As escolas podem perfeitamente se tornar locais singulares, como mundos próprios nos quais cyborgs geracionalmente diferentes se encontram e trocam narrativas sobre suas viagens na tecno-realidade – desde que nós nos permitamos reimaginá-los e reconstruí-los de uma forma inteiramente nova em negociação com aqueles que um dia tomarão nosso lugar (Green & Bigum, 2001, p. 240).
Em um desses finais de semana, cheios de coisas atrasadas para fazer, eu estava procurando um livro leve e tranqüilo. Algo que não me levasse a pensar em trabalho. Bem como qualquer coisa relacionada às pesquisas, enfim… Doce ilusão, claro. Deparei-me com um autor que aprecio e há muito não lia: Aldous Huxley! A Situação Humana, é uma compilação de uma série de conferências pronunciadas no ano de 1959 e publicadas posteriormente.
No primeiro capítulo, Educação Integrada, o autor defende a importância de um ensino não fragmentado e do diálogo entre áreas extremamente especializadas. Assim, Huxley discute como, para termos uma educação integrada, devemos ter pessoas que são pontifex (que ele traduz, do latim, como construtor de pontes).
Sem maiores delongas, me importa aqui aproximar dois textos – o Alienígenas em sala de Aula, de Green & Bigum e o já citado de Huxley – produzidos em épocas tão distantes…
Green & Bigum nos apresentam em seu artigo a discussão sobre a “nova” geração de alunos jovens e adolescentes e os impasses enfrentados pelos professores adultos que vivem em outro tempo, lastimando da falta de cultura e interesse do primeiro grupo. Não quero focar no debate de “quem é, afinal, alienígena e/ou alienado”. Todavia, achei interessante o modo como termina o artigo, citado na epígrafe. Os autores debatem a escola como espaço em que pessoas de diferentes lugares/posições se encontram e trocam experiências. Com isto, eles pontuam como caminho a reinvenção. Ou seja, uma nova produção de sentidos sobre as experiências e conhecimentos de outros grupos sociais.
Huxley, em sua fala, vai traçar um caminho possível de diálogo entre ciência e arte. Pergunta-se de que vale uma sem a outra. Assim, afirmamos: a ciência existe e possui produções compartilhadas cotidianamente. Mas ninguém entende. Será que a arte não poderia ser: essa instância de produção de sentidos para outros grupos (não-cientistas)? O espaço de significados que une grande parte das pessoas, suas vivências cotidianas e uma teorização abstrata e aparentemente sem contextualização nenhuma? Não poderia ser a arte (o artista) um pontifex? O autor defende, a partir do livro Lyrical Ballads de William Wordsworth, escrito no final do século XVIII, que:
“as mais remotas redescobertas do químico, do botânico, do mineralogista, não são temas menos adequados ao poeta do que qualquer outro tema, desde que sejam assuntos interessantes para os seres humanos em geral e possam ser analisados na medida do que fazem ao homem como ‘ser que goza e sofre’ ”(Huxley, 1982, p.13).
Continuando o argumento, o autor defende, ironicamente, que o ensino (e o ensino da ciência, especificamente) atêm-se mais ao “ser que sofre” (e causa sofrimento) do que o “ser que goza” (e proporciona prazer).
Bem, a proximidade dos textos, penso eu, está exatamente nesse distanciamento colocado por Green & Bigum. Isto é: somos duas gerações – que falam e pensam sobre o mundo de formas distintas, sem conseguir comunicar-se. Por um lado, nós, professores com saberes científicos considerados válidos e formas específicas de falar sobre esse conhecimento. Por outro lado, os estudantes, com manifestações culturais diversas. E, mais ainda, não afinadas com o que o grupo anterior gostaria, muito ligado à mídia e formas de expressão e escrita não legitimadas por nós, adultos.
Dessa forma, o convite de Huxley ecoa (para mim, em mim…): será que a arte, considerando-a como manifestação e visão de mundo, como interpretação, crítica, vivência e, talvez, alargando o conceito de arte como cultura, de um modo geral, não seria essa possibilidade de encontro e trocas de narrativas de que falam Green & Bigum? Um modo de negociação, reinvenção, na tentativa de não deslegitimar o outro, mas agregar, “reconstruí-los de uma forma totalmente nova” como defendem os autores?
Essa discussão parece ser um retorno a preocupações que eram demonstradas no passado e foram guardadas em gavetas obscurecidas… Embora me impressione, mas tenha suas particularidades, claro. As tecnologias mudam (mudaram), o olhar para o jovem mudou. No entanto, ainda não conseguimos atrelar ao conhecimento científico-tecnológico significados de nossa vida rotineira. Em se tratando de inclusão e exclusão, estamos, talvez, deixando de fora a possibilidade de estudantes vivenciar, experimentar o conhecimento: de arte e de ciência; de sentimentos e de abstrações; de belezas e incertezas; de relações (produtivas) entre as gerações… Não seria essa uma cruel exclusão?
Para saber mais
Green, Bill & Bigum, Chris. Alienígenas em sala de aula. In: Silva, Tomaz Tadeu (org.) Alienígenas em sala de aula: uma introdução aos Estudos Culturais em Educação. Petrópolis: Vozes, 2001. p.208-243.
Huxley, Aldous. A Situação Humana. Porto Alegre; Rio de Janeiro: Editora Globo, 1982.
Guardarei esse em arquivo. Servirá mto, grato Ana. Adoro deleitar-me em Admirável Mundo Novo, Huxley foi um dos grandes, na minha opinião, sem dúvida. Hj estive pensando na aula que a evolução cientificista do autor no livro citado aqui, não aborda muito a manipulação genética de seres criando alguns "sem" gênero. Não lembro-me no livro, não que desmereça a obra toda, mas é de se comentar.
Que bom que gostaste, Augusto! Acho que a leitura deste livro, quando ainda era aluna de graduação em Bio me levou, realmente, aos estudos sobre determinismo biológico e social... Teve um impacto gigante na minha formação!!! 🙂
Depois achei este citado. Que tem discussões interessantíssimas! Abraço
Sou uma admiradora das novas idéias e adorei o blog. o assunto é bem pertinente ao que passamos no brasil atualmente. estarei acompanhando.
Olá! Muito obrigada pela leitura e comentário! 🙂
Um abraço