37% das mortes por calor são causadas pela ação do homem e porque ele impacta o nosso bem-estar

Formação de uma onda de calor – Ilustração: Domínio público via Wikimedia Commons

Estudo mostra as consequências do aquecimento global induzido pelo homem na saúde das populações. Os maiores prejuízos serão em países do Sul Global, como Brasil, Colômbia, Guatemala e Filipinas

Uma em cada três mortes no mundo tem como causa ondas de calor influenciadas pelo aquecimento global induzido pelo homem. O Brasil é um dos países mais afetados por este fenômeno, e junto com outros localizados no Sul Global, registra índices ainda maiores – seis em cada dez óbitos.

Esses dados alarmantes foram divulgados na edição mais recente da revista Nature Climate Change e demonstra o quanto as populações têm sofrido com as mudanças climáticas. Neste amplo estudo para detectar os riscos do clima na saúde humana, 70 pesquisadores da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres e da Universidade de Berna, dentro da rede de pesquisa colaborativa Multi-Country Multi-City (MCC), cruzaram dados de saúde com os de registro de temperaturas e algumas modelagens climáticas em 732 locais de 43 países ao redor do globo entre 1991 e 2018.

Ao examinar as condições meteorológicas, simularam cenários com e sem emissões causadas pelo homem, e separaram o aquecimento global de tendências naturais e o impacto na saúde ligado às atividades antrópicas. Os cientistas concluíram que 37% dos óbitos relacionados a altas temperaturas (100 mil mortes anuais) são atribuídos às mudanças climáticas. Essa porcentagem é maior nas américas Central e do Sul (até 76% no Equador ou na Colômbia) e no Sudeste Asiático (entre 48% e 61%). Isso significa que os países mais afetados são justamente os que menos contribuem com o total de emissões. Já países desenvolvidos, como Estados Unidos, Austrália, França, Grã-Bretanha e Espanha, registraram um percentual entre 35% e 39%.

O calor afeta nosso bem-estar e causa doenças  

Complicações cardiovasculares, renais ou respiratórias também são resultado da duração de ondas de calor. São várias as maneiras como o aquecimento global afeta a saúde pública. Há impactos diretos, como a mudança na propagação de vetores de doenças por conta de condições climáticas que expandem ou transferem seus habitats, incêndios florestais que afetam a qualidade do ar e o calor extremo que interfere em situações de comorbidade.

A pesquisa evidencia a necessidade de adotar políticas de mitigação para reduzir o aquecimento e proteger as populações mais vulneráveis das consequências adversas da exposição ao calor extremo. Os mais afetados são crianças menores de 5 anos e idosos com mais de 70, que nem sempre possuem mecanismos fisiológicos termorreguladores[1] funcionando de forma eficiente. Outro efeito colateral é a perda de muitos líquidos pelo suor, que torna o sangue mais viscoso e favorece a obstrução de vasos importantes e comprometem os rins, causando infecções urinárias ou problemas crônicos.

“No Brasil, mudanças climáticas respondem por 1% de mortes ‘naturais’ associadas ao tempo quente.” Paulo Saldiva, professor e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e um dos integrantes do estudo

O desconforto térmico causa mal estar e influencia no bem-estar geral. O organismo humano é capaz de se adaptar, mas isso tende a acontecer de forma lenta, na contramão da velocidade em que a mudança vem ocorrendo. Ao longo da história, o homem criou mecanismos naturais e artificiais como medidas adaptativas que vão de alterações físicas, como a redução da melanina, a invenções como roupas específicas para cada clima e casas com isolamento térmico em regiões mais frias. No entanto, medidas recentes incluem atitudes mais dramáticas, como a migração de refugiados climáticos.

Nas cidades, a situação é notória. Ilhas de calor impactam a vida de quem vive nos centros urbanos. O Brasil figura entre os locais mais afetados, principalmente nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, já que no Norte e Nordeste, por estarem mais aclimatadas ao calor, as pessoas tendem a sofrer menos os impactos do aquecimento global.

A importância deste estudo é revelar as implicações sobre a saúde do indivíduo e alertar para a necessidade de reduzir o aquecimento global. A mensagem é clara: as mudanças climáticas não gerarão impactos apenas no longo prazo. Eles já estão sendo vivenciados como consequência das atividades humanas no clima do planeta. Mais um recado de que devemos começar a agir agora.

Referência:

Vicedo-Cabrera, A.M., Scovronick, N., Sera, F. et al. The burden of heat-related mortality attributable to recent human-induced climate change. Nat. Clim. Chang. (2021). https://doi.org/10.1038/s41558-021-01058-x

[1] A termorregulação é um mecanismo de equilíbrio da temperatura humana para manter nosso organismo sempre em torno de 37°C. Quando a temperatura do ambiente oscila, o sistema de termorregulação entra em ação para dissipar ou reter o calor do corpo.

Jaqueline Nichi é jornalista e cientista social com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutoranda no Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança multinível e multiatores.

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