Em junho 2019 tive a oportunidade de conhecer outra iniciativa de Turismo de Base Comunitária no litoral paulista, promovido pela comunidade da Vila da Mata, em Bertioga (SP).
O grupo, formado por amigos e profissionais de diversas áreas, teve o privilégio de ser um dos primeiros convidados a vivenciar a experiência.
Para quem não conhece, a Vila da Mata possui um histórico bastante interessante de formação do seu território e de construção de sua identidade, que está estreitamente relacionada com o desenvolvimento do município.
A partir das informações compartilhadas pelo Sr. Nelson, um dos moradores mais antigos do local e que chegou para viver ali com apenas 10 anos (hoje está com 60 anos, ou seja, chegou por volta de 1969), e com dados disponíveis no documento, construímos uma linha do tempo com os principais momentos históricos da Vila e de Bertioga. Veja a linha do tempo aqui.
Nas conversas com os moradores ficam marcadas principalmente os momentos pré construção dos condomínios de veraneio, onde prevalecia uma economia extrativista, inclusive com indústrias de exploração de madeira e palmito; seguida do período de expansão dos condomínios e chegada de diversas pessoas para trabalhar na construção civil ou nos serviços de apoio aos condomínios; e o terceiro período que se configura como o do Parque Estadual Restinga de Bertioga (também conhecido como PERB), o qual daremos mais destaque nesse texto.
Nosso lugar virou parque!
Esse é o título do reconhecido livro do professor Antonio Carlos Diegues que retrata a situação de conflito entre comunidades do Saco do Mamanguá, Paraty/RJ com a criação da Reserva Ecológica da Juatinga.
Mas também poderia ser a frase dos moradores da Vila da Mata, em Bertioga. Isso porque, desde 2010, com a criação do Parque Estadual Restinga de Bertioga, a comunidade que possui cerca de 129 casas vive dentro de uma unidade de conservação de proteção integral (veja aqui o que isso significa)!
Basicamente: essa categoria de UC não prevê a presença de moradores.
Mas como isso poderia ter acontecido, em pleno século XXI, apesar da existência de tantas tecnologias que permitem identificar ocupações nos territórios?
A comunidade não sabe responder:
“Não participamos da criação e nem fomos consultados”, afirmam.
De acordo com o Plano de Manejo da UC, existem outros núcleos de ocupação humana no PERB como o “Morro do Macuco, também em Guaratuba, as margens do Rio Guaratuba próximo à ponte da Rodovia Rio Santos, o Morro do Itaguá em Boracéia, a Rua Carvalho Pinto em Guaratuba, e uma parte da localidade denominada Chácaras do Balneário Mogiano em Boracéia”.
Fica a questão para pesquisadores estudantes e compreender as motivações da inserção dessa comunidade nos limites da área protegida.
Uma outra visão!
A situação das famílias, que passou a ser irregular perante a legislação ambiental, ganhou novas configurações com o início das discussões para elaboração do Plano de Manejo da UC.
Mobilizados e organizados na Associação Vila da Mata, os moradores participaram das oficinas participativas do Plano de manejo, em 2018, e reivindicaram o direito de permanecer em seu território.
É importante destacar que Vila da Mata é um dos diversos casos de comunidades dentro de UCs no Estado de SP, e que essa relação é, em muitos casos conflituosa, e negativa – vide últimos acontecimentos na Estação Ecológica Juréia-Itatins (Veja aqui);
Essa articulação local culminou com uma proposta de desafetação e CONSOLIDAÇÃO DOS LIMITES da UC, publicada pela Fundação Florestal em seu documento oficial, destacando que:
- Os núcleos localizados na Vila da Mata em Guaratuba, na Rua Carvalho Pinto entre Guaratuba e Boracéia, no Morro do Itaguá entre Guaratuba e Boracéia e nas Chácaras do Balneário Mogiano são indicados como áreas de exclusão do Parque Estadual Restinga de Bertioga (Anexo 5), mediante a incorporação de área contígua equivalente a no mínimo 2 vezes a área excluída, e com a presença de atributos compatíveis aos objetivos de criação do Parque Estadual Restinga de Bertioga;
- A alteração dos limites deverá ser efetivada por meio de instrumento jurídico específico;
- A ocupação nos núcleos indicados no item I está condicionada à efetivação da alteração dos limites e à requalificação da área pelo município.
Hoje, estar dentro dos limites (e no futuro no entorno) de uma área protegida é visto com bons olhos pelas lideranças e moradores da comunidade:
“Queremos viver de forma harmônica com o meio ambiente e o PERB. Sentimos muito orgulho de estar inseridos no Parque. Antes ninguém conhecia a Vila da Mata”, afirmam.
Tanto é que uma das estampas das camisetas das protagonistas do TBC na comunidade ressalta a frase da Dona Socorro em uma das reuniões do Plano Diretor do município:
“Já pensou em morar em uma cidade e não pertencer a ela?”
Ela diz que que até então seu sentimento era de que a Vila parecia não existir para as autoridades locais.
Além desse sentimento, segundo os moradores, a criação do Parque conteve a invasão no território e deu respaldo para quem respeita a natureza “Quando vemos algo errado, como a construção de uma nova casa sem autorização, acionamos a equipe do Parque que busca resolver o problema”, afirmam.
A sinalização na entrada da Vila mostra que ali é proibido construir.
A proposta de TBC
A possibilidade de viver no entorno de uma área protegida é reconhecida como um privilégio pelos moradores: “Queremos dar essa identidade para a nossa comunidade, da Conservação da natureza. Queremos ser guardiões desse espaço”.
Tanto é que já começaram a dar nomes de espécies da Mata Atlântica para as ruas, como a Avenida dos Tucanos.
Em todas as atividades da Vila buscam incluir a temática ambiental. E a programação local é agitada e organizada pelos próprios moradores, como a horta comunitária, uma biblioteca, uma sala de aula para alfabetização de adultos, o cinema do campinho, o boletim de atividades dentre outras.
E foi com o objetivo de mostrar um pouco da sua história, memórias e sonhos que a comunidade está organizando o Turismo de Base Comunitária da Vila da Mata.
Na visita que a comunidade oferece, essas e outras experiências são compartilhadas com o visitante! São tantas informações e conversas que as horas passam “voando”!
Partindo da biblioteca, onde jovens e adultos fazem aulas de alfabetização, conhecemos o campinho, que é palco das partidas de futebol e do cinema com a criançada. Ali também será o local da futura sede da Associação dos Moradores da Vila da Mata.
Seguimos em sentido Serra do Mar, e o trajeto é uma aula sobre o ecossistema da Mata Atlântica, pudemos observar aves, a vegetação, a variação de temperatura e suas casas, percebendo as diferenças conforme avançamos no sentido da floresta.
No ponto de parada iniciamos uma roda de conversa, onde os aspectos históricos e atuais são partilhados pelos moradores.
No retorno o grupo interage e é recebido em um dos quintais da Vila com uma linda e saborosa mesa. No cardápio a mistura das origens da população ali estabelecida: comida piauiense, caiçara, baiana e etc. uma verdadeira delícia para encher a pança!
Energias recarregadas, hora de botar a mão na terra e colaborar com a horta comunitária que foi criada na entrada da Vila! E entre as plantas da comunidade, celebramos a visita com o plantio de mudas de couve.
Para quem quiser conhecer a Vila, aproveite que dia 20 de julho tem Arraiá Vila Mata, a partir das 18 horas.
E para agendar a visita e conhecer o Turismo de Base Comunitária da Vila da Mata, é só entrar em contato com Maura Pereira, no telefone: (13) 99733-1704.
Que essa e outras sementes continuem germinando no solo da Vila da Mata!
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