É sério que acreditavam nisso?
Se eu te falasse que alguns animais tipo insetos e vermes simplesmente surgem do lixo por vontade de forças malignas você acreditaria? E que as abelhas são pássaros? E que dentro dos espermatozoides tem pessoas minúsculas, só esperando para serem fecundadas e crescerem? Que bebês não sentem dor? Pois é, acho meio difícil que hoje em dia alguém acredite nessas coisas.
Você pode conferir mais informações sobre essas e outras estranhezas aqui.
Antigamente…
Na Idade média, essas e outras ideias (meio bizarras) eram aceitas e tomadas como “verdade”. Com o passar do tempo, fomos analisando, testando e mudando as teorias para se adequarem às novas descobertas que, aos poucos, foram sendo feitas. A ciência é uma produção humana de conhecimento e junto com a gente/a história da humanidade ela foi mudando e se desenvolvendo até chegar ao ponto em que estamos hoje. Ela depende do contexto histórico, econômico e social em que está incluída e sendo produzida. Como as coisas em que acreditamos mudam ao longo da história, faz sentido pensar que com o passar do tempo, as “verdades” também vão mudando, né?
Mas… O que é ciência?
Pesquisadores ficam a vida inteira tentando definir um conceito único para ciência. Muitos deles (inclusive eu) concordam que isso é impossível, pois a Ciência, é muito mais que apenas um conceito fechado. De acordo com os estudos que eu venho fazendo, tenho entendido a ciência enquanto a produção humana de conhecimento e para isso, ela tem o seu jeito específico de proceder. Na série sobre o Covid do Blogs de Ciência da Unicamp, a professora Lavínia Schwantes juntamente com a professora Ana Arnt produziram um texto sobre como se produz um resultado científico que pode te ajudar a entender melhor essa “forma científica” de proceder. Mas o que quero destacar aqui é que nesse texto, quando falamos em ciência, não estamos entendendo ela como algo quase que vivo, com pensamento independente, uma racionalidade própria que recebe influências de fora (econômicas, políticas, históricas, etc.) [1].
Quem produz a ciência são pessoas, os pesquisadores. Estamos tratando ela como algo que nós, seres humanos, produzimos e por conta de todo avanço tecnológico, hoje conseguimos obter conhecimentos que antes eram impossíveis (ou muito mais difíceis) de serem alcançados. Por isso, achamos tão engraçado que as pessoas acreditassem em coisas tão toscas antigamente. Essas coisas só são toscas pra nós! Agora, em 2020.
De acordo com o que vamos produzindo de conhecimento, isso ou aquilo se torna ou não verdadeiro (calma, já já retomo esta conversa). Quem nunca ouviu a frase “para algo ser verdade, basta acreditar”? É mais ou menos por aí que as coisas funcionam mesmo. Na verdade, não se trata apenas de um exercício de fé em que “eu acredito e pronto”, como pode ter ficado entendido do jeito que escrevi antes. Mas é preciso existir todo um raciocínio por trás, muita pesquisa e estudo até que se chegue à determinada conclusão ou nas “verdades” sobre o mundo.
Acreditei. Agora é real?
Bom, se pararmos para pensar, não é só porque as pessoas pensavam/acreditavam que a Terra era plana que ela realmente era. Se fosse só isso, só acreditar; até certo momento histórico a terra era plana e depois que os cientistas viram que não, ela se tornou esférica (nos dias de hoje ela estaria pensando na possibilidade de voltar a ser plana). Nós como moradores desse universo em que nos encontramos, tentamos entende-lo e interpreta-lo da melhor forma possível através das teorias que achamos serem as mais plausíveis, e sendo assim, aos poucos vamos alterando a forma que acreditamos que ele funciona. Com o exemplo da Terra plana, conseguimos ver por exemplo como o “verdadeiro” formato da Terra foi mudando de acordo com o que entendíamos como verdadeiro.
E eu com isso?
Não precisamos ir tão longe assim na história para percebermos o efeito que isso causa na nossa sociedade. Hoje em dia, muitos enxergam nesse mecanismo de “acreditou é verdade” uma oportunidade para veicular notícias falsas e conquistar ou até mesmo manipular a população. É fácil! Basta produzirmos um texto que consiga convencer o leitor de que aquilo é verdade e pronto, a partir do momento em que a pessoa passa a acreditar no que está escrito, aquilo se torna verdade para ela. Assim, as famosas “fake news” vêm estabelecendo diversas “verdades” por aí.
E por acaso você já tentou conversar com alguém que se convenceu de algo que leu? É muito difícil fazer com que a pessoa mude de opinião! Por isso, devemos tomar muito cuidado com aquilo em que acreditamos. Não é só porque você “leu em seu face…” que aquilo é de fato verdadeiro. Não é só porque está na internet que é verdade. Não é só porque a notícia diz que tal coisa foi “comprovada cientificamente”, sem mostrar o como, que de fato a tal coisa é verdadeira.
Devemos saber separar o “acreditar” que estávamos falando antes com o “acreditar” de agora. Antigamente, acreditávamos em coisas que faziam sentido para nós. Com o material e as metodologias disponíveis, os pesquisadores tentavam produzir o “melhor” conhecimento possível e “acreditavam” naquilo pois era o que tínhamos produzido até o momento. Hoje em dia, com todo o desenvolvimento na área da ciência e tecnologia, temos condições de ir atrás das informações só com um clique. Por isso, não faz sentido acreditarmos em coisas só porque queremos que sejam reais. Precisamos buscar evidências, comprovações e nos aprofundarmos.
Fake news: o que é isso?
“Fake News” é o termo utilizado para designar as notícias falsas ou informações que visam enganar o leitor. Porém, com o crescimento dessa prática de divulgação de notícias falsas, diversos estudos estão sendo desenvolvidos para entender a natureza e os objetivos das ditas “Fake News”. Assim como as “verdades” que estávamos comentando antes, o próprio termo “Fake News” também vêm se alterando com o passar do tempo e sendo associado à diversos outros significados, não necessariamente só “fake news = notícia falsa”.
A Erica Mariosa do MindFlow escreveu alguns posts sobre as “Fake News” aqui mesmo no Blogs de Ciência da Unicamp que me ajudaram (e muito) a pensar nesse texto que você está lendo. Deixo aqui dois posts dela sobre o assunto:
Onde queremos chegar?
Pensando nisso, resolvemos desenvolver um tutorial completo que irá te ajudar a se tornar um investigador profissional capaz de desvendar qualquer calúnia presente em notícias que circulam pela internet (ALERTA DE INFORMAÇÃO FALSA!!!) [2]. É claro que as dicas que irei apresentar não funcionam como uma fórmula mágica ou um detector de mentiras. Vamos focar mesmo em perguntas e questionamentos que podemos nos fazer ao nos depararmos com alguma notícia por aí.
Como identificar uma notícia falsa:
– Fonte: Quem escreveu?
A primeira coisa que devemos nos questionar é: quem escreveu isso? Ou quem tirou essa foto ou gravou esse vídeo? É muito comum utilizarem imagens e vídeos fora de contexto para produzirem notícias falsas principalmente em redes sociais. No caso de textos, temos que buscar pelo autor. Foi um indivíduo ou uma instituição? Às vezes uma simples pesquisa no google pelo nome da pessoa nos ajuda a identificar uma possível fraude. Se foi um site, procure pela aba “quem somos” para tentar descobrir mais sobre os seus ideais e interesses. A notícia citou alguma pesquisa? Vá atrás, tente descobrir de onde saiu tal dado. O importante é sempre buscarmos a fonte da informação e estarmos de olhos abertos para qualquer informação duvidosa.
– Evidência: de onde veio?
Outra coisa importante que devemos buscar nas notícias são as evidências. O que sustenta essa notícia? Quais dados servem de base para ela? Citações muito gerais e genéricas como “estudos afirmam” ou “pesquisas indicam” levantam bastante questionamento. Quais estudos? Quais pesquisas? Já que eles são tão importantes assim, no mínimo deveriam ser citados, né?
– Propósito: pra que serve?
Essa parte é muito importante e tem tudo a ver com o que estávamos falando antes. Por que essa notícia foi escrita? Para informar sobre algum acontecimento? Para te convencer sobre algum tema? Entendermos a razão pela qual aquele texto foi produzido, muitas vezes pode ser a chave para enxergarmos a falsidade por trás da informação passada. É comum que notícias falsas trabalhem com o sentimento do leitor. Se alguma coisa te causa muita surpresa ou muita raiva é claro que você vai querer compartilhar com todo mundo, né? (Depois desse texto, espero que a vontade de conferir a notícia seja maior que a de compartilhar)
– Ciência: científico ou não?
Por último, falaremos de algo mais voltado para a área da ciência mesmo: isso realmente é científico? Com o passar do tempo, a ciência atingiu um patamar quase que divino. Hoje, ninguém em sã consciência ousa desafiar as descobertas científicas [3]. O problema é que diversas marcas usam dessa legitimidade que a ciência possui para defenderem a eficácia dos seus produtos com o famoso “comprovado cientificamente”. O que querem dizer com isso? O produto só foi testado em condições laboratoriais e agora está pronto para uso? Fizeram mesmo algum estudo ou só incluíram a informação no slogan para vender mais? As “pesquisas científicas” estão disponíveis em algum lugar para que possamos checar? No momento em que vivemos, devemos estar atentos e aptos a desconfiar até mesmo de alguns resultados ditos científicos, pois, não é muito difícil encontrarmos documentários, marcas ou até mesmo autoridades fazendo mal uso dela.
Para terminar…
Antes de finalizar o texto, gostaria apenas de reforçar que não é porque estamos refletindo acerca da ciência e dos conhecimentos que produzimos com ela que desacreditamos dela. Não temos como negar todo o conhecimento e toda a contribuição que ela trouxe (e ainda traz) para a nossa sociedade como um todo. Porém, como já destacamos, estamos tentando alertar o leitor ao mal uso que vêm sendo feito dela. Como falei no início, a ciência sempre deve estar associada à metodologia, à pesquisa, ao raciocínio, ao estudo e etc. E por isso, devemos ir atrás das informações para nos certificarmos que o que lemos, realmente possui uma veracidade e confiabilidade e não é apenas uma propaganda enganosa.
Para saber mais…
[1] https://lume.ufrgs.br/handle/10183/31830. Nesse artigo, o professor Alfredo Veiga-Neto traça um panorama geral da produção científica a partir das correntes de pensamento pós-moderno.
[2] https://novaescola.org.br/conteudo/12305/como-identificar-uma-noticia-falsa. O tutorial da Nova Escola serviu de base para esse.
[3] CHALMERS, Alan (1993). O que é ciência afinal? São Paulo: Ed Brasiliense. Neste livro, Chalmers discute a produção científica e a forma como ela atingiu esse patamar “inquestionável”.
Textos de blog
Como se produz um resultado científico e o que isto tem a ver com a Covid-19?
Já imaginou Sócrates e Platão vivendo nós dias de hoje?
Seria louco!! Será que conseguiriam se adaptar??
Adorei o texto pedro, muito bom !Realmente muito doido pensar como as "verdades" vão mudando e algumas que foram desmentidas até voltam a ser verdade.
É isso aí, Karine! Por isso precisamos ficar sempre ligados...