É dito em São Paulo que a primeira unidade de conservação do Brasil é o Parque Estadual Alberto Löfgren. Este foi criado em 1896, com a desapropriação do Engenho de Café Pedra Branca, como Horto Botânico de São Paulo, tendo Alberto Loefgren como seu idealizador e gestor. Virou um Horto Florestal, nome pelo qual é chamado até hoje. Tem esse nome duplo e comumente há quem estranhe o nome Parque Estadual Alberto Löfgren e o conheça apenas como Horto. Ao ouvir o nome da unidade de conservação, franzem as sobrancelhas em sinal de estranhamento que outros fazem quanto ao Museu Paulista em referência ao Museu do Ipiranga (que inclusive reabrirá no 7 de setembro deste ano). O Horto, está situado na zona norte da capital paulista e pelos desatentos é confundido com o Parque Estadual da Cantareira (Núcleo Pedra Grande). São unidades de conservação diferentes, justapostas, mas que juntamente com o Museu Florestal Otávio Vecchi, formam um belo roteiro e é uma boa dica para quem está iniciando a prática do ecoturismo.
Os hortos botânicos ou florestais são espaços onde se fazem experimentos com espécies não somente nativas, há também introduzidas, como podem notar logo ao chegar no Horto Florestal.
Ao falar das Unidades de Conservação, muitos se lembram logo do Parque Nacional de Itatiaia (PNI), criado em 1937. Considerada a primeira unidade de conservação oficial, nesse mesmo local, porém ainda menor, foi criada a Estação Biológica de Itatiaia, em 1914, com sua história pouco divulgada e conhecida. Um detalhe interessante, é que nessa pequena estação, Paulo Campos Porto, seu diretor, fez o primeiro plantio de cambucizeiros (Campomanesia phaea). Fruto atualmente famosíssimo em São Paulo, principalmente a partir da criação do Festival do Cambuci de Paranapiacaba (Santo André) e depois com a criação da Rota Gastronômica do Cambuci (Rota do Cambuci) com municípios integrantes da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo (RBCV-CSP).
Em outros municípios o povo já fazia o uso do fruto, assim como do cambucá, da cagaita, da uvaia, da juçara, do jatobá, do caraguatá etc. Frutos deliciosos que, vocês, caros leitores, como bons admiradores da biodiversidade brasileira, já degustaram e adoram.
Mas muito antes disso, o cambuci tinha seu lado reservado nos botecos, mergulhado em cachaça, soltando seu tanino, seu sabor doce amadeirado e seu aroma num frasco sempre cheio.
Outra unidade de conservação que deveria ser mais conhecida pelo povo brasileiro, ao menos sua história, é a Reserva Biológica do Alto da Serra de Paranapiacaba (RBASP), que já foi assunto nesse blogue (link no final).
Criada como Parque Cajuru, pelo primeiro diretor do Museu Paulista (do Ipiranga), Hermann von Ihering, foi desde o início uma área com objetivo de manter a floresta protegendo as águas, destinada à pesquisa e com a esperança de que as futuras gerações tivessem uma área em que pudessem conhecer a Mata Atlântica em seu estado mais íntegro. Ihering só não esperava que logo ali no pé da serra, em Cubatão, décadas depois, principalmente a partir de 1966, fossem instaladas tantas indústrias poluentes que degradariam a região até os fins dos anos 80. É pelo objetivo da aquisição das áreas para a criação do Parque Cajuru, que costumamos dizer que a primeira unidade de conservação está em Paranapiacaba, hoje chamada de Reserva Biológica do Alto da Serra de Paranapiacaba (RBASP).
Na data de hoje, 26 de abril de 2022, completa seus 113 anos de criação. Escrevo este texto observando parte de sua mata através da janela do quarto, imaginando o quanto a difusão e valorização da história da Reserva Biológica do Alto da Serra poderia preservá-la das ameaças. Afinal, é em sua zona de amortecimento que se pretende instalar um centro logístico, impermeabilizando, urbanizando, acinzentando áreas verdes, paisagística e simbolicamente importantes para o território.
Tenho dito há muitos anos que as bordas da RBASP, suas zonas de amortecimento, assim como a integridade de todo seu território devem ser preservadas não somente baseando-se no Sistema Nacional de Unidades de Conservação e nos tombamentos, mas pelo imaginário e pela história. Uma área em que pisaram Frederico Carlos Hoehne, Adolfo Lutz, Bertha Lutz, Alfred Usteri, Marie-Curie, Irène Curie, Nikolai Vavilov, Margaret Mee, Leopoldo Magno Coutinho, Warren Dean, Paulo Vanzolini et al, deve ser preservada para que cada pesquisador, cada criança e adolescente, cada passageiro distraído, mas sabido da história, observe e admire as bordas da floresta e imaginem como deve ter sido a visita de cada um desses. Que por notá-la bela paisagisticamente, tenha em si o interesse em conhecê-la e assim permitindo-se participar das ações de educação ambiental.
A Reserva Biológica do Alto da Serra de Paranapiacaba é provavelmente o espaço que recebeu o maior número de celebridades do ABC (Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra). Assim como a ave tangará (Chiroxiphia caudata) é o orgulho andreense, a Reserva Biológica do Alto da Serra de Paranapiacaba não somente deve, mas merece causar brilho nos olhos de cada cidadã e cidadão que fale sobre a história do município. Mas para além disso, cada professor e professora poderá ajudar a curiosidade dos alunos quando disser na aula que Marie-Curie e Irène Juliot-Curie já vieram ao Brasil, à São Paulo, estiveram em Santo André e justamente em Paranapiacaba.
Pode também cada leitor/leitora, sempre, mas principalmente em ano eleitoral, dizer aos amigos e amigas, que a feminista, bióloga, política, professora, pesquisadora deputada Bertha Lutz, que conquistou o voto feminino no Brasil, esteve na mata em Paranapiacaba.
A Reserva Biológica do Alto da Serra de Paranapiacaba deve ser um orgulho nacional, estadual, regional e municipal. Zona Núcleo da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo e da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, deve ser entendida como um patrimônio nacional, respeitada por sua história e protegida por cada cidadão e cidadã que luta pela ciência, pela conservação, pela biodiversidade e pelo bem-estar das presentes e futuras gerações.
Para finalizar, o silêncio também diz. É difícil que os extrovertidos compreendam essa afirmação. Então, com ou sem duplo sentido, o que significa o silêncio de uma sociedade diante do aniversário da unidade de conservação mais antiga do país?
Parabéns à Reserva Biológica do Alto da Serra de Paranapiacaba e a todos e todas funcionários públicos que atuando nos órgãos competentes lutaram e lutam pela conservação dessa pequena e importante área.
Mais sobre a RBASP: https://www.blogs.unicamp.br/naturezacritica/2021/05/07/marie-curie-esteve-aqui-a-famosa-e-mais-antiga-reserva-biologica-do-brasil/
Resgate necessário da história de unidades de conservação no Estado de São Paulo e sua valorização.
A luta pela preservação da RBASP será sempre necessária, aja vista que temos uma rodovia, uma ferrovia e propriedades privadas muito próximas à ela. Espero que trazendo uma ínfima parte da história nessa data tão especial seja possível contribuirmos para a integridade da área.
Te agradeço, M. Madeleine, pela leitura e comentário.
Meus parabéns Israel Mário Lopes
pelo histórico da preservação do que nós conhecemos como Serra do Mar. Não imaginava que ela tivesse sido visitado por tão ilustres cientistas ao longo do século.
Caro Guenji, é uma honra tê-lo aqui conosco! Te conheci apenas de vista em um evento ao lado da DG do Instituto Florestal em meados de 2007-08, quando eu era estagiário na Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo. Já aqui em Paranapiacaba, há uns anos me lembro de uma senhora japonesa perguntar de ti. Abraço
Excelente texto e bela exortação a valorizarmos está bela reserva que tanta história tem. Gostaria de acrescentar as visitas ilustres Rudyard Kipling, famoso escritor inglês, mais conhecido do grande público por Mogli, o menino lobo, um dos seus contos de Os Livros da Selva. Está Estação serviu também de base para instalação de equipamentos que monitoraram a poluição de Cubatão, ajudando a entender e atuar sobre o grave deslizamento de encostas que está poluição geral na década de 80, do século passado.
Olá Waverli, antes da pandemia, um dos meus planos era (mas ainda é), ter acesso ao livro de Visitantes que hoje está bem guardado. Dean cita-o em "A ferro e fogo" e fala do risco de ser furtado. Não foi (=
Uma curiosidade sobre Mogli é que Kipling se inspira em Dina Sanichar. Sobre Cubatão, a Jutta Gutberlet, publicou uma imagem em Cubatão - Desenvolvimento, exclusão social e degradação. Uma história dramática que demandaria um baita e merecido artigo. Mas para além dos livros, acredita que de tempos em tempos aparece alguém em meus grupos, que trabalhou lá naquelas indústrias e sempre conta causos pouco sabidos. Te agradeço por aparecer por aqui, um abraço
Meu pai, botânico Oswaldo Handro (1908-1986), biologista do Instituto de Botânica de São Paulo, ia lá frequentemente, durante décadas. Com ele fui muitas vezes, desde criança. As últimas vezes que fui foram nos anos de 1964/65, quando eu já era professor na disciplina de Ecologia Vegetal da USP, junto com o prof Leopoldo Coutinho. Nossos nomes estão lá registrados muitas vezes, nos livros de visitas.
Que legal Walter Handro tê-lo aqui, uma honra. Nos falamos em comentários de algum grupo. Muito interessante saber que esteve por aqui com o Coutinho. Conheci pessoas que o tiveram como professor e tenho constantemente falado dele, principalmente quando falo do estudo que ele fez sobre o nevoeiro por aqui. Tomo a liberdade (já que não sou gestor aqui)de dizer que, caso queira contar alguma história no blogue, será muito bem vindo. Abraço
Muito obrigada por essa bela historia, minha familia há 3 e 4 geraçoes atrás também viveu nessa regiao. Eu gostaria de conhecer os autores desse Blog ou reportagem.
Olá Ana Beatriz, é um prazer tê-la aqui e fico feliz de saber que sua família viveu na região. Pegue meu número e se puder, conte essa história (= : 11-97251-4300 - Israel
Infelizmente o silêncio é o apagamento da história dos povos iriginarios deste território grita aos meus ouvidos.
Na sua narrativa novamente os Guauana, os Muiramomi foram omitidos.
Nós, guaianá-muiramomi somos os ferdadeiros donos dessa terra sagrada e, pela lei 11645, exigimos que nossa história seja contada.
Assista https://youtu.be/UVHVDNzxRtA e reconsidere que estamos aqui há 15000 anos.
Olá Silvia Guayana-Muitamomi, note que o recorte dessa postagem é muito específico, poderia começar com os sambaquis em Cubatão, até porque ali está um dos maiores do mundo e subir a serra, mas essa publicação não trata somente de abordar a RBASP em uma data especial, mas também enviar um recado. Um artigo sobre o período anterior à ferrovia será muito bem vindo. Além de te dizer que você é bem-vinda para escrever sobre, e digo que décadas atrás eu havia estudado superficialmente o Peabiru e deseja até mesmo utilizar como chamariz, detalhe que inclusive falei ao Ale Oshiro durante as nossas gravações do documentário. Reforço, está feito o convite.