O desafio de reduzir a lacuna de dados climáticos nos países do Sul Global

Grandes volumes de dados são a matéria-prima da Quarta Revolução Industrial, marcada pela convergência de tecnologias digitais e físicas em larga escala. Inteligência artificial, biotecnologia, Internet das Coisas, Big Data e Machine Learning são alguns dos termos comuns nesse salto tecnológico. Porém, os benefícios econômicos e sociais dessa revolução seguem concentrados geograficamente nos países desenvolvidos.

Os múltiplos desafios políticos e socioeconômicos que os países em desenvolvimento enfrentam, como a erradicação da pobreza e limitações estruturais, impedem o avanço dessa agenda em um mercado global cada vez mais competitivo e digitalizado. Além disso, investimentos em ciência, tecnologia e inovação (CTI) são insuficientes, resultando na baixa qualidade de mão de obra e na geração de soluções efetivas baseadas na ciência, em especial, tecnologia verde.

Os artigos 4.5 da Convenção do Clima e o 10(c) do Protocolo de Kyoto estabelecem diretrizes para os países desenvolvidos signatários do Acordo de Paris para promover, facilitar e financiar a transferência de tecnologias e conhecimentos para outros países. O principal objetivo é apoiar a implementação de suas NDCs e a redução das emissões de gases de efeito estufa nesses países localizados no Sul Global.

O Relatório Especial do IPCC sobre tecnologias de mitigação e adaptação climáticas (SRTT) define “transferência de tecnologia” como um amplo conjunto de processos que abrange o compartilhamento de conhecimentos e tecnologias de baixo carbono. Incentivar esse processo inclui, ainda, assistência técnica, subsídios, capacitação e cooperação no desenvolvimento de políticas.

Entre os principais desafios para reduzir essa lacuna de dados e tecnologias climáticas estão:

  1. Padronização e transparência de dados: a falta de padrões internacionais para a coleta, relato e compartilhamento de dados relacionados a mudanças climáticas e emissões de carbono. Isso inclui a criação de diretrizes claras para a formatação dos dados, garantindo a transparência e a comparabilidade.
  2. Incentivar a coleta de dados de qualidade: governos e organizações podem criar incentivos para a coleta de dados precisos e confiáveis. Isso pode incluir incentivos fiscais ou regulamentações que exijam a divulgação de informações relevantes.
  3. Acesso a dados sensíveis: algumas informações relevantes para a gestão de mudanças climáticas, como emissões de empresas, ainda são restritas devido a questões de privacidade, propriedade intelectual ou segurança nacional.
  4. Custos associados: a coleta, processamento e análise de dados podem ser caros, especialmente quando se trata de monitoramento em tempo real ou de cobertura global. Isso pode ser um desafio para governos, organizações e pesquisadores com recursos limitados.
  5. Tecnologia e infraestrutura: muitos países e regiões podem não possuir a infraestrutura tecnológica necessária para coletar, armazenar e compartilhar dados de maneira eficiente. Isso pode dificultar o acesso a dados em tempo real e a sua disseminação para tomadores de decisão relevantes.
  6. Falta de colaboração e compartilhamento: a falta de colaboração entre diferentes partes interessadas, incluindo governos, setor privado, academia e sociedade civil, pode levar a uma relutância em compartilhar dados devido a preocupações com concorrência ou outros interesses divergentes.
  7. Barreiras jurídicas e regulatórias: questões legais e regulatórias podem afetar o compartilhamento de dados entre diferentes jurisdições e setores. Isso pode resultar em restrições ou incertezas sobre como os dados podem ser coletados, compartilhados e utilizados.

Superar esses desafios requer esforços colaborativos entre governos, setor privado, academia e sociedade civil para estabelecer padrões de coleta e relato de dados, investir em tecnologia e infraestrutura, melhorar a qualidade dos dados, promover a colaboração e o compartilhamento, além de abordar questões legais e regulatórias.

Referências:

NDC. Nationally Determined Contributions. Disponível em: https://www.un.org/en/climatechange/all-about-ndcs

UNEPCCC. Technology transfer for climate mitigation and adaptation. Disponível em: https://unepccc.org/publications/technology-transfer-for-climate-mitigation-and-adaptation/

UNFCCC, C. Paris agreement. In: FCCCC/CP/2015/L. 9/Rev. 1. United Nations Bonn, 2015.


Jaqueline Nichi é jornalista e cientista social com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutoranda no Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança multinível e multiatores.