“Só dá aulas”: o que fazemos na universidade pública? (parte 2 – a pandemia)

Texto escrito por Lavínia Schwantes e Ana Arnt

No outro texto, falamos um pouco sobre rotina de trabalho de professores universitários a partir daquela pergunta que escutamos desde que começamos a ser professoras: “mas você só dá aulas?”. E agora? O que fazemos nesse período peculiar de 2020? As universidades estão sem estudantes?

Para retomar, você que tem de lembrar das três funções de um professor universitário: ensino, pesquisa e extensão. E ainda aquela quarta: a gestão. Como tudo isso funciona na quarentena?

Nós somos professoras em duas universidades públicas distintas – a Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Nesta série de textos sobre o trabalho universitário durante a pandemia, vamos apresentar um pouco sobre como nosso trabalho não é só dar aulas, mas também como temos organizações diferentes para trabalhar neste momento.

Bom, com o início da pandemia da COVID-19, o distanciamento foi decretado como uma das melhores – e até agora mais efetiva – formas de evitar contágio. A universidade é um local de grande circulação de pessoas e, também, de aglomeração de estudantes dentro de laboratório ou espaços de pesquisa e nas salas de aula. É por isso que foi decretada quarentena nas atividades de ENSINO – e atividades presenciais como extensão e pesquisa também foram afetadas em várias universidades. A Unicamp decretou o fechamento das atividades presenciais no dia 14 de março, a FURG dia 16 de março.

O que as universidades estão fazendo?

Há várias atividades que citamos no primeiro texto que continuam acontecendo. De que forma? Principalmente via trabalho remoto, com auxílio da rede de internet. Dessa forma, continuamos orientando alunos, preparando aulas, estudando e escrevendo artigos sobre nossas temáticas de pesquisa, escrevendo e avaliando projetos e pensando alternativas para o trabalho de extensão e outras atividades que, como citamos, podemos fazer com o uso das redes de internet.

Ah, então quer dizer que vocês ficam o dia inteiro na internet?

Vamos falar de uma parte da pesquisa

Neste contexto, o que mais temos feito nesse tempo são trabalhos desenvolvidos em reuniões on line! Parece meio estranho, mas nosso trabalho envolve, além de estudar e analisar o que temos pesquisado, conversar sobre isso com outros pesquisadores, para compartilhar resultados e conclusões de pesquisas.

Isto atualmente é feito, por exemplo, com reuniões de orientação com os pós-graduandos e com discussão entre colegas. Na pesquisa, podemos ressaltar ainda que existem inúmeros trabalhos que podem ser desenvolvidos “sem trabalho de campo e/ou laboratório”. Há uma grande etapa da pesquisa, de análise, estudo de publicações científicas, discussões teóricas e escrita de artigos, que vêm sendo desenvolvidas através destas reuniões, cada um em sua casa. A pesquisa envolve, sim, uma parte de “campo” (no nosso caso, muitas vezes dentro de escolas, por exemplo). Mas neste momento, temos revisitado pesquisas que estavam com muitos dados coletados e não vínhamos tendo tempo para analisar. 

Os alunos de pós-graduação (que são pesquisadores em formação) seguem fazendo suas pesquisas e nós, professoras, orientamos seus trabalhos (e pesquisamos junto). Este trabalho não parou, em momento algum, nestes tempos de isolamento social.

E as aulas? Como ficam?

Além disso, as aulas aconteceram em tempos diferentes em cada universidade. Na Unicamp, por exemplo, as atividades on line reiniciaram alguns dias após pararem as atividades presenciais – e percebemos que havia várias dificuldades que seriam difíceis de contornar se retomássemos tudo ao mesmo tempo, virtualmente. Paramos, reorganizamos enquanto estávamos em atividades. Já na FURG, que preferiu verificar o acesso dos estudantes e estudar a melhor forma de trabalho remoto previamente, estabeleceu-se que seria melhor espaçar o retorno das aulas virtualmente e apenas as atividades de ensino na pós-graduação retornaram dia 10 de agosto.

Assim, há várias reuniões on line em que planejamos não apenas sobre como voltar às aulas, mas que estruturas têm nossos alunos para acessar as aulas e como podemos disponibilizar recursos a quem está faltando (computador e internet, especialmente). Algumas vezes, parece que, a cada semana, uma reunião “brota” na nossa agenda!!! Como tudo isto é novo para todos nós, parte das tarefas atuais é organizarmos ações da universidade, sem oferecer riscos a ninguém (ou minimizando os riscos ao máximo possível). 

Por incrível que possa parecer para alguns, nem todos estudantes universitários têm acesso a internet. Cerca de 70% dos estudantes de universidades públicas vêm de famílias com renda de até 1,5 salários mínimos per capita. Neste sentido, são alunos que necessitam de auxílios diversos para se   manter estudando. Outros tantos que têm acesso, o fazem apenas de aparelhos celulares móveis. Então, este retorno tem de ser bem pensado para incluir o maior número possível de estudantes no processo de reinício de ensino de uma universidade que, lembramos a vocês, é pública!

Tem ainda a gestão universitária em tempos pandêmicos, calma lá que ainda não acabou…

De uma maneira geral, essas reuniões são principalmente relacionadas às atividades de gestão. Isto é,  como poderemos gerenciar as atividades da universidade sem prejudicar os estudantes, professores e toda a comunidade. Na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), há um grande grupo de colegas e de técnicos que estão no que chamamos a linha de frente do trabalho universitário na pandemia. Eles estão constantemente em reuniões de organização de como faremos para o retorno das aulas da graduação, da pós-graduação e atividades de extensão e de pesquisa. Na Unicamp, também existem grupos específicos para este debate. A Unicamp também montou a Força Tarefa da Unicamp, um grupo de pesquisa específico só para questões da Covid-19, além dos diagnósticos da doença. 

Dessa forma, estes grupos de docentes, funcionários e, também, estudantes, buscam analisar e estipular prazos e protocolos para retornos – ou atividades remotas. Como isto acontece? Principalmente através de questionários aos estudantes e professores, para ver suas condições de acesso à internet, possibilidades de executar etapas da pesquisa à distância, existência de grupos de risco, dentre outras questões.

Todos estes dados vêm sendo analisados – cada um em sua unidade universitária – para reorganizar normativas da universidade que regem a graduação e a pós-graduação para a nova realidade que estamos enfrentando. E agora, estão encaminhando novos calendários formulados a partir dos dados dos questionários para em um momento posterior, iniciar a retomada das atividades de ENSINO. Pode parecer enrolado – e nem sempre todas as medidas são simples – mas como dissemos, tudo é novo e tem sido feito às pressas, buscando impactar o menos possível a continuidade das atividades, nem colocar em risco à vida das pessoas.

Por fim…

Ainda há bastante a ser dito sobre esta reorganização da universidade, hoje trouxemos uma pequena pincelada do que temos feito. Cada universidade, por ter autonomia e por ter realidades diferentes, vem montando seus grupos de trabalho de forma diferenciada também. Nós vamos abordar um pouco mais sobre isto nos próximos textos, especialmente acerca dos serviços à comunidade que as universidades públicas tem feito agora na pandemia e sobre as aulas na modalidade remota…

Nós duas temos pensado em escrever esta série há tempos, mas acabou demorando um pouco para ser escrito. Por quê? Isso mesmo! Como vocês podem ver, trabalho, pesquisa, aulas e reuniões, não faltam! Aguardem que logo logo traremos um pouco dos bastidores desse trabalho feito por aqui!

Para saber mais:

Rede pública do RS alcança primeiro lugar no ranking do Enem

Dados INEP: Sinopse Estatística da Educação Superior 2018.

MOITAL, F, Maria GSC; ANDRADE, FCB (2009) Ensino-pesquisa-extensão: um exercício de indissociabilidade na pós-graduação, Revista Brasileira de Educação, vol14, nº41, Rio de Janeiro, maio/ago.  

KUENZER, AZ, MORAES, MCM (2005) Temas e tramas na pós-graduação em educação, Revista Educação e Sociedade, v26, nº93, Campinas, set/dez/2005

Dados da Academia brasileira de ciências sobre produção científica no Brasil

As autoras

Lavínia Schwantes – Biológa, formada no século passado na UFRGS; atua como professora na área há mais de 20 anos. Encantada pela educação em ciências, trabalha formando professores de Ciências e Biologia. Pesquisa a ciência, sua produção e sua filosofia, e como pode ser ensinada, tendo aí concentrado seus estudos, projetos, publicações científicas, leituras e orientações de graduação e pós-graduação junto ao Grupo PEmCie no CEAMECIM na Universidade Federal do Rio Grande-FURG.

Ana Arnt – Bióloga, Mestre e Doutora em Educação. Professora do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia, do Instituto de Biologia (DGEMI/IB), do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM) e do Programa de Pós-Graduação em Genética e Evolução. Pesquisa e da aula sobre História, Filosofia e Educação em Ciências, e é uma voraz interessada em cultura, poesia, fotografia, música, ficção científica e… ciência!

Este texto foi escrito exclusivamente para o Especial Covid-19, mas se refere ao primeiro texto da série sobre Docência universitária, postado aqui

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