Decreto sobre mercado de carbono brasileiro frustra expectativas

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O governo federal publicou em maio o decreto 11.075, que institui o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), ancorado na Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC). O anúncio, que vinha sendo esperado há algum tempo como instrumento de cumprimento dos planos setoriais de mitigação por meio do comércio de créditos de carbono. No entanto, a iniciativa decepcionou porque em vez de regulação a proposta apresentada prevê apenas planejamento. O texto pode ser um ponto de partida e contempla pontos relevantes para a precificação dos gases de efeito estufa (GEE) no país, mas carece de aperfeiçoamento e o direcionamento de um projeto de lei via Executivo federal.

Alguns pontos relevantes como a definição de metas por setor e a criação do Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SINARE) centralizam soluções de mitigação de emissões e transações relacionadas a créditos de carbono. O SINARE aceitará, sem necessidade de certificação dos créditos, o registro de pegadas de carbono, de carbono de vegetação nativa, de carbono capturado no solo, do carbono azul e de unidade de estoque de carbono, mas o decreto não especifica como esses registros seriam contabilizados.

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Mas sem um mercado regulado de carbono nacional o Brasil perde oportunidades na transição para uma economia de baixo carbono, como geração de empregos e renda e aumento de produtividade e competitividade. Além da insegurança jurídica, por se tratar de um decreto, ou seja, pode ser facilmente alterado pelo Executivo, há muitas lacunas e prazos inconclusivos. E por não ser mandatória, não especifica se haverá consequências no caso de descumprimento das metas.

O processo de descarbonização é longo e uma lei específica garantiria uma política de Estado e não de governo, sendo mais estável e legitimado pelo Legislativo. O Brasil fica, mais uma vez, alheio à estratégia global de precificação, com questões técnicas indefinidas e muita fragilidade institucional para que o país cumpra sua meta de redução de emissões no marco do Acordo de Paris.

Esse também poderia ser um caminho para que o Brasil ocupasse uma liderança estratégica nessa agenda por seu enorme potencial de venda de créditos de carbono que podem se traduzir em receita líquida de até US$ 72 bilhões até 2030, de acordo com a projeção do Environmental Defense Fund, e que seriam vitais para estimular o setor produtivo e financiar a transição para uma economia carbono zero.

Mas, afinal, o que é e como funciona o mercado de carbono?

O mercado de carbono surgiu a partir da criação da Convenção Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), na ECO-92, no Rio de Janeiro.

Na Cúpula do Clima do Japão, em 1997, foi decidido que os países signatários deveriam assumir compromissos mais firmes para a redução das emissões de GEE, o que ficou conhecido como Protocolo de Quioto. O objetivo era que os países limitassem ou reduzissem suas emissões, que passaram a ter valor econômico.

Esse protocolo só foi ratificado sete anos depois, em 2004, quando conseguiu reunir 55% dos países que representavam 55% das emissões globais de GEE, como previa o documento.

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Convencionou-se que 1 crédito de carbono equivale a 1 tonelada de dióxido de carbono (CO²), podendo ser negociado no mercado internacional. Outros gases poluentes também podem ser convertidos em créditos de carbono “equivalentes”, com três mecanismos:

  1. Comércio de emissões

Países do Anexo I (desenvolvidos) que tiverem emissões sobrando (não usadas) podem vender esse excesso para outras nações do Anexo I com emissões acima do limite.

  1. Implementação conjunta

Países do Anexo I podem agir em conjunto para atingir suas metas a partir de um acordo de cooperação entre aquele que ficou dentro da meta e o que vai extrapolar, por meio de beneficiamento em investimentos e transferência de tecnologia.

  1. Mecanismo de Desenvolvimento Limpo

Permite projetos de redução de emissões em países do Anexo I ou Anexo II (em desenvolvimento) que não possuem metas de redução de emissões. Os projetos podem se transformar em reduções certificadas de emissões (1 tonelada de CO2 equivalente), negociados com países que tenham metas de redução no âmbito do Protocolo de Quioto.

Os projetos devem ser registrados publicamente para serem elegíveis e garantir que sejam reais, verificáveis, reportáveis e adicionais ao que ocorreria sem a existência do projeto.

E o mercado voluntário de carbono?

Já o mercado voluntário, no qual empresas, ONGs, governos ou pessoas físicas reduzem  emissões voluntariamente podem ser gerados em qualquer lugar do mundo e são auditados por uma entidade independente (VER – Verified Emission Reduction). Esses créditos não estão sujeitos a registros da ONU, assim, não valem como meta de redução dos países que fazem parte do acordo internacional.


Jaqueline Nichi é jornalista e cientista social com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutoranda no Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança multinível e multiatores.

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