Ensino Fundamental e a pandemia de covid-19: realidades e vivências no ensino público

Um texto escrito por Peterson Kepps, Mélany Santos e Tanise Flores

Março de 2020, o Rio Grande do Sul/RS e o Brasil começam a se deparar mais fortemente com anúncios e informativos de casos da COVID-19. Em meio a este cenário de caos que passava a se estabelecer nos situamos aqui no contexto escolar, especificamente na Educação Básica. 

Nós, autores deste texto, somos professores dos anos finais do Ensino Fundamental, trabalhamos numa escola pública da rede municipal de Pelotas/RS. Assim, o que vamos apresentar neste breve texto são nossas percepções e vivências enquanto professores que ainda estamos vivendo o ensino emergencial. 

Passamos agora a expressar estas nossas vivências.

Os municípios de Rio Grande, São José do Norte e outros da região sul do estado do RS passaram a divulgar, logo no início da pandemia, o fechamento das instituições de ensino. Enquanto em Pelotas/RS ainda aguardávamos um posicionamento da Secretaria de Educação. 

Tivemos que trabalhar alguns dias para que a cidade acompanhasse o fechamento já realizado nos municípios vizinhos. Neste momento estávamos (nós e outros colegas professores) bem apreensivos com toda a chuva de informações e suposições sobre a doença que passamos a receber dos noticiários.

Logo após a suspensão tardia das aulas e do isolamento social, o desafio começou tanto para nós professores e equipe diretiva, quanto para os alunos. 

Com o fechamento das escolas do município de Pelotas/RS definido, ficamos algumas semanas sem produzir nenhum tipo de material para os alunos. Não fomos orientados a realizar nenhum tipo de contato com eles ou mesmo responsáveis.

Mas os dias e as semanas se passaram e os primeiros apontamentos advindos da Secretaria de Educação aconteceram. A proposta era, de forma coletiva entre os professores das mais variadas disciplinas, desenvolver atividades que envolvessem um trabalho socioemocional. 

Sobre nosso preparo para estes tempos

Vocês podem estar se perguntando exatamente os meios que deveriam ser utilizados para que estas propostas chegassem até os alunos. Pois é, também não recebemos ou fomos orientados em nada nesse sentido.

A escola em que atuamos desenvolveu, primeiro, um blog para a postagem das atividades socioemocionais. A divulgação deste portal/blog acontecia na própria página do Facebook da escola. O retorno foi pouco e as reclamações de dificuldade de acesso começaram a surgir. Mães, pais, responsáveis e alunos entravam em contato informando não estarem conseguindo abrir os arquivos, ou que não estavam conseguindo acessar o blog. Tivemos de mudar.

Foi nesta mudança que nossos números de telefones e celulares pessoais foram completamente transformados em instrumentos de trabalho. Criamos grupos no WhatsApp para cada turma da escola. 

A título de exemplo, tínhamos mais de 100 alunos. Isso pode dar uma ideia da quantidade/intensidade de mensagens diárias nos grupos. A coordenação da escola, precisando organizar e tratar diretamente com os professores cria mais grupos: um voltado somente para os professores com alunos especiais; outro para os professores dos anos finais; e mais outro grupo para os professores das áreas (como Ciências da Natureza, por exemplo).

É tanto grupo e informação que nos esquecemos de dizer que, em meio a tudo isso, a Secretaria de Educação determina que não vamos mais trabalhar com atividades socioemocionais; mas, sim, com os conteúdos de nossas áreas/disciplinas de atuação.

De blog para WhatsApp e, depois, para a postagem das atividades em grupos fechados no Facebook. Uma sempre nova (re)organização que nos levou (nós, professores) a cada semana elaboramos e postamos as atividades nos grupos do Facebook de cada ano escolar e os alunos respondiam via comentários da publicação. 

O Facebook segue sendo a ferramenta que estamos utilizando para a postagem das aulas e o contato mais direto com os alunos ainda hoje, no ano letivo de 2021. 

Vivências e sentimentos

Para iniciar esta segunda parte do texto, não podemos deixar de pensar na crise estrutural que estamos vivenciando. Uma crise que se manifesta política, econômica, social e sanitariamente. Aqui queremos chamar atenção para problemas que a escola, especialmente a pública, já vinha vivenciando…

A falta de estrutura física, de equipamentos e de suporte nas instituições de ensino brasileiras não é novidade para ninguém. E se já temos noção desta realidade que vem se apresentando, antes mesmo da pandemia de Covid-19, o que poderíamos esperar da educação pública nesta conjuntura de crise?

Levando em consideração a escola em que atuamos, nos deparamos com áudio (via WhatsApp) de responsáveis informando que não poderiam abrir todas as atividades postadas; pois a realidade é de um celular com plano de dados móveis para três filhos matriculados na escola.

A impotência e indignação diante desta situação são quase que indescritíveis

O que nos leva a questionar ainda mais para quem é o ensino remoto? Que sociedade é essa em que não se tem acesso à internet, alimentação, moradia, entre muitas outras coisas básicas de forma adequada? Como pensar em educação escolarizada excluindo tantas pessoas?

O que acabamos de pontuar sobre o ensino remoto pode abrir caminho para um possível retorno presencial das aulas. Neste sentido, aproveitamos para destacar muito fortemente que somos contrários ao retorno presencial sem a vacinação de professores, equipe diretiva/funcionários e a segurança de cumprimento e infraestrutura para seguir todos os protocolos de segurança demarcados por órgãos de saúde.  

Ainda sobre a falta de infraestrutura do ensino público, que sofre com falta de investimento, apoio e recursos financeiros, demarcamos que não foi disponibilizado (tanto para nós quanto para os alunos) ferramentas para desenvolvermos nossas aulas de modo síncrono. Isto é, a Secretaria de Educação não viabilizou a utilização de nenhuma plataforma online para darmos aulas ao vivo, diferente da Secretaria do Estado do Rio Grande do Sul, que adotou o Classroom desde 2020.

Nós professores tivemos de restringir nossas aulas apenas ao formato escrito/de texto nos grupos do Facebook (assíncrona), para que, então, os alunos pudessem resolver e devolver a tarefa solicitada dentro do prazo. 

Diante de toda essa crise e os problemas para articular a educação remota em função da pandemia, trabalhamos em uma escola localizada na periferia de Pelotas, onde temos muitos alunos em vulnerabilidade social.

É preciso tratarmos ainda dos alunos que nunca tiveram acesso às atividades online, pois não possuem celular, computador, ou até mesmo internet para acessar. Para esses, as atividades só começaram a ser entregues de forma impressa no final do ano letivo de 2020.

Vivemos uma realidade muito triste, onde poucos conseguem acompanhar o ensino remoto, além da dificuldade do acesso ao material, temos todas as dificuldades de aprendizagem que os alunos nos relatam. 

O ano letivo de 2021 está em curso, as vacinas estão sendo aos poucos distribuídas aos grupos de risco, e ainda não temos uma plataforma virtual para as aulas. Temos muitas incertezas, um governo que defende a volta das aulas presenciais, mas que não oferece estrutura e condições seguras para isso.

Para saber mais…

Dermeval Saviani: Crise estrutural, conjuntura nacional, coronavirus e educação – o desmonte da educação nacional. Disponível em: http://www.ufopa.edu.br/portaldeperiodicos/index.php/revistaexitus/article/view/1463/858

RIO GRANDE DO SUL. Começa implantação das Aulas Remotas na Rede Estadual de Ensino. Disponível em: https://educacao.rs.gov.br/comeca-implantacao-das-aulas-remotas-na-rede-estadual-de-ensino

PELOTAS. Decreto nº 6.249, de 17 de março de 2020. Dispõe acerca de medidas temporárias a serem adotadas pela Administração Pública Municipal. Disponível em: http://pelotas.rs.gov.br/noticia/prefeitura-apresenta-medidas-para-prevencao-contra-o-novo-coronavirus

Tatiana de La Torre (2020) Escolas municipais contam com as redes sociais para manter vínculos com alunos.

PELOTAS (2020) Smed define planejamento de atividades para alunos da rede

Para ler mais sobre esta série:

Reflexões sobre o Ensino Remoto: da escola à universidade!

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