O que muda no pós-graduação com o ensino remoto?

há um computador no lado esquerdo, com uma luminária acima. Ao lado direito há um balão de diálogo escrito: Ensino Remoto II: o que muda no pós-graduação com o ensino remoto?

Antes de mais nada, eu, professora Lavínia, gostaria de me apresentar para as inquietações e discussões que eu trouxer terem sentido para vocês. Sou professora há 21 anos! Aham, maioridade já! E posso dizer que se tem uma coisa que me inspira no trabalho como professora – no Ensino Médio, na graduação ou no pós-graduação – é o contato direto com os estudantes. Aquele cotidiano de sala de aula que nenhum outro tipo de interação é capaz de substituir. Nós enxergarmos aquele grupo à nossa frente, “olho no olho”. Os gestos feitos, as posições corporais tomadas e as frases ditas durante o processo de ensinar e de aprender não tem qualquer mecanismo tecnológico que substitua.

Sim! Estou muito insatisfeita com o rumo que tivemos que tomar durante essa pandemia. Ouvíamos falar de gripe espanhola, de outras pestes que acometeram a população mundial ao longo da história e jamais, nem nos piores pesadelos, pensávamos passar por isso. Ainda mais ter no distanciamento social, uma das principais formas de prevenção a essa doença. Nem vamos falar nas vacinas, a segunda possibilidade de prevenção que o governo brasileiro também – assim como o distanciamento – não soube organizar nem possibilitar para a população.

Esse ensino remoto é igual pra qualquer professor? E vale para qualquer nível de ensino?

Vamos falar disso nos próximos textos. Em relação ao ensino de pós-graduação – um dos níveis de ensino que trabalho atualmente – temos a possibilidade de continuidade pelo trabalho remoto, em nossas casas, com auxílio da internet. É a internet que nos une aos estudantes, aos colegas de trabalho e aos nossos grupos de pesquisa.

Em termos de quantitativo de trabalho, em meu caso, não houve mudança. Dessa forma, continuo com as mesmas atividades que já divulgamos em outros textos aqui e aqui também neste blog. Inclusive, me sinto um pouco mais sobrecarregada! Isto porque os horários, no trabalho remoto, se ampliam e se mesclam aos afazeres de manutenção de uma casa. Muitas vezes, quando me dou conta, ultrapasso o trabalho de 40h semanais, avançando a noite à frente do computador.

Nessas horas, dá uma saudade do sinal sonoro da escola! Aquele marcador disciplinar que ditava o início e o fim das aulas. Ele marcava o momento em que eu veria outros rostos em uma turma diferente ou que avisava que era a hora de saída do trabalho! Tudo bem, vocês podem dizer que na graduação ou no pós-graduação não tem sinal.

É… Não tem! Mas os marcadores do que este sinal representa dentro do contexto educacional persistem dentro de nós. Estão introjetados! Assim como a forma de nos acomodarmos em sala de aula, sejamos estudantes ou professores. E assim também, como as tarefas que temos de entregar e os objetivos que temos de alcançar, sejamos alunos ou professores. Essas tarefas e objetivos permanecem, mesmo no trabalho remoto.

Marcadores na escola e na sociedade: os mecanismos disciplinares…

Estamos falando aqui de mecanismos disciplinares! Desde que nascemos somos interpelados por eles. E claro que eles nos ajudam a nos tornar o que somos. Vamos sendo disciplinados pela organização familiar, pelos tempos definidos para cada ação ou atividade dentro dela. Também pelo espaço que ocupamos dentro de nossa casa tanto corporalmente, quanto nas funções que assumimos nessa instituição familiar.

Depois, conforme vamos nos desenvolvendo, outros tipos destes mecanismos de disciplina corporal, de tempo, do espaço, ou funcional nos produzem dentro da escola, e de outras instituições que vivenciamos. Aprendemos, nessas vivências, que há modos de falar e se portar em determinados contextos. Aprendemos que não se pode falar ou fazer qualquer coisa a qualquer hora! Os mecanismos disciplinares são aqueles que agem sobre nossos corpos para torná-los produtivos e parte da nossa sociedade (FOUCAULT, 2002).

Voltando ao nosso tema sobre o ensino remoto na pós-graduação, percebo que não temos tantas dificuldades em relação ao desenvolvimento das aulas, pois os estudantes do nível de pós-graduação já estão muito bem disciplinados. Foram, no mínimo, 16 anos de escola, incluindo Educação Básica e Ensino Superior.

E é por isso que estes pós-graduandos abrem suas câmeras, sem receio de mostrar o rosto. Eles participam abertamente das aulas, têm muito menos vergonha de se expor, e fazem todas as tarefas disponibilizadas a eles. Neste futuro pesquisador que esta se formando, os mecanismos disciplinares já estão bem internalizados no corpo e na mente.

Mecanismos disciplinares são produtivos, qual é o problema no ensino remoto?

Então, professora, se parece que está tudo bem ao nível de pós-graduação, o que a incomoda tanto? Aí, eu posso dizer que nem só de disciplina vive o humano… hehe!

Como professora, não tenho queixas ou problematizações acerca do trabalho no pós-graduação em relação ao comprometimento dos estudantes. No entanto, assim como todos nós que estamos nessa “bolha” profissional daqueles que podem desenvolver trabalho remoto, a falta da convivência direta com o outro que nos abate! Essa ausência de contato físico, o “olho no olho” que comentei no início atrapalha bastante o andamento das atividades. Essa ausência é sentida pelos professores – e também pelos alunos, como vocês verão na sequência da série – em qualquer nível de ensino.

O que nos move é o contato! O contato com os espaços físicos da universidade, com os colegas no cafezinho no Centro de Convivência. Aquele papo aleatório no corredor com o colega que não via há um tempo, ou apenas a conversa que trocamos com o/a porteiro/a do prédio! É isto que a pandemia tem tirado dos professores!!!

O que vem agora no ensinar e aprender?

Aqueles que já vivenciaram as duas formas de ensino: presencial e remota, entendem o que tenho dito. Fico me perguntando se criaremos um novo modo de entender e produzir a educação nas escolas? Penso naquelas crianças que nunca vivenciaram outra forma de ensino a não ser esta mediada por tarefas impressas ou por tarefas postadas em plataformas digitais. Ou ainda, quando possível, por conversas mediadas via computadores e acesso à internet.

Elas estão tendo um outro tipo de disciplinamento. E aquilo que há pouco me referi como o que mais move o professor em sua sala de aula, talvez possa não existir para elas. Um novo de ensinar, de aprender e de disciplinar os sujeitos vem sendo desenhado. Quais os resultados disso? Outras pesquisas e textos nos dirão.

Para saber mais sobre o que foi trazido aqui…

Foucault e a educação: entre o poder disciplinar e as técnicas de si (é possível educar para a liberdade?), artigo de Fábio Antonio Gabriel e Ana Lucia Pereira, publicado na Educação em revista, V19, 2018.

O texto clássico de Michel Foucault sobre o poder disciplinar é do livro Vigiar e Punir, cuja 12ª edição é da Editora Vozes. 2002.

Sobre Lavínia Schwantes 4 Artigos
Biológa, formada no século passado na UFRGS; atua como professora na área há mais de 20 anos. Encantada pela educação em ciências, trabalha formando professores de Ciências e Biologia. Pesquisa a ciência, sua produção e sua filosofia, e como pode ser ensinada, tendo aí concentrado seus estudos, projetos, publicações científicas, leituras e orientações de graduação e pós-graduação junto ao Grupo PEmCie no CEAMECIM na Universidade Federal do Rio Grande-FURG.

2 Comentários

  1. o disciplinamento de tantos anos está abalado tb.
    as distrações da casa abalam a atenção, o ficar sentada, os interesses.

    o contato prende, fixa, traz pro AGORA!!! É necessário pra permanencia.

    • Oi Maria
      Verdade. Mas isso é algo interessante de salientar: como este mecanismo disciplinar não é fixo, ele se modifica; são super articulados ao momento histórico e a sociedade em que acontece. Agora temos novos desafios que promovem novas formas de disciplinamento. As disciplinas fazem parte da sociedade moderna.
      Lavínia

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