aponta Bianca.

Nem tudo que reluz é verde

Os termos bioeconomia e sustentabilidade têm sido usados pelo mercado de maneira equivocada, mais como uma ferramenta de marketing do que como um modelo de negócios. Entende-se como uma prática sustentável aquela que é capaz de garantir o recurso explorado para a geração atual sem comprometer sua disponibilidade para as gerações futuras. Em um estudo publicado na revista Science em 2003, o pesquisador paraense Carlos Peres mostrou que a prática de extração de Castanha-do-Pará, apontada como sustentável, é realizada de tal maneira que não garanta o surgimento de novas árvores para a continuidade da extração no futuro. Estudos como esse apontam a necessidade que pesquisas sejam feitas a priori para o entendimento da dinâmica ecológica de determinado recurso, para que de fato possa ser realizada de maneira sustentável. Um levantamento bibliográfico de 126 estudos que avaliam a sustentabilidade de práticas extrativistas no Brasil chegou à conclusão que quase a metade delas (48,4%) são práticas não sustentáveis, sendo que dos 21 casos de extração madeireira – todos na Amazônia – apenas um se mostrou uma prática sustentável.

Em seu livro “Muito Além da Economia Verde”, o autor Ricardo Abramovay debate que o conceito de bioeconomia não remete apenas ao uso de matérias primas renováveis nos processos de produção, mas em repensar as próprias relações de consumo. Segundo ele, os níveis de desigualdade social e o ritmo frenético e infinito esperado de crescimento da economia tornariam este modelo, tal como tem sido proposto, incompatível com as limitações do ecossistema. O autor aponta como a bioeconomia tem sido utilizada como uma espécie de “Santo Graal” da economia, tentando passar a ideia de que seria capaz de aliar a lógica de produção vigente com o respeito ao meio-ambiente, mas ignorando a preservação e regeneração dos serviços ecossistêmicos dos quais depende a própria produção e as sociedades humanas. Os desafios que se colocam na busca de uma economia que seja de fato sustentável do ponto de vista ambiental oferecem uma oportunidade para redefinição, à nível global, da relação entre países fornecedores de matéria prima e países industrializados, de forma a beneficiar comunidades locais e redefinir aspectos sociais como as relações de trabalho, produção e consumo.

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