Ensino Fundamental e a pandemia de Covid-19: realidades e vivências (parte II)

Texto escrito por Tanise Flores, Peterson Kepps e Mélany Santos

Janeiro de 2021, em plena pandemia da COVID-19 a autora deste texto recebe a notícia mais improvável (ao menos para ela) por toda situação caótica que, ainda, vivemos. Recém-formada em Biologia Licenciatura, acabava de ser contratada para preencher uma vaga de professora substituta da disciplina de Ciências em uma pequena escola privada de Ensino Fundamental situada na cidade do Rio Grande/RS.

A partir dessa experiência, dividirei algumas de minhas vivências atuando no ensino emergencial remoto e híbrido com o olhar de quem atua na rede privada. De antemão, gostaria de comentar o quanto me sinto privilegiada em comparação com professores da rede púbica. Escrevo isso por perceber que os estudantes com os quais atuei possuem melhores condições de acesso à internet, assim como um ambiente, na maioria das vezes, calmo e tranquilo para a participação das aulas remotas.

A escola no qual estava vinculada não deixou seus estudantes uma semana sequer afastados por completo. Alguns estudantes relataram que já na primeira semana em que as escolas foram fechadas tiveram acesso a atividades enviadas pelo Facebook. Nesse sentido, pelo relato dos estudantes, não demorou muito para a escola organizar uma plataforma para que ocorressem as aulas on-line.

Porém não vivenciei este período inicial e o que gostaria de dividir por aqui são alguns dos momentos nos quais atuei como professora nos cômodos da minha casa. Preciso comentar que muito provavelmente pelo meu desejo forte em começar a atuar como professora, eu possa relatar experiências mais positivas do que negativas, pois foram essas que me tocaram. Me tocaram no sentido de Larrosa, que nos sugere pensar a educação a partir da experiência vivida.

Assim, minhas primeiras lembranças deste período são dos momentos de ensino remoto com os estudantes, visto que no segundo bimestre atuei na escola no formato do ensino híbrido.

Confesso que me adaptei rápido a este novo estilo de sala de aula, claro que ao comparar as vivências do ensino remoto (mediado pela utilização da internet) com as vivências do ensino híbrido (ensino mesclado, onde parte da turma se encontra de forma presencial com a professora e parte da turma acompanha a aula em tempo real, através de plataformas digitais, em casa) percebi com clareza o quanto é mais proveitoso para nós professores e para os estudantes quando todos conseguimos nos encontramos de forma totalmente presencial.

Vivenciando o ensino remoto

Tive a oportunidade de trabalhar com os 6º, 7º e 8º anos e pude perceber o quanto cada turma é única e responde de forma bem diferente ao ensino remoto. Pude perceber nos mais pequenos a animação em conhecer a professora nova, o entusiasmo com algumas atividades realizadas em aula dentre tantas outras questões que imagino se aproximarem muito de uma sala de aula presencial.

Alguns estudantes levantavam a mão para falar, pediam para ir ao banheiro, avisavam que iam sair da aula on-line, por algum motivo, e que já retornariam. Entendo que em muito disso estava a escola que incentivava e reforçava atitudes comportamentais como estas, mas não posso deixar de pensar, com as lentes de Michel Foucault, em todo disciplinamento de muito antes da pandemia que estes estudantes receberam ao longo dos anos dentro dos muros da escola e que não foram esquecidos agora que a mesma está em suas casas.

O celular como parte do material escolar

Outro ponto interessante a pensar, que a vivência remota proporcionou para as escolas privadas, é a inclusão do celular como parte do material escolar. Percebi que alguns de nós professores conseguimos adaptar de forma muito positiva jogos e atividades on-line de modo que estas envolvessem os conteúdos trabalhados aproximando os estudantes de sua realidade.

Trago como exemplo o jogo “Minecraft”, comentado com frequência pelos estudantes na sala de aula. A partir dele, consegui trabalhar conteúdos relacionados como, por exemplo, aos tipos de solo e de rochas.

Os estudantes se entusiasmaram muito com a ideia da aula, foram participativos e inclusive atuaram como protagonistas. Um dos estudantes, de forma voluntária, compartilhou sua tela e acessou o jogo a partir de sua conta privada. Eu, enquanto professora, apenas guiava e orientava para que ele apresentasse para turma os minerais presentes no solo, as diferentes rochas e assim por diante.

Outro jogo aplicado em sala de aula e adaptado ao conteúdo de ciências (também por sugestão dos estudantes) foi o Gartic. Este, consiste em uma espécie de Imagem e Ação on-line. Caso você nunca tenha jogado, o jogo tem como objetivo adivinhar o desenho ou mimica que está sendo realizada por um dos participantes. Claro que precisei de tempo, que talvez não tinha, para adaptar ao conteúdo de ciências (aqui caberia mais uma boa discussão).

Assim, tentando fazer do limão uma bela limonada utilizei o tal do Gartic como forma de revisar os conteúdos trabalhados no bimestre. Para isso, modifiquei as palavras sugeridas no jogo para conceitos que estudamos em aula e um estudante por vez realizava o desenho on-line sorteado pelo próprio site do jogo. Para conseguir desenhar e/ou adivinhar o que estava sendo desenhado era preciso domínio do conteúdo.  

Outra ferramenta muito utilizada, nesse período, foi o Jamboard (quadro interativo desenvolvido pelo Google) através dele conseguimos adaptar atividades virtuais em grupos, pois os estudantes conseguiam acessar o mesmo quadro/mural acrescentando informações em tempo real.

A tal das câmeras desligadas

Para não dizer que só encontrei pontos positivos no ensino remoto (longe disso), um dos pontos negativos que poderia listar foi a questão da câmera desligada por alguns estudantes, seja por falta de motivação ou alguma impossibilidade. Alguns destes interagiam pelo microfone ou chat, mas aqueles que permaneciam em total silêncio não era possível ter ideia se estavam por ali ou não. Se fazia sentido o que estava sendo trabalhado em sala ou não.

Já os que estavam com suas câmeras abertas, por mais que nem sempre participassem de forma oral, era possível perceber pelos gestos de cabeça ou expressões faciais se estavam um pouco mais envolvidos com a aula ou não.

A avaliação em tempos remotos

Outro fator que me incomodou bastante e que não poderia deixar de comentar, pois me fez refletir sobre a prática docente é a questão das avaliações. Sabemos que alguns dos estudantes copiam as questões da internet (como nos trouxe o Matheus em “A plataforma Brainly e as exposições da educação brasileira”) e sequer pesquisam nas páginas indicadas, pelos professores, dos livros didáticos ou da web.

Sinto como se fosse muito mais prático (e talvez seja), para eles, jogar no google (ou no Brainly) e copiar a primeira resposta encontrada, que por vezes possuem termos muito avançados e que sequer foram trabalhados nas aulas, do que dedicar um tempo para realizar uma busca significativa.

Nesse sentido, percebo que os estudantes talvez não estejam familiarizados com a pesquisa, pois para responder uma prova com consulta (o que se tornaram as avaliações em tempos de ensino remoto) é preciso ao menos que se consulte mais de uma fonte, reflita sobre o que encontrou e elabore uma resposta mais próximo do que acredita ser a correta, fugindo da decoreba.

Assim, acredito que cabe a nós docentes, dar espaço em nossa sala de aula para que sejam ensinadas, por exemplo, como usar ferramentas de busca online e como referenciar um trabalho incentivando que o estudante tenha um contato maior com a pesquisa científica já no ensino básico.


Para saber mais…

LARROSA, Jorge (2002) Notas sobre a experiência e o saber da experiência.

FOUCAULT, Michel (2007) A arqueologia do Saber.

Ensino Fundamental e a pandemia de covid-19: realidades e vivências no ensino público

A plataforma Brainly e as exposições da educação brasileira

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