Contradições e reflexões sobre extensão universitária

Existe na universidade um mantra que fala sobre a sua postura em relação a sua ação, que é o tripé universitário ensino, pesquisa e extensão. Dessa forma, a universidade hoje objetiva sua prática em realizar atividades de pesquisa científica, ensino de graduação e pós-graduação e extensão da universidade com a sociedade. Entendemos a importância de todos esses pés. Mas é extremamente claro que o foco sempre esteve na pesquisa, o ensino é levado como obrigação e a extensão… Bom, esta é feita por quem quer. Ou seja, a extensão é visivelmente o mais defasado dentre os pés, tanto que no discurso diário, é difícil até defini-la com precisão e objetividade. Com isso, tentarei dialogar qual a definição de extensão universitária e como existem contradições em seus discursos e sua prática.

Antes de definir sobre a própria extensão universitária, sugiro falarmos sobre a epistemologia da palavra extensão. Como Paulo Freire¹ dialoga em um de seus livros, é preciso entender qual o sentido semântico que é retratado quando falamos de extensão. Assim, extensão se dá no sentido de ação profissional de alguém em certa realidade concreta, dependente da presença humana. Realizar, fazer extensão depende da relação entre um grupo que age sobre um outro, estendendo sua ação profissional em busca de uma mudança, seja ela concreta ou conceitual. Portanto, no exemplo em que “Fulano faz extensão com higiene em uma escola”, é entendido que existe o interesse de Fulano em mudar a realidade conceitual de um grupo escolar em relação à higiene. Essa conceituação semântica utilizada da palavra extensão já remete muitas questões dessa prática universitária, que também precisa ser caracterizada, através de uma visão histórica e cultural.

Seguidamente, quando a extensão universitária é pensada em sua história e sua caracterização, acaba-se a colocando em dois polos distintos. O primeiro é historicamente mais consolidado. É o ideal de extensão como expansão da própria pesquisa acadêmica feita pelo pesquisador em uma comunidade. Neste caso, se espera a divulgação e a descoberta da Ciência pelos cidadãos de um certo local. Entretanto, isto se daria através de um conteúdo anteriormente programado. Essa definição é a mais comum de se encontrar nos discursos cotidianos do meio acadêmico, quando vemos projetos de extensão universitária ligada a laboratórios ou grupos de pesquisa, e deve ser problematizado. Esse discurso de assemelha à definição semântica dada anteriormente. Numa análise mais ampla, carrega perguntas sobre a postura da universidade.

Se entendermos a extensão dessa forma, carregamos epistemologicamente a percepção discutida por Foucault². Este autor aponta o quanto este tipo de ação toma como inexistente de saber válido a população não-acadêmica. Assim, a extensão resgataria a população de uma situação social/intelectual desfavorável. Com isso, a universidade apresenta uma hierarquização do saber e a exclusão de um conhecimento cultural. Essas questões já foram diversas vezes discutidas e criticadas, surgindo novas visões e formas de se construir a extensão universitária.

Pode-se dizer que com a consolidação de novos pensamentos, a extensão também foi moldada. Chegamos, assim, ao segundo polo da extensão universitária. Juntando-se ao ideal democrático, a extensão direcionou a sua prática para uma abordagem transformadora. Esta considera o conhecimento local e entende os problemas sociais de sua proximidade. A partir disto, busca a máxima junção da teoria com a prática da universidade com a sociedade, trabalhando conjuntamente a ciência acadêmica com os saberes locais das comunidades. Simultaneamente a isto, trabalha através da formação crítica e a transformação social. Esse discurso é o mais comum entre as pró-reitorias de extensão e os grupos que realizam esse trabalho. Ainda assim, existem questões que precisam ser discutidas.

Quando retomamos o tripé universitário, entendemos que as três práticas – ensino, pesquisa e extensão – existem, teoricamente, em indissociabilidade. Isto é, devem ser feitas em conjunto, unidas. Com isso, se buscamos uma extensão transformadora e crítica, é preciso estabelecer essa prática em seu meio de ensino e de pesquisa. É incompatível existir uma definição de trabalho na extensão se a mesma não se aplica para seu ensino. Por isso, é muito comum encontrarmos o discurso da extensão social e democrática nos documentos e trabalhos escritos. No entanto, a prática aproxima-se mais da tradicional “messiânica”.

Em suma, percebe-se uma prática contraditória na extensão, pois a idealização democrática não está de acordo com a prática geral universitária, se aproximando com o pensamento que é pregado no ensino e pesquisa que é realizado pelo docente/aluno/pesquisador. Para de fato entendermos a extensão como processo democrático, crítico e transformador, o tripé universitário precisa estar compatível com esse mesmo discurso.

 

Para saber mais:

¹Paulo Freire; Extensão ou Comunicação? Editora Paz & Terra, 2011.

²Michel Foucault; Microfísica do Poder, Edições Graal, 1979.

Rossana Maria Souto Maior Serrano; Conceitos de extensão universitária: um diálogo com Paulo Freire.

Luciana Maria Cerqueira Castro; A universidade, A extensão universitária e a produção de conhecimentos emancipadores.

 

Sobre Matheus Naville Gutierrez 12 Artigos
Mestre e doutorando em ensino de Ciências e Matemática pela UNICAMP e licenciado em Ciências Biológicas pela UNESP. Sempre dialogando sobre educação, tecnologia, ensino superior, cultura e algumas aleatoriedades que podem pintar por ai.

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