Do satélite às manchetes de jornal: como os dados de desmatamento chegam até você

Em agosto, o Governo Federal divulgou que a área sob alertas de desmatamento na Amazônia caiu 42,5% entre janeiro e julho de 2023 em relação ao mesmo período do ano anterior. Esse número foi obtido após muitos cálculos e análises, principalmente, das imagens de satélites.

Mas já parou para pensar sobre como essas imagens são obtidas? Ou como dados capturados no espaço “viajam” até a Terra? 

Para os mais letrados em física e geoprocessamento, a resposta para essa pergunta pode parecer óbvia. Mas, se esse não é o seu caso (certamente não é o meu), vem comigo entender mais sobre os segredos por trás da mensuração do desmatamento.

Para começar, é preciso explorar o sensoriamento remoto.

O que é o sensoriamento remoto e como ele funciona?

O sensoriamento remoto nada mais é do que a obtenção de informações sobre um objeto, área ou fenômeno sem a necessidade do contato físico. Nesse processo, os dados são capturados por meio de sensores, a exemplo de câmeras e radares, que podem ser instalados em diferentes tipos de dispositivos, como drones, aviões e satélites. 

Há vários tipos de sensores, cada um com particularidades em relação a seu funcionamento. Porém, focaremos nos sensores ópticos multiespectrais, que capturam uma boa parte das imagens usadas no monitoramento de vegetação. 

Para entender como esses sensores funcionam, precisaremos resgatar só um pouco das aulas de física do colégio. Vamos lá:

Os sensores ópticos coletam dados sobre as áreas que observam através da interação da luz com os objetos. Olhe bem para a imagem abaixo e veja que a luz interage de formas diferentes com cada tipo de superfície. Por exemplo, quando a luz incide sobre uma árvore, suas folhas absorvem a parte vermelha e azul da luz, ao passo que refletem a parte verde. Logo, a folha tem a “cor” verde. Já o solo exposto pode absorver o azul e o verde da luz, enquanto reflete a parte vermelha.

Em outras palavras, a cor que percebemos em um objeto é determinada pela forma como ele interage com a luz que o ilumina. Bem resumida e simplificadamente, os sensores acoplados aos satélites registram essas interações e a imagem é formada.

Guarde essa informação enquanto avançamos para a segunda parte da explicação (e a mais legal na minha humilde opinião): o caminho das imagens até um computador na Terra.

Do espaço à terra firme: como as informações obtidas pelos satélites são transmitidas?

Uma vez capturadas pelos sensores dos satélites, as informações são armazenadas em pequenas partes chamadas de pixel. Provavelmente você já escutou esse termo algumas vezes. Ele vem do inglês picture element, ou elemento de imagem em bom português, e é usado para nomear a menor unidade possível que compõe uma imagem.

Na ilustração abaixo, por exemplo, há uma estrada de terra cortando uma área. Quando ampliamos a imagem, notamos que cada ponto da estrada é composto por pequenos quadrados de tonalidades diferentes. Cada um desses quadrados é um pixel.

Entendendo que uma imagem é formada por um conjunto de pixels, podemos avançar na nossa viagem. E essa parte aqui é realmente uma viagem. Então abra sua mente e me acompanhe nas etapas que as imagens de satélite percorrem até chegar a um computador terrestre:

  1. Digitalização:  Para cada pixel da imagem, é atribuído um valor numérico representando a tonalidade de luz refletida nele. Em uma imagem em tons de cinza, por exemplo, a tonalidade da luz em cada pixel pode ser representada por um valor entre 0 e 255, com 0 representando o preto e 255 o branco. 
  2. Codificação: O valor de cada pixel é então traduzido em formato binário, isto é, representado usando-se apenas 0 e 1.  Por exemplo, um pixel com valor 2 em tons de cinza pode ser representado como “10” em binário. Essa transformação é feita porque os computadores usam o sistema de números binários para fazer coisas como processar, transferir e armazenar dados (tema para próximos textos).
  3. Modulação:  Com os dados convertidos para o formato binário, é hora de transmiti-los para as antenas das estações terrestres usando – pasmem – sinais de rádio. E como é que isso funciona? Sabemos que o sinal de rádio é uma onda, tipo aquelas que acontecem quando jogamos uma pedra no lago. Para transmitir as informações através dessas ondas, podemos modificar sua frequência para o exemplo: 5 ondas a cada milisegundo representam o número zero. 10 ondas a cada milisegundo representam o número um.

Ou seja, definimos um sinal de rádio entre as pontas que vão se comunicar e variamos alguma característica do sinal (como amplitude, frequência ou fase) para representar os únicos dois dígitos que vamos transmitir – os benditos zeros (0) e uns (1).

  • Transporte: As antenas do satélite direcionam os sinais para as estações terrestres de recepção, onde são convertidos em dados digitais novamente para serem remontados como uma imagem. 

É isso mesmo que você leu. Palmas para nós seres humanos que inventamos dispositivos para capturar imagens do espaço, transformá-las em números, depois em sinais de rádio e transportá-las até a Terra. 

Agora, só falta uma etapa para concluirmos a jornada: explorar o que acontece depois que as imagens chegam à Terra. 

Da estação ao relatório: o que acontece com as imagens depois de chegar do espaço?

Como descrito acima, até chegar na Terra, as imagens já percorreram algumas etapas bem elaboradas. Porém, antes de serem de fato usadas, elas passam por alguns procedimentos adicionais para melhorar sua qualidade, corrigir imperfeições e eliminar ruídos.

Por exemplo, no caso de um dos principais programas de monitoramento do desmatamento do Brasil – o PRODES (Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal) – mesmo que as imagens já venham de seus fornecedores com alto grau de correção, ainda são aplicados ajustes para realçar as áreas desmatadas. Observe as imagens abaixo. A segunda recebeu realces em relação a primeira, percebe como faz diferença?

Com as imagens devidamente ajustadas, especialistas treinados as analisam, delimitando polígonos de desmatamento e identificando padrões de alteração da cobertura florestal. Ainda no caso do PRODES, uma das metodologias aplicadas é a incremental, isto é, compara-se a imagem de uma região em um determinado ano com a imagem da mesma região no ano anterior. Uma máscara de exclusão é aplicada para evitar “duplo mapeamento”, ou seja, a contabilização de áreas desmatadas já mapeadas anteriormente.

Esse processo de análise e comparação se repete para todas as imagens selecionadas. Só então, começa toda a parte matemática para determinar as taxas de desmatamento divulgadas nos portais oficiais do governo, jornais e mídias sociais. 

Por fim, se você achou que este artigo não terminaria nunca, quase acertou. Ele já teve 10 páginas e o dobro de conceitos. Mas como puderam perceber, o caminho dos dados de desmatamento, desde a captação nos satélites até a geração de relatórios e análises detalhadas, é uma complexa e fascinante jornada. 

Mesmo que não lembre de nenhum dos conceitos, espero que este texto renove suas esperanças na espécie humana e no que ela é capaz de fazer. Se inventamos o sensoriamento remoto e todos os seus desdobramentos, também conseguimos reprogramar nossa relação com os recursos naturais em prol da preservação do meio ambiente e, consequentemente, da nossa espécie. 

Assim torço e acredito.

Fontes:

  1. Metodologia Utilizada nos Projetos PRODES e DETER – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
  2. Relatório Parcial da Pesquisa Mapeamento E Análise Espectro-Temporal Das Unidades De Conservação De Proteção Integral Da Administração Federal No Bioma Caatinga: Sensoriamento Remoto E Meio Ambiente – Fundação Joaquim Nabuco e Universidade Federal de Campina Grande
  3. From the Satellite to the Ground – National Aeronautics and Space Administration (NASA)
  4. MapBiomas Brasil

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