Bonito (MS): Turismo elitizado e conservação por um fio

Gruta do Lago Azul / Foto: Paulo A. Muzio

No mês de fevereiro no ano passado (2019) estive no Mato Grosso do Sul fazendo um mochilão. Como não poderia deixar de ser, fui visitar Bonito. Eu já sabia que se tratava de um destino turístico caro. Mas acreditei que como mochileiro, poderia driblar os caça-niqueis e contemplar as belezas naturais do local. Dei com os burros n’água cristalina e ameaçada. Percebi que o paraíso ali não é para todos. Infelizmente. E que sua existência está por um fio, condicionada à entrada de capital.

Primeiro dei umas voltas pela cidade, visitei a praça principal e descobri que não conseguiria chegar nas famigeradas atrações da região a pé. Não tendo transporte próprio, sobram poucas opções. Poderia alugar alguma bicicleta, pegar um moto táxi, alugar um veículo ou ir de van. A primeira opção, a mais econômica, é inviável se pensarmos no sol escaldante da região e as longas distâncias a serem percorridas em estradas de terra para se chegar aos destinos turísticos, que estão espalhados pela região, não na cidade. Variam entre 8 e 80 quilômetros. Então comecei pelo destino mais próximo…

Balneário Municipal

O Balneário Municipal de Bonito é uma das atrações mais próximas do centro da cidade, a cerca de 7 quilômetros. Chegando lá, tive que comprar ingresso e paguei a bagatela de R$ 37. Mal sabia que esta seria a mais barata das entradas.

Apesar disto, fiquei contente em saber que o cidadão bonitense podia entrar de graça. Afinal de contas, trata-se de uma área pública. E nada mais justo do que permitir o acesso à população. O balneário dá acesso a um trecho do Rio Formoso, de águas cristalinas. Ali, é possível nadar junto às piraputangas, peixe de cauda vermelha, símbolo de Bonito.

De orelhada, ouvi um guarda municipal comentando com uma bonitense que a água estava turva. Fiquei espantado, por era a primeira vez que eu visitava um corpo d’água da região e, para mim, a era bastante transparente. Fui conversar com ele para entender como era “antigamente”, já que se tratava de um senhor prestes a se aposentar. Ele comentou que o problema vinha de uns cinco anos para cá. Disse que as lavouras estavam ampliando o desmatamento e, sem a mata ciliar, estavam trazendo os detritos para o rio, comprometendo a transparência da água.

Contemplando a natureza a toque de caixa

Próximo ao balneário municipal, comecei a descobrir que as áreas naturais ali eram em sua maioria propriedades privadas. Por cerca de R$ 70 eu poderia descer as corredeiras de um rio em uma boia, daquelas que parecem um donut (bem maior do que a que aparece na foto). Achei caro. No entanto, a diversão parecia valer a pena.

Os guias passaram as instruções de segurança e não se importaram muito se os gringos estavam entendendo. Ao entrarmos na água, éramos orientados a ficar de bruços na boia. Desta forma, entraríamos de cara nas corredeiras. Além de ser extremamente desconfortável para as costas de quem já não é mais adolescente, naquela posição o capacete bloqueava parte da visão, impedindo a apreciação da paisagem. Quando me virei e fiquei de barriga pro alto, para buscar descer o rio com um pouco de conforto e contemplar a beleza a minha volta, um dos guias veio me zoar. Como adolescentes e políticos de masculinidade frágil costumam fazer. Os guias também colocavam os turistas na posição de bruços para que remassem com as mãos o tempo todo. Era um negócio meio apressado, para que o passeio terminasse logo. Quando troquei de posição, um dos guias ficou me acelerando pra eu não ficar muito pra trás. Acabando a atividade, ainda pediram um dinheirinho extra, além do que eu já tinha pago (espero que estejam com seus salários em dia e não vivam das gorjetas). A conclusão é que no quesito corredeiras, o passeio não tem adrenalina nenhuma. Em relação a apreciação da beleza cênica, não te deixam apreciar sossegado.

Rio Sucuri – Foto: Paulo A. Muzio

Rio Sucuri

No dia seguinte, fui fazer flutuação no Rio Sucuri. A ideia é deixar a correnteza te levar enquanto você observa a fauna aquática utilizando máscara e esnórquel (aquele tubo para respirar). A água é absurdamente cristalina (os corpos d’água de Bonito são transparentes por conta da alta concentração de calcário, que faz os sedimentos decantarem). Além das piraputangas e outros peixes, tive o privilégio de dar de cara com a “Ana”, uma sucuri imensa. Felizmente ela não é agressiva e parecia não estar com fome. Passa-se um pouco de frio, mas o passeio foi aprovado.

Gruta do  Lago Azul

No outro dia, resolvi conhecer a Gruta do Lago Azul. Foram R$ 60 para acessar a gruta mais R$ 40 do transporte em van até lá. O preço parece razoável, não fosse este cartão postal, em específico, uma área pública. Apesar da qualidade do guia, achei o passeio bastante apressado. Não há muito tempo para parar e contemplar a beleza cênica do local. Os grupos têm que se mover constantemente e abrir espaço para os outros grupos que vem atrás. Todos são estimulados a tirarem selfies rapidamente e logo darem espaço para o próximo que quer registrar um momento não apreciado, não vivido. O resultado é uma infinidade de fotos das pessoas visitando o local nas redes sociais e provavelmente pouca relação criada com o local.

Cachoeira Boca da Onça

Saí de Bonito de fui para a pequena cidade de Bodoquena, de cerca de 8 mil habitantes. Achei que por lá eu conseguiria visitar atrativos naturais sem ter que me submeter aos sistema. Mas foi uma péssima escolha. Os atrativos de Bodoquena são os mesmos de Bonito. Os preços são tabelados. E de Bodoquena há menos possibilidades de transportes para os pontos turísticos.

Não tendo escapatória, comprei um passeio para a Cachoeira da Boca da Onça na única agência que encontrei. Por sorte, consegui ali uma carona com um casal de guias que fariam o passeio em seu dia de folga (eles têm acesso gratuito).

O passeio da Cachoeira da Boca da Onça, assim como a maioria dos passeios da região, são muito bem organizados e com os guias bem preparados, fornecendo informações técnicas sobre a fauna, a flora, a geografia e a geologia do local.

Assim que publiquei uma foto do passeio nas redes sociais, a página da Boca da Onça no Facebook solicitou que eu avaliasse o passeio. Avaliei com 4 estrelas dando o seguinte depoimento com alguns questionamentos e sugestões:

“O passeio é ótimo, mas não poderia dar 5 estrelas pelo preço exorbitante, assim como qualquer outra atração turística da região. Estrutura e organização impecáveis. Mas o que é feito em prol da comunidade do entorno? E a conservação da área? Está condicionada apenas à entrada de capital? Seria interessante se fossem realizados passeios gratuitos com o viés de educação ambiental para os estudantes e moradores da região.”

Após alguns meses, recebi a resposta abaixo que publico na íntegra:

“Boa tarde Paulo Andreetto de Muzio.

Estava olhando algumas postagens e me deparei com seu questionamento, então vou separar pelas suas perguntas.
Peço desculpas por responder somente agora.

Preço exorbitante?
*********************
Aqui na Boca da Onça como em todos os demais atrativos da região, trabalhamos com uma licença limitante (quantidade de pessoas por dia), ou seja, não podemos vender além da capacidade determinada pelo IMASUL (Instituto de Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul).

E como todo atrativo turístico, vivemos de baixas e altas temporadas (onde se ganha o dinheiro para pagar funcionários, fazer manutenções, investimentos na estrutura, compra de equipamentos e veículos, treinamentos de funcionários, etc). E, apenas 1/4 do ano é considerado alta temporada, ou seja, não temos muitas opções para fechar as contas no final do ano.
Só para manter a estrada em boas condições, gastamos um valor considerável. Tudo isso, pensando em atender bem o turista que nos visita.

Para manter uma propriedade destinada ao turismo e seguindo as leis vigentes do nosso estado, tendo todo o cuidado de evitar qualquer tipo de impacto negativo na natureza, e ainda não podendo (e também não queremos para manter a preservação) aproveitar todo o potencial que a natureza nos proporciona, é algo quase impossível com um voucher de valor mais reduzido.
Ao contrário de uma praia ou balneário por exemplo, onde não existe limite de visitantes.

O que é feito em prol da comunidade do entorno?
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Todo morador de Bodoquena e Bonito tem tarifa especial para visitar o atrativo (metade do valor).
Motoristas, Recepcionistas, Cozinheiras, Funcionários de outros passeios, Agentes, todos têm cortesia para conhecer nosso passeio. Crianças carentes de toda a região são atendidas de forma gratuita em nosso atrativo.

E a conservação da área?
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A maior parte da fazenda fica dentro de áreas cercadas e identificadas com placas de Reserva Permanente que abriga ali vegetação nativa, com o intuito de preservar não só a flora, como também a fauna.

Todo trabalho na fazenda é voltado para a preservação da natureza, pois ela e todas as suas belezas e encantos são responsáveis pelo destino ser considerado repetidas vezes o melhor destino de ecoturismo do Brasil e do mundo. E isso tudo tem um preço.

Não utilizamos mais nenhum produto de plástico em nosso atrativo (exceto as garrafas d´água). Copos plásticos foram substituídos por canecas de alumínio que são lavadas em máquinas de alta temperatura. Canudos foram extintos. E todas as garrafas de água são encaminhadas para projetos de castração a animais de rua na cidade de Bodoquena ou para compras de cadeiras de rodas na cidade de Bonito.

Os vidros são encaminhados para a Casa do Vidro em Bonito que faz um excelente trabalho de reutilização sustentável dos mesmos.

Está condicionada apenas a entrada de capital.
Seria interessante se fossem realizados passeios gratuitos com o viés de educação ambiental para os estudantes e moradores.
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A Boca da Onça não visa apenas a entrada de capital, embora empresas são criadas com esse objetivo (e não há nada de errado nisso), é uma preocupação da proprietária em atender projetos ligados as crianças carentes de nossa região.
Aqui por exemplo, recebemos de forma gratuita professores e alunos carentes das escolas de Bonito, Bodoquena, e até de outras regiões para fazerem o passeio completo, com café da manhã, almoço, guia e seguro.
Nesse caso, recebemos a ajuda dos guias voluntários que atendem os professores e as crianças (também de forma gratuita), falando sobre sustentabilidade, preservação ambiental e como isso tudo ajuda a região como um todo, gerando inclusive empregos e conscientização da população.
Além de outras ações junto a algumas escolas que culminam num benefício social para as crianças.
Sem falar na parceria com escolas que realizam aulas eletivas de cunho conservacionista.”

Que a proteção à natureza aumente

Quando questionei à Boca da Onça em sua página, levantei alguns questionamentos junto a elogios, pois foi o passeio que mais apreciei durante minha viagem a Bonito. Agradeço à equipe por se preocupar em responder. Algumas pessoas comentaram na minha avaliação assumindo posição beligerante. Meu objetivo era que minhas perguntas fossem respondidas, e não atacar a equipe em troca de provar que eu estava certo (como é recorrente nesta era de trolls pela internet).

Longe de desmerecer o esforço daqueles que, como eu, trabalham e favor da proteção ambiental e conhecem seus desafios, não podemos cair na ilusão de que não há o que melhorar. Comemoremos as conquistas, mas sempre de olho no que vem a seguir.

Pouco tempo após eu regressar de Bonito, foram publicadas matérias sobre a degradação do paraíso turístico em diferentes veículos de comunicação, como o Fantástico, da Rede Globo de Televisão e o Correio do Estado, periódico do Mato Grosso do Sul, que dão respaldo ao que o Guarda Municipal me contou lá no Balneário Municipal. E quando é lama que chega às águas cristalinas, nem é preciso o olhar atento e experiente do nativo da região.

O questionamento, quando comecei a escrever este texto, era se as áreas naturais de Bonito tinham sua proteção condicionada à entrada de capital. Hoje, não tenho dúvidas, mas a certeza de que sua conservação está em risco. Se de um lado há um interesse econômico que conserva Bonito para o turismo, do outro há uma pressão, envolvendo muito dinheiro, que estrangula a área em um estado onde o agronegócio impera.

31 Comentários

    • Infelizmente o agro impera e está estrangulando o meio ambiente.
      Muito boa a matéria, só fala o que realmente acontece em nosso destino que tem muito pra melhorar.

  1. Achei a análise incoerente e rasa. Se não fosse a entrada de capital Bonito já teria se destruído há muito tempo pelo capital do agro negócio. Eu adoraria viver mundo onde o meio ambiente fosse protegido pelo Estado e pela sociedade, mas esse mundo não existe e o capital é importante nesse processo.

    • Agradeço o comentário e recebo humildemente a crítica, Douglas. Aproveito a oportunidade e te convido para escrever uma análise coerente e aprofundada para publicação aqui para o blog. Topa?

      • Concordo com vc, Paulo. Não tem nada de raso no seu post. Estou em Bonito e percebo que aqui, o que Deus fez de graça é cobrado e caro, para se contemplar. As vendas de pacote, são casadas com transportes e pousadas e, se vc não for de classe abastada, não vê absolutamente nada de interessante, além da praça central. Os passeios não são democratizado. Ou seja, se vc é trabalhador, pobre, não venha, porque Bonito não é você. Todos os passeios são em propriedades particulares. Foi um passeio, caro, distante e frustrante.Tudo aqui, é absurdamente caro. Do passeio ao pastelzinho da lanchonete da esquina. Eu não voltaria. Ah, sm contar que é um antro de bolsonaristas e a gente tem até medo de que descubram que não apoiamos o miliciano, pois as pessoas ainda idolatram o mito por aqui.

  2. O Parque Nacional da Serra da Bodoquena, além de garantir a conservação de uma parcela importante dos municípios de Bonito, Bodoquena, Porto Murtinho e Jardim, poderia se tornar um modelo alternativo e complementar aos já existentes e realizados nas áreas privadas. O Parque poderia oferecer trilhas auto guiadas, banhos de rio e cachoeira sem limitações de tempo e outros passeios, com custo mais acessível. É lastimável que após mais de 20 anos o uso público ainda não esteja implantado nessa unidade de conservação.

    • Concordo com com você, Marja. Precisamos de modelos alternativos, menos exploratórios, mais contemplativos e inclusivos. É preciso que se estabeleça/fortaleça a relação das comunidades e dos visitantes com a proteção dessas áreas.

    • Olá Santos, tudo bem? Já olhei meu curriculum. Aliás, fui eu que o escrevi. Na verdade não sou o capitalismo em pessoa porque não sou dono dos meios de produção. Tenho consciência da minha posição de privilégio como homem, branco, hétero e de classe média e o quanto isso me abriu portas, inclusive para estudar na USP e na Unicamp e para viajar a lugares como Bonito. Acredito que com políticas públicas afirmativas e de inclusão, cada vez mais pessoas possam ingressar em universidades públicas e de excelência e inclusive viajar a outros lugares. Não é porque nasci privilegiado que vou querer seguir a vida tendo exclusividade. Tem recurso pra todos. Só faltou vontade por conta dos capitalistas, que você ainda parece não ter entendido quem são. Eu quero ver pobres, negros, LGBTQs, indígenas, todo mundo entrando na universidade e frequentando aeroportos. Você não?

    • Olá, Marcio. Agradeço a leitura e o comentário. Infelizmente os preços altos e a dificuldade de deslocamento sem veículo próprio impediu que eu pudesse visitar mais locais na região. O Rio da Prata é melhor em quais sentidos? Beleza cênica? Bons guias? Não entendi se você está elogiando o modelo turístico, que critico, a partir do título do texto, como elitizado e vulnerável no que diz respeito à conservação da natureza.

    • Agradeço a leitura. É um modelo de turismo interessante para observarmos o que podemos tirar e bom e de ruim dele e pensarmos o desenvolvimento do turismo brasileiro, que dadas particularidades regionais, tem inúmeras deficiências, tendo potencial subaproveitado e predominando o caráter exploratório.

    • Acredito que não seja perigosa para turistas. Mas lembremos que o Mato Grosso do Sul é reduto eleitoral bolsonarista. Então muito cuidado ao vestir camisetas vermelhas.

    • Realmente é uma região muito bacana de se visitar. Tudo muito organizado. Mas se não tiver veículo próprio, fica bem complicado, porque tanto as atrações quanto os transportes são caros (além de você ficar refém de itinerários fixos).

  3. Paulo, fiquei muito feliz em ler o seu blog e ver que existem pessoas que também têm esse olhar crítico. Estou em Bonito e, desde que cheguei aqui, tenho me incomodado muito com o fato da maioria das atrações serem privadas e todo o dinheiro que estou gastando não retornará para a população. Fico ainda mais triste em saber que meu dinheiro está indo para o agronegócio (sou vegetariana e a exploração animal e a posição política deles muito me incomoda). É uma lástima saber que há tanta beleza natural na mão de tão poucos. Algo que deveria ser de todos ou, pelo menos, que sua exploração turística resultasse em investimento para melhorar a qualidade da população de Bonito.

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