A real importância da divulgação científica para a proteção das áreas naturais

Parque Estadual Alberto Löfgren / Foto: Paulo A. Muzio

As Áreas Protegidas são espaços escolhidos para cumprir determinada função social. A especificidade de cada área define como ela pode melhor atender à sociedade. Algumas são essenciais para o abastecimento de água. Outras são o último refúgio de espécies ameaçadas de extinção. E por sua importância, essas áreas são protegidas por Lei.

O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), instituído em 2000, é a lei federal que assegura a proteção dessa áreas. Esta Lei estabelece as normas para a criação de novas Unidades de Conservação da Natureza (UCs) e para a gestão daquelas que já existem.

O SNUC estabelece que cada uma dessas áreas deve ter um Plano de Manejo, que nada mais é do que um documento técnico que orienta o uso da unidade. O Plano de Manejo diz o que pode e o que não pode ser feito na UC, bem como as ações prioritárias a serem realizadas. Elaborado em conjunto por técnicos e pesquisadores científicos de diferentes áreas do conhecimento, o documento determina se a Unidade de Conservação deverá ter sua vegetação restaurada, por exemplo, ou se é preciso que tenha um acesso extremamente restrito para a preservação das espécies que ali habitam.

Tanto para o processo de criação de UCs quanto para a elaboração dos Planos de Manejo, são realizados levantamentos de informações sobre a vegetação, a fauna, o relevo, os tipos de solo, os corpos d’água, a história do local, etc. Também é necessário dialogar com diversos setores que se relacionam com a área, como órgãos públicos e sociedade civil. Principalmente com a comunidade que vive no entorno ou dentro da própria área.

Algumas categorias de Áreas Protegidas não estão contempladas no SNUC, como as Estações Experimentais, que são grandes laboratórios ao ar livre com vocação para a pesquisa científica. Neste sentido, há estudos que defendem que trata-se de uma questão de interpretação da legislação. Ainda assim, tem estudos que propõe a recategorização de determinadas áreas. Seja para torná-la uma Unidade de Conservação, seja para aumentar seu grau de proteção legal.

Por que fazer divulgação científica

A pesquisa sobre Percepção Pública da Ciência e Tecnologia, realizada em 2015 pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) do então Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), revela que 77,9 % dos brasileiros são interessados ou muito interessados em Meio Ambiente. Também aponta que 60,9% têm interesse em Ciência & Tecnologia. No entanto, 87,2 % não conseguem lembrar de uma instituição que se dedique a fazer pesquisa científica.

Um dos slogans mais utilizados em campanhas, projetos e divulgações relacionadas a questões ambientais é “Conhecer para preservar”. Apesar de se tornar quase um clichê,  tanto as Áreas Protegidas quanto a própria produção de ciência compartilham desta lógica. Se as pessoas não têm conhecimento da importância de uma determinada área natural, quais espécies ela protege, não irão se mobilizar quando alguém resolver vendê-la, transformá-la em pasto, hotel ou estacionamento. Da mesma forma, um público que não entende para que serve a pesquisa científica, não se colocará contra a cortes de bolsas e de verbas das universidades e instituições de pesquisa. Como esperar uma militância da sociedade em prol do Meio Ambiente sem que esta conheça a relação dos ecossistemas com o ar que respiramos ou a água que bebemos?

A divulgação científica não deve ser apenas uma transferência de conhecimento unidirecional, mas um exercício de diálogo que possibilite a troca de saberes e a transformação da realidade. Seu objetivo é possibilitar o empoderamento e a participação mais efetiva da população nos processos de decisão que necessitem um embasamento científico. Estimular a participação das comunidades no processo democrático, para possam se posicionar em relação aos agrotóxicos e a alimentos transgênicos, por exemplo. Questões de fundo científico e que impactam diretamente no dia-a-dia de cada um.

Imaginemos que pessoas que nunca visitaram Cancún, no México, possam deliberar sobre querer ou não querer a extinção de uma Estação Ecológica, pois alguma autoridade quer transformá-la em polo turístico. Há questões legais (e até constitucionais) envolvidas. Modelos de turismo que podem conflitar com a função social daquela área. Estudos científicos precedentes e diálogos com a comunidade que determinaram que aquela área precisava ser protegida. Mais do que apenas resultados de pesquisa, a divulgação científica serve para falar dos métodos. Seu propósito é compartilhar ferramentas para que a população se aproprie dos seus espaços e tenha uma participação mais efetiva nas tomadas de decisão, ajudando a evitar canetadas autoritárias e irresponsáveis e, no caso das Áreas Protegidas, contribuindo com a gestão.

O Uso Público

O Instituto Florestal, órgão de vinculado à Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SIMA), congrega entre suas atribuições tanto a pesquisa científica quanto a gestão de Áreas Protegidas. E é justamente sua atuação como instituição de pesquisa que dá subsídios para o manejo destas áreas.

De acordo com a particularidade de cada Área Protegida, muitas são abertas à visitação pública. Algumas, por sua vulnerabilidade, são incompatíveis com o lazer, recebendo apenas pesquisadores científicos ou estudantes. Outras, por sua história, terão comunidades tradicionais vivendo ali dentro, como indígenas, quilombolas, caiçaras, caipiras e ribeirinhos.

As áreas de Uso Público são o melhor local para a realização de uma divulgação científica efetiva e democrática nas Áreas Protegidas. É ali onde o Instituto Florestal, por exemplo, pode mostrar à população de um modo mais amplo o conhecimento que é produzido na instituição.

Neste sentido, o Museu Florestal Octávio Vecchi é um exemplo histórico. Está localizado na área visitação do Parque Estadual Alberto Löfgren, também conhecido como Horto Florestal, na zona norte da capital paulista. Foi inaugurado na década de 1930 e surgiu como um espaço que ao mesmo tempo era laboratório de pesquisa e espaço de divulgação do produção científica da instituição (à época Serviço Florestal) para o público geral.

Uma das atividades promovidas atualmente pelo Museu em conjunto com diversos parceiros, como a Coordenadoria de Parques e Parcerias da SIMA e o Movimento Conservatio, são as Caminhadas Históricas. Nestes eventos, que ocorrem desde 2018, a equipe faz um tour pelo Horto, Unidade de Conservação que tem uma posição marcante na construção das idéias ambientais no estado de São Paulo.  Aos participantes são narradas curiosidades sobre os prédios históricos, as espécies que vivem no Parque e as personalidades marcantes que passaram por ali. Como a Caminhada traz a participação de muitos moradores do entorno, alguns até funcionários aposentados das instituições ali sediadas, eles também contam suas histórias e contribuem com a construção deste conhecimento.

O bacana é que, ao entrarmos em contato direto com a população, entendemos que ela tem muito a nos ensinar.

Dica de Leitura:

Se quiser mergulhar no universo da divulgação científica, acesse o link do e-book ComCiência e Divulgação Científica. Publicado em 2018 pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade de Campinas (Unicamp), o livro traz uma reflexão bastante atual de diversos especialistas no tema.

 


 

O texto acima foi originalmente escrito para o Portal de Educação Ambiental da SIMA. Na ocasião, assumindo a posição de servidor público e atuando como porta-voz de uma instituição governamental, acatei as modificações editoriais para publicação. Aqui no blog Natureza Crítica, já no papel de civil,  publico a versão original sem cortes.

Veja aqui a versão publicada no Portal de Educação Ambiental.

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