Cidades inteligentes: como a pandemia pode inspirar o urbanismo do futuro

A pandemia de COVID-19 escancarou os já históricos obstáculos e desafios para as cidades, como a dificuldade no acesso a equipamentos públicos de saúde, a poluição atmosférica, a superlotação do transporte público, e a desigualdade social que obrigou alguns a se deslocar para trabalhar no auge da contaminação enquanto outros tiveram o privilégio do home office.

Mas passada a pior fase, a reabertura e retomada dos serviços públicos tende a acelerar uma onda de inovação iniciada durante a crise e que reforça a necessidade de cidades mais inteligentes e sustentáveis, portanto, mais eficientes e agradáveis de se viver. Um reflexo dessa necessidade de mudanças foi o êxodo urbano para o interior e litoral. Além disso, os efeitos antropogênicos das mudanças ambientais e climáticas ficaram ainda mais evidentes com a quarentena, a exemplo do que aconteceu no município de São Paulo: a poluição caiu 50% e o índice de poluentes que desencadeiam doenças respiratórias foi reduzido em 30% somente na primeira semana de isolamento (CETESB, 2020).

Essa fuga das cidades, impulsionada pela quarentena, é resultado dos benefícios que a tecnologia é capaz de oferecer, como o teletrabalho, a teleconsulta médica, os pagamentos por aproximação, ou ainda o e-commerce que substituiu muitas lojas físicas, todos, tendências que devem se consolidar e crescer no pós-pandemia, segundo um estudo da McKinsey Global Institute. Entretanto, destaco dois aspectos catalizados pela pandemia e relacionados à vida nas cidades:

A valorização dos bairros

Aquele programa de cidade do interior de bater papo na calçada, ou ainda, a possibilidade de pedir um copo de açúcar emprestado para o vizinho, pode se adequar ao ritmo das grandes cidades. Dar preferência por adquirir produtos em lojas do bairro sem ter que se deslocar em grandes distâncias, comer na calçada de um restaurante local e valorizar o comércio do bairro retomou sua importância na pandemia, dando aquela sensação nostálgica do tempo dos nossos avós.

Micromobilidade: a cidade de 15 minutos

Uma característica das cidades inteligentes tem sido uma política urbana iniciada durante a pandemia em cidades europeias, como Paris e Milão. Com o fácil acesso a vias para caminhadas seguras e agradáveis, ou por meio da bicicleta, o modelo de cidades em que a pessoa se desloca até onde precisa em até 15 minutos tende a se expandir globalmente (Moreno et al., 2021). Isso faria com que a mobilidade urbana, especialmente a motorizada, fosse reduzida ao mínimo necessário. Mas é sabido que opções de espaços de lazer como parques e praças, ou cinemas e teatros, além de serviços essenciais como hospitais e escolas, ainda são incipientes na maior parte dos municípios brasileiros.

Foto de Aleksejs Bergmanis no Pexels

Processo exponencial de urbanização requer uma nova convivialidade

Com a crescente urbanização em todo o mundo, com previsão de chegarmos em 66% das pessoas vivendo nas cidades até 2050, sendo que o Brasil deve ultrapassar essa porcentagem e chegar a 90% (ONU, 2014), garantir que a população tenha um estilo de vida sustentável, saudável e de qualidade é um desafio para as cidades inteligentes que começam a emergir.

As medidas de isolamento nos obrigaram a elaborar práticas insurgentes para construir um urbanismo humano que transgride as noções hegemônicas de tempo, lugar, ação e fronteira (Miraftab, 2016). Ao reavaliarmos nossa relação com o espaço urbano, com o local onde trabalhamos, estudamos e socializamos, nos reconectarmos com o espaço urbano e com os nossos concidadãos em uma perspectiva que deve valorizar cidades e pessoas mais inteligentes, resilientes, justas e sustentáveis.

Com isso, a esperança é que saiamos melhores e mais fortalecidos do que entramos nessa experiência.

Referências

CETESB. Companhia Ambiental do Estado de São Paulo. Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/. Acesso em 04 de abril de 2022.

ONU. United Nations. Department of Economic and Social Affairs, Population Division (2014) World Urbanization Prospects: The 2014 Revision, Highlights.

Miraftab, F. (2016). Insurgência, planejamento e a perspectiva de um urbanismo humano. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais (RBEUR), 18(3), 363-377.

Moreno, C., Allam, Z., Chabaud, D., Gall, C., & Pratlong, F. (2021). Introducing the “15-Minute City”: Sustainability, resilience and place identity in future post-pandemic cities. Smart Cities, 4(1), 93-111.


Jaqueline Nichi é jornalista e cientista social com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutoranda no Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança multinível e multiatores.

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